Guia simples para entender como ficará a Guerra na Ucrânia em 2025

Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, o conflito no leste europeu, que completará três anos em fevereiro, ganha uma nova camada de complexidade com a possibilidade de um cessar-fogo à vista

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Foto do author Isabel Gomes
Atualização:

Prestes a completar três anos, a guerra na Ucrânia deverá passar por decisões cruciais em 2025. A Ucrânia luta por mais apoio ocidental para enfrentar o avanço russo no leste de seu território, enquanto Vladimir Putin direciona um orçamento recorde para gastos militares, transformando a economia da Rússia em uma “economia de guerra”.

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No último ano, a guerra do leste europeu passou por uma série de episódios decisivos, incluindo a ofensiva surpresa da Ucrânia em Kursk, na Rússia, e seus ataques massivos de drones contra instalações russas, bem como uma expansão massiva da ação russa no lesta ucrâniano.

Agora, Donald Trump chega ao Salão Oval da Casa Branca no dia 20 de janeiro após uma campanha ancorada em promessas de dar um fim à guerra em 24 horas. A ameaça do republicano de diminuir o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia e a complacência de Trump com Putin em seu primeiro mandato deverão intensificar a pressão sobre Kiev para negociar ainda em 2025, o que, do ponto de vista de Moscou, equivale à capitulação.

Veja em perguntas e respostas o que esperar da guerra em 2025:

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1. Quais foram os avanços territoriais na guerra em 2024?

Desde o início da guerra na Ucrânia, este foi o ano de maior movimentação de tropas. A Rússia avançou rapidamente na região de Donetsk, capturando aproximadamente 477 km², o que representa a maior conquista territorial desde o final de 2022. Cidades estratégicas como Pokrovsk, Toretsk e Vugledar estão sob ameaça iminente de ocupação russa.

“A grande batalha dessa guerra de 2024 é por Pokrovsk, um hub logístico do exército ucraniano na região do Donbass”, aponta o professor de Defesa e Segurança Internacional, Sandro Teixeira.

Com os avanços em 2024, o controle militar russo na Ucrânia seria de mais de 3.500 km². Grande parte desses avanços ocorreu em Donetsk, onde as forças ucranianas agora controlam apenas um terço da região.

“Com a mudança da presidência nos EUA, e com a intenção declarada de Trump de forçar negociações e um fim da guerra, os dois lados tentam melhorar suas posições neste período final de modo que durante as negociações sob Trump possam negociar a partir de uma posição de força mais sólida”, diz Angelo Segrillo, professor de história contemporânea da USP especialista em Rússia.

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Em resposta, a Ucrânia lançou uma ofensiva surpresa na região russa de Kursk em agosto, a primeira em solo russo desde a Segunda Guerra, capturando cerca de 1.250 km² e mais de cem localidades. Segundo Teixeira, a ofensiva atingiu seu pico em 9 de setembro, mas desde então os russos têm pressionado as tropas ucranianas e já recuperaram mais da metade desses 1.000 km quadrados.

Esta incursão, a primeira em solo russo desde a Segunda Guerra Mundial, visa desviar recursos militares russos de outros fronts e fortalecer a posição ucraniana em futuras negociações. No entanto, até o momento, a redistribuição de tropas russas tem sido menor do que o esperado, e as forças ucranianas enfrentam desafios para manter as áreas conquistadas.

Militares ucranianos em exercício de medicina tática na região de Donetsk, em meio à invasão russa. Foto: Imprensa da 24ª brigada mecanizada das Forças Armadas Ucranianas/AFP

2. Qual é estrutura financeira e militar após quase três anos?

A Ucrânia enfrenta uma situação difícil, com falta de soldados e dependência da ajuda ocidental, sob ameaça de diminuição de recursos com a chegada de Trump à presidência dos EUA.

Zelenski disse em dezembro que 43 mil soldados ucranianos morreram desde a invasão da Rússia. A contagem difere bastante das estimativas de autoridades e analistas militares dos EUA, que disseram que o número está mais próximo de 70 mil.

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Teixeira destaca o fato de que a média de idade do exército ucraniano é de 46 anos e meio. “Hoje isso é uma média muito alta, e o indicativo é de ainda subir e passar de 47 anos. Para um soldado na linha de frente, isso é muito alto. Não se pode pedir uma pessoa de 47 anos o que uma pessoa de 18 anos faz”, diz o especialista.

A guerra devastou a economia ucraniana, com o PIB caindo cerca de 30% no primeiro ano de conflito. Embora tenha havido uma recuperação modesta em 2023, a infraestrutura destruída e a ocupação de 18% do território pelo exército russo ainda dificulta a recuperação econômica.

Apesar das sanções internacionais, a economia russa demonstrou resiliência inicial. Em 2023, o PIB cresceu 3,6%, impulsionado por gastos militares e exportações de energia. No entanto, em 2024, sinais de enfraquecimento emergiram, com flutuações cambiais e inflação persistente.

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“A dinâmica de ganho de terreno custa caro. A Rússia tem perdas de materiais e tem perdas humanas, mas até o momento ela tem demonstrado capacidade de absorver essas perdas de maneira maior que os ucranianos”, diz Teixeira.

O orçamento aprovado para 2025-2027 prioriza a defesa, com 32,5% das despesas destinadas ao setor militar, indicando uma economia cada vez mais orientada para o conflito. Para Segrillo, apesar de a Rússia estar conseguindo dar continuidade às operações militares, sua “economia de guerra” será ruim para produtividade e eficiência russa. “Apesar da retórica, para a Rússia também é interessante terminar o conflito o mais cedo possível”, avalia o professor.

3. Quais devem ser os próximos passos?

Diante deste cenário de baixas militares e economias fragilizadas pela guerra, os dois lados têm dado sinais de disposição para aceitar um possível cessar-fogo em 2025, mediado por Donald Trump, que prometeu ao longo de sua campanha “acabar com a guerra em 24 horas”.

“A gente tem visto uma série de medidas por parte dos russos no sentido de aproveitar a fadiga europeia, aproveitar que os republicanos tomaram vão tomar o controle da Câmara, do Senado e vão ter a presidência e criar um sentimento de que é inútil continua lutando”, diz Teixeira, citando uma forte campanha russa em redes sociais a favor de negociações pelo fim da guerra.

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“Quando isso falha, eles partem para o ‘sabre nuclear’, dizendo que a Ucrânia estaria utilizando equipamentos que colocam a existência da Rússia em risco. Eles querem criar essa visão no Ocidente para que justamente isso força negociações mais rápido.”

A Ucrânia, por sua vez, tem mais resistência em aceitar um acordo, porque sabe que com Trump no poder poderá ter de ceder um pouco mais do que gostaria, mas sob ameaças de diminuição de apoio de seu principal aliado, tem poucas alternativas senão aceitar. Zelenski disse no fim de novembro que quer “trabalhar diretamente” com Trump para acabar com a guerra, mas em dezembro declarou que os pedidos para convencer Kiev a negociar com a Rússia eram “perigosos” e “irresponsáveis”.

4. Qual a função a Coreia do Norte na guerra?

Em outubro, os Estados Unidos e a Coreia do Sul denunciaram o envio de 10.000 a 12.000 soldados da Coreia do Norte para o campo de guerra russo. As tropas foram enviadas para apoiar as operações bélicas da Rússia, incluindo a província fronteiriça de Kursk, onde a Ucrânia invadiu em agosto.

A Rússia fortaleceu seus laços militares com a Coreia do Norte a partir da invasão da Ucrânia iniciada em fevereiro de 2022. O envio das tropas ocorreu meses depois de Moscou e Pyongyang assinarem um acordo de defesa mútua, que obriga os dois Estados a prestar assistência militar “sem demora” em caso de ataque contra um deles.

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Para Angelo Segrillo, professor de história contemporânea da USP especialista em Rússia, a entrada dos norte-coreanos, além da atividade defensiva no território russo, serve para assustar o Ocidente “com o medo de o conflito estar se generalizando e a Rússia ganhando aliados”.

Kim Jong-un e Vladimir Putin durante uma cerimônia de boas-vindas ao russo na Praça Kim Il Sung em Pyongyang, em junho de 2024.  Foto: Vladimir Smirnov/Sputnik via AFP

Especialistas de vários países afirma que Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte, tem armas nucleares e está interessado em adquirir tecnologia avançada de Moscou, além de experiência em combate para suas tropas. Para Teixeira, o envio de soldados é uma retribuição a tecnologias já adquiridas.

“O envio de soldados norte-coreanos para o conflito é uma medida de pagamento da Coreia do Norte por equipamentos, tecnologias, por acesso a materiais e conhecimentos que ela não tinha e que estão sendo passados”, diz Teixeira. “Eles estão recebendo caças Mig-29. Não é o caça mais moderno do arsenal Russo, mas é um caça que coloca a Coreia do Norte em condições de causar um problema sério para a Coreia do Sul.”

5. Trump dará fim à guerra?

Trump repetidamente disse em sua campanha que terminaria com a guerra em um dia. O prazo de 24 horas prometido pelo republicano é, por lógica, inviável, mas deixa claro a pressa da Casa Branca, sob o novo governo, de parar de gastar com o conflito no leste europeu, uma vez que o presidente eleito também já foi enfático de que a Ucrânia receberá menos ajuda de Washington assim que ele assumir o cargo em 20 de janeiro.

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“Há um espírito de encerrar o conflito porque o Partido Republicano está dominado por uma consideração estratégica muito clara que é partir para confrontação com a China”, diz Teixeira. “Para eles, a guerra na Ucrânia é uma distração, no sentido de que drena recursos que vão ser necessários para uma eventual conflito no Pacífico.”

6. Qual é o provável cenário de um cessar-fogo?

A mediação dos Estados Unidos é imprescindível para a realização de um acordo, apontam os especialistas ouvidos pelo Estadão. Russos acreditam que a Ucrânia não tem capacidade de assinar um acordo, e ucranianos afirmam que sairão perdendo em uma negociação direta com Moscou.

A Rússia tem dados sinais de disposição em sentar à mesa para um acordo. Mas o governo de Putin enfatiza a necessidade de reconhecimento das anexações territoriais de 2014 e exige como cláusula que a Ucrânia não entre na Otan.

Casa destruída por ataque de míssil em Shevchenkove, região de Kharkiv, em meio à invasão russa da Ucrânia, em dezembro de 2024  Foto: Polícia Nacional da Ucrânia / AFP

Por outro lado, a Ucrânia tem deixado claro que não pretende não ceder território, mas a postura de Trump gera incertezas sobre o comprometimento americano com os interesses ucranianos diante de um acordo.

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“Os americanos querem que eles conversem, mas colocam que a Ucrânia vai ter que aceitar que não pode retomar seu território agora”, diz Teixeira.

Os especialistas apontam que, o que parece mais provável diante do atual cenário, é provável que o conflito entre em uma trégua mantendo a atual situação territorial.

“Parece-me que, depois de todas as idas e vindas das negociações, a tendência é caminhar para mais um ‘conflito congelado’ como muitos que há naquele espaço das antigas repúblicas soviéticas”, avalia Segrillo.

O envio de tropas ocidentais para a Ucrânia também é uma provável cláusula do acordo — uma proposta apresentada pelo presidente francês Emmanuel Macron no início deste ano e que, em várias capitais europeias, já começaram os primeiros contatos discretos para discutir o possível envio, relatou a AFP. Essas tropas poderiam constituir uma espécie de força de paz para preservar a soberania da Ucrânia, no âmbito de um eventual acordo entre Trump e Putin.

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