As tensões territoriais entre a China e Taiwan continuaram a aumentar este ano desde que o presidente taiwanês Lai Ching-te assumiu o cargo em maio. Com um discurso explícito de defesa de soberania da ilha, Lai é acusado por Pequim de ser separatista, em uma disputa que tem provocado uma atividade militar extensa no Estreito de Taiwan.
Na primeira semana de dezembro, o Exército Popular da China realizou um treinamento com 146 aeronaves, 53 navios de guerra e cruzou a linha do Estreito que divide a ilha do continente, entrando na zona de identificação aérea de Taiwan. As manobras refletem a pressão sobre a ilha, que Pequim vê como parte do território chinês.
Segundo a mídia chinesa, esse exercício foi uma resposta ao discurso de Lai Ching-te na primeira viagem feita ao exterior desde que assumiu o cargo. A escolha não poderia ter irritado mais a China: Lai Ching-te foi a Guam e ao Havaí, territórios americanos, na intenção de barganhar mais apoio dos EUA no momento em que Washington vive a sua própria disputa de influência com Pequim e se prepara para mudanças na sua política com o retorno de Donald Trump.
Como começou a disputa?
A disputa atual entre China e Taiwan remonta a guerra civil da China, que durou entre 1927 e 1949. A ilha, que fica cerca de 160 quilômetros distante da costa sudeste da China, fez parte do império chinês no século 17, durante a dinastia Qing. Em 1895, eles entregaram a ilha ao Japão depois de perder a primeira guerra sino-japonesa e retomaram em 1945, depois que o Japão perdeu a 2.ª Guerra.
Na mesma época, a China vivia uma guerra civil entre as forças do governo nacionalista lideradas por Chiang Kai-Shek e o Partido Comunista de Mao Tse-tung. Os comunistas venceram a guerra em 1949, ao assumir o controle de Pequim e criar a República Popular da China. O governo nacionalista de Chiang Kai-Shek e o que restou do partido, o Kuomintang, fugiram para Taiwan, onde estabeleceram um governo autônomo.
Chiang Kai-Shek sempre teve a intenção de reconquistar o continente chinês e governou Taiwan sob o nome de República da China, nome oficial da ilha até hoje. O Partido Comunista Chinês, por outro lado, a reivindica como uma província por causa das raízes da administração da dinastia Qing e defende aplicar a política “Uma só China”, que na prática estenderia o poder de Pequim sobre Taipei, aos moldes do que acontece em Hong Kong desde que esta deixou de ser uma colônia britânica e retornou ao governo chinês na década de 1990.
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O que pensa o Xi Jinping sobre Taiwan?
Xi Jinping deixou mais claro do que qualquer um de seus antecessores que vê a unificação de Taiwan com a China como o objetivo principal de seu governo. A China declara a intenção de anexar a ilha por meios pacíficos, mas diz que utilizará a força se for necessário.
Em um discurso no 100º aniversário da fundação do Partido Comunista Chinês em 2021, Xi enfatizou a necessidade da unificação do continente com Taiwan, que ele chamou de “uma missão histórica e um compromisso inabalável do Partido Comunista da China”. Qualquer país que ousasse ficar no caminho enfrentaria uma “grande muralha de aço”.
O momento em que Xi tentará alguma ação em Taiwan continua sendo uma questão de grande debate entre especialistas militares e civis sobre a China. Muitos alertam para o fato da economia interconectada entre o continente e a ilha, que seria prejudicada em caso de uma guerra. Em 2023, 35% das exportações taiwanesas foram para a China continental, a maioria representada por circuitos integrados, células solares e componentes eletrônicos. As importações da China continental representam 20% do total importado pela ilha. Entre 1991 e 2022, as empresas de Taiwan investiram cerca de US$ 203 bilhões na China.
Entretanto, a China se prepara para uma situação de invasão. Em maio, quando o presidente William Lai Ching-te, do Partido Democrático Progressista (DPP), assumiu o poder, depois de ser eleito com a defesa da soberania de Taiwan, a China realizou um exercício em larga escala de cerco à ilha para testar a habilidade das Forças Armadas de conjuntamente tomar o poder, lançar ataques conjuntos e “ocupar áreas críticas”.
O que pensa Lai Ching-te sobre a reunificação com a China?
Em Taiwan, o Partido Democrático Progressista (DPP) tem uma política de distanciamento de Taipei com Pequim. Lai Ching-te, que se tornou presidente em maio deste ano, declarou após a sua vitória nas eleições que vai “resistir a anexação” e que Taiwan não é subordinada a China.
O presidente assumiu o governo da sua companheira de partido, Tsai Ing-wen, que governou Taiwan por oito anos depois de vencer as eleições de 2016 e 2020. Tsai também defendia uma política independente para a ilha, mas não de forma explícita.
“Nossa determinação em defender nossa soberania nacional permanece inalterada”, disse Lai Ching-te em outubro. “Nossos esforços para manter o status quo de paz e estabilidade no Estreito de Taiwan permanecem inalterados.”
As ideias do partido contrastam com o Kuomitang, de Chiang Kai-Shek, que possui uma identidade e um laço maior com a China continental. Apesar do Kuomitang não defender a reunificação com Pequim, o partido busca uma relação maior com o Partido Comunista Chinês por defender que os povos da China e de Taiwan têm as mesmas raízes.
Que métodos não bélicos a China pode usar para anexar Taiwan?
Um relatório publicado em junho pelo centro de estudos Center for Strategic and International Studies (CSIS) examinou alternativas para a China impedir a independência de Taiwan e implementar a política de Uma Única China. Além de uma invasão, como aconteceu na Ucrânia pela Rússia, outras opções seriam um bloqueio militar ou um cordão de isolamento, como um embargo.
A quarentena poderia ser parcial ou total, cortando acesso aos portos e impedindo a chegada de insumos (inclusive energia), e não é considerada um ato de guerra, como um bloqueio naval, porque seria feita pela Guarda Costeira da China, uma agência de aplicação da legislação chinesa que controla o tráfego marítimo e aéreo.
Como a China considera Taiwan parte de seu território, no mar territorial chinês poderia exercer sua atividade e inspecionar os navios que chegam a Taiwan para abastecer a ilha em uma operação de busca e apreensão. “O embargo não obrigaria a China a fechar ou restringir o acesso ao Estreito de Taiwan, que separa a ilha do continente, preservando a liberdade de navegação em águas internacionais”, diz o relatório do CSIS.
Como os EUA estão envolvidos no caso de um conflito?
Caso Pequim escolha pelo uso da força para anexar Taiwan, isso poderia arrastar os EUA para o conflito. Washington mantém uma política desde 1979 que considera Taipei um parceiro econômico e de segurança vital, mas não tem um tratado de defesa mútua, a exemplo do que possui com a Coreia do Sul e do Japão.
Essa política ganhou o nome de “ambiguidade estratégica”, por ser propositalmente vaga para não os EUA não serem arrastados para um conflito de forma automática. O apoio militar dos EUA a Taiwan acontece principalmente por meio de venda de armas e sistemas de defesa, obrigado por lei.
Nos últimos quatro anos, o governo de Joe Biden, com tensão crescente com a China, deu a entender que estaria pronto para defender Taiwan em caso de invasão da China. Com o retorno de Trump, essa disposição deve mudar.
Na primeira entrevista que concedeu após ser eleito presidente, para a emissora NBC, Trump deixou claro que não tem qualquer obrigação de proteger Taiwan. Ele disse, porém, esperar que a China não use a força para retomar o território.
Na avaliação da ex-diplomata americana no Leste Asiático e atual professora da Universidade de Yale, Susan Thornton, dificilmente os EUA sairão da posição ambígua estabelecida em 1979. “É improvável que os EUA se desvinculem da defesa militar de Taiwan, pois somos obrigados por lei a fornecer artigos militares defensivos a Taiwan”, disse. “Duvido que isso mude”.
Desde 1950, os Estados Unidos venderam a Taiwan quase US$ 50 bilhões em equipamentos e serviços de defesa, tendo nos últimos governos um aumento significativo de vendas. Apenas Israel, Japão e Arábia Saudita compraram mais dos Estados Unidos durante esse período, de acordo com os dados do Departamento de Defesa dos EUA compilados pelo Centro de Relações Exteriores (CFR, na sigla em inglês), um centro de estudos baseado em Washington.
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