A centralidade que a imigração e a disputa com a China tem para o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, deve moldar sua política para América Latina. E a escolha de Marco Rubio como secretário de Estado, o primeiro latino a ocupar o cargo, sugere que a região deve receber mais atenção do governo que se inicia em 20 de janeiro.
O México entrou na mira de Trump, ameaçado com a imposição de tarifas, imediatamente após a posse, para conter o fluxo de imigrantes e drogas na fronteira com os Estados Unidos. Mas não deve ser o único país da América Latina no foco da Casa Branca, que terá um filho de imigrantes cubanos como chefe da diplomacia.
Marco Rubio é crítico das ditaduras que controlam Havana, Caracas e Manágua. Por outro lado, demonstrou entusiasmo com a ascensão de líderes da direita, como Javier Milei, na Argentina, Nayib Bukele, em El Salvador, Daniel Noboa, no Equador, e Santiafo Peña, no Paraguai. E quer criar uma espécie de coalizão conservadora para fazer frente à crescente influência de China e Rússia na América Latina, há décadas deixada de lado pela política externa americana.
Navegue neste conteúdo
México, imigração e a ameaça de tarifas
As fronteiras são prioridade para Donald Trump que escalou na retórica contra imigrantes e prometeu acabar com o que chama de “invasão” nos Estados Unidos. Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito voltou a carga para o México, e ameaçou impor tarifas de 25% sobre os produtos do maior parceiro comercial dos Estados Unidos.
“Essa tarifa permanecerá em vigor até que as drogas, em particular o Fentanil, e todos os imigrantes Ilegais parem esta invasão do nosso País!”, escreveu na sua rede, a Truth Social.
Com isso, o republicano repete a abordagem da primeira passagem pela Casa Branca, quando usou a ameaça de tarifas para conseguir o acordo de controle da imigração com o então presidente Andrés Manuel López Obrador. Ainda não está claro, contudo, qual será o resultado desta vez. Logo depois da publicação nas redes sociais, Donald Trump falou por telefone com Claudia Sheinbaum, a sucessora de AMLO, mas as versões sobre o que teria sido acordado são divergentes.
Trump descreveu a conversa como “produtiva” e afirmou que a contraparte mexicana teria concordado em parar a imigração, o que significaria “efetivamente fechar a fronteira”. Claudia Sheinbaum, por outro lado, disse ter reiterado que a posição mexicana “não é fechar fronteiras, mas construir pontes entre governos e entre povos”.
“Este é um tema muito sensível, domesticamente, para Donald Trump”, ressalta o professor de Relações Internacionais da FGV Pedro Brites. “Ao longo dos quatro anos anteriores de Trump no poder, ele tentou estabelecer políticas, de fato, restritivas, que inclusive levaram a questionamentos sobre possíveis violações dos direitos humanos, como no caso da separação das famílias”.
De volta à Casa Branca, afirma, Trump deve retomar políticas impositivas de controle da imigração, o que impacta diretamente a relação com o México, mas não só. “Isso, eventualmente, vai levar a pressão sobre os países de origem (dos imigrantes) para evitar que as pessoas saiam em direção aos Estados Unidos”, avalia Brites.
Os planos do republicano para frear a imigração incluem ainda uma operação de deportação em massa. Estima-se que 11 milhões de pessoas vivem nos Estados Unidos de forma ilegal, sendo 4 milhões oriundas do México, 2 milhões da América Central, 800 mil da América do Sul e 400 mil do Caribe, segundo levantamento da The Economist, que alerta para o impacto que a política teria. Além de absorvê-los de volta, os países de origem sofreriam com a perda de remessas dos imigrantes que, em alguns casos, correspondem a fatias consideráveis do PIB.
Venezuela e a ditadura Nicolás Maduro
Na Venezuela, a crise causou o deslocamento de 7 milhões de pessoas, que seguem cada vez mais rumo aos Estados Unidos, e a permanência de Nicolás Maduro no poder leva a temores de nova onda migratória. O ditador deve tomar posse em 10 de janeiro, depois de proclamar vitória numa eleição denunciada como fraude, sem divulgar os dados das urnas que comprovariam os resultados.
O acordo que garantiu a votação foi costurado pelo governo Joe Biden, que chegou a relaxar sanções à Venezuela, mas voltou a impô-las depois que Maduro descumpriu as promessas de eleições livres.
Trump, por sua vez, pressionou Nicolás Maduro com sanções, congelou todos os ativos da Venezuela nos EUA, reconheceu o líder opositor Juan Guaidó como presidente e ameaçou até intervir militarmente durante o primeiro governo. Ao longo da campanha, as menções do republicano à Venezuela focaram na imigração, com alegações falsas de que prisões e instituições psiquiátricas do país estariam sendo esvaziadas, inundando dos EUA com criminosos.
Apesar dos esforços da oposição, que ainda se mobiliza na esperança de evitar a posse de Maduro, o ditador não sinaliza qualquer disposição em deixar o poder e a pressão internacional tem sido ineficaz nesse sentido. A expectativa é que, na Casa Branca, Donald Trump volte a pressionar a Venezuela com a imposição de sanções, como fez no primeiro mandato, mas sem escalar para uma intervenção militar.
“Os Estados Unidos de Trump estão menos dispostos em arcar com os custos de intervenções em outros países”, aponta Pedro Brites citando como exemplo que o republicano descartou se envolver com a crise na Síria.
“Em termos de sanções e discursos mais duros, calculo que veremos uma deterioração da relações dos Estados Unidos com a Venezuela. Não acredito que a situação humanitária vá se resolver no curto prazo. Isso continuará sendo uma questão não só para os EUA, mas também para os países vizinhos. A tendência é que Trump adote medidas contra Maduro, como fez antes, só não acredito que isso vá escalar para uma intervenção”, avalia.
Avanço da China na América Latina
Outro ponto de atenção para o republicano na região deve ser a presença cada vez maior da China. Os EUA mantém o posto de maior parceiro comercial da América Latina, mas foram ultrapassados pelo adversário asiático na América do Sul.
As trocas comerciais entre a China e os países da América Latina saltaram de US$ 18 bilhões para US$ 450 bilhões entre 2002 e 2022. Além disso, 22 países na região assinaram acordos de cooperação no âmbito da Nova Rota da Seda, o megaprojeto chinês de investimentos, segundo informações do Global Times.
Da América do Sul, apenas Brasil, Colômbia e Paraguai não fazem parte do projeto. O governo brasileiro resistiu à investida chinesa para aderir à Nova Rota da Seda, preocupado com os impactos geopolíticos para o País, mas fechou uma parceria alternativa de investimentos durante a visita de Xi Jinping a Lula, em Brasília, às margens do G-20.
“Essa é uma preocupação, especialmente para países como o Brasil, que tem tentado manter os canais de diálogo com os Estados Unidos, mas investido nas relações dentro do Brics e do G-20 com a China”, avalia Pedro Brites. “Será preciso observar se esses países serão empurrados de forma mais direta para dentro da competição entre China e Estados Unidos”.
No caso do Brics, Donald Trump ameaça retaliar com tarifas se o grupo avançar para criar uma moeda própria, contornando o dólar. A bravata não deve ter consequências práticas, pelo menos no primeiro momento, porque a moeda do Brics nunca saiu do plano das ideias, e foi interpretada por analistas como sinal de alerta para o bloco, em especial para China.
Leia também
O Brasil ainda deve ser impactado pelo enfraquecimento de organizações multilaterais e ações de enfrentamento às mudanças climáticas. Joe Biden fez visita histórica à Amazônia — a primeira de um presidente dos EUA — e anunciou investimentos para preservação da floresta, embora os valores reais não cheguem nem perto dos US$ 500 milhões prometidos.
Agora, com Donald Trump, o clima sai do foco da Casa Branca no momento em que o Brasil busca se posicionar como liderança na questão ambiental e se prepara para receber a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), em Belém.
“As ações globais para a preservação do meio ambiente e mudança de clima e a transição energética ficarão afetadas pela perda de prioridade no novo governo Trump, que prometeu ampliar a pesquisa e exploração de petróleo e gás no território americano e não priorizar as metas previstas no acordo de Paris”, apontou o ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa em artigo para o Interesse Nacional. “A COP-30 no Brasil poderá ser esvaziada pela ausência do presidente dos EUA”.
Vitória de Trump é boa notícia para Milei, mas o que significa na prática?
Na vizinha Argentina, o retorno de Donald Trump tende a fortalecer Javier Milei, que completou um ano de governo com a popularidade em alta, apesar dos efeitos colaterais dos cortes que promoveu para acertar as contas públicas. Milei foi a primeira liderança internacional recebida por Trump depois da eleição nos Estados Unidos. E pode ter papel importante nos planos de Marco Rubio para formar uma coalizão conservadora na América Latina, como observou o analista Andrés Oppenheimer, colunista do Estadão.
Para Pedro Brites, a ascensão de Donald Trump fortalece a extrema direita como um todo, o que inclui Milei. Ainda não está claro, contudo, se o alinhamento político pode ser revertido em vantagens concretas para a Argentina. “Do ponto de vista ideológico, o fortalece, como fortalece a extrema direita no mundo inteiro, mas não consigo ver pautas mais estruturadas do ponto de vista de política externa para os Estados Unidos em que a pese a tentativa dele de construir mais canais de diálogo com Trump”, afirma.
Milei demonstrou interesse em negociar um acordo de livre comércio com os EUA — o que só poderia ser feito em conjunto com Brasil, Uruguai e Paraguai pelas regras do Mercosul. Crítico do bloco, ele deve aproveitar a presidência da Argentina para pressionar por mais flexibilidade, como fez na Cúpula de Montevidéu.
“O Mercosul, que nasceu com a ideia de aprofundar nossos laços comerciais, acabou se tornando uma prisão”, reclamou. “Esse não é um problema novo, mas se continuarmos tentando tapar o sol com as mãos, será cada vez mais difícil resolvê-lo”.
O republicano, por outro lado, aposta nas tarifas para impulsionar a economia americana e abandonou ou renegociou acordos de livre comércio durante o primeiro governo. “O isolacionismo de Trump acaba prevalecendo mesmo sobre os alinhamentos políticos”, conclui Pedro Brites.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.