Sim, os aviões de Putin invadiram o espaço aéreo da Turquia. Mas não atacaram e não irão atacar a Turquia - se houvesse um ataque, seria um ataque contra um membro da OTAN (Turquia) e consequentemente contra todos os outros países integrantes da aliança militar, incluindo os EUA. Mas, insisto, a Rússia não atacou e não atacará os turcos.
Em segundo lugar, a Rússia possui boas relações bilaterais com a Turquia. O presidente turco Recep Tayyp Erdogan esteve no mês passado em visita festiva a Putin em Moscou. Os dois países possuem um comércio de US$ 32 bilhões, com tendência de crescimento. Trabalham juntos em uma série de áreas. Sem dúvida, adotam posições antagônicas em certos temas geopolíticos, como o conflito entre a Armênia (aliada da Rússia) e o Azerbaijão (aliada da Turquia).
Na Síria, os russos de fato apoiam o regime de Bashar al Assad, inimigo de Erdogan, e os turcos apoiam milícias ultra extremistas islâmicas, como a Frente Nusrah (Al Qaeda na Síria), Jaysh al Fatah, além de uma relação obscura com o ISIS, também conhecido como Grupo Estado Islâmico ou Daesh.
E os EUA? Os EUA têm como inimigo militar na Síria o ISIS. E o ISIS também é inimigo da Rússia. O governo americano pode ter uma retórica anti-Assad, aliado dos russos. Mas, em quatro anos de conflito, não fez absolutamente nenhuma ação militar contra Assad. E os rebeldes aliados dos EUA que a Rússia atacou? Os EUA não possuem rebeldes aliados relevantes na Síria, segundo o próprio Pentágono disse recentemente. Treinou umas centenas e apenas algumas dezenas estão em combate, lutando ao lado de milícias radicais como a Frente Nusrah e Jaysh al Fatah - que, embora ultra extremistas, também são inimigos do ISIS.
Para completar, EUA e Rússia possuem canais de diálogo. Certamente evitariam uma escalada, assim como evitaram em décadas de Guerra Fria, quando eram inimigos.
Resumindo, a Guerra da Síria não tem bonzinho. Todos os lados são ruins. O conflito está longe de terminar - no Líbano, foram 15 anos. Acho que temos anos de mortes pela frente. A intervenção da Rússia será apenas mais um capítulo no conflito e servirá para, no curto e médio prazo, fortalecer Assad e enfraquecer os grupos armados opositores. Esta balança pode se alterar no longo prazo, com enfraquecimento de Assad e fortalecimento da oposição. O ISIS não desparecerá, assim como o Taleban não desapareceu mesmo depois de 14 anos de intervenção dos EUA com a OTAN no Afeganistão, incluindo mais de 100 mil soldados americanos em determinado momento.
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires
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