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De Beirute a Nova York

Por que os EUA e a Europa derrubaram Kadafi quando ele era aliado, e não pária?

 no twitter @gugachacra

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Por gustavochacra
Atualização:

Muamar Kadafi chegou ao poder como outros líderes revolucionários africanos e árabes nos anos 1970. Na década seguinte, se transformou em um pária internacional ao ser acusado de envolvimento em um atentado em uma boate da Alemanha e na explosão de uma avião da Pan-Am em Lockerbie.

Os anos 1990 foram de ostracismo para Kadafi apenas no Ocidente. Algumas empresas de outras partes do mundo, inclusive do Brasil (nosso país não é considerado ocidental por europeus e americanos), negociavam com ele. Porém o líder líbio era visto como um terrorista nos EUA e na Europa.

Este isolamento em Paris, Londres e Washington apenas seria superado com a queda de Saddam Hussein, no Iraque, depois da invasão americana. Kadafi percebeu, naquele momento, que era melhor se aliar ao Ocidente, em vez de bater de frente. Afinal, outros ditadores e monarcas absolutistas sanguinários, como o rei da Arábia Saudita e o paquistanês Pervez Musharaf, eram descritos como parceiros na Guerra ao Terror. E os inimigos, como o iraquiano, derrubados.

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Para virar um "rei Abdullah", primeiro, o líder líbio assumiu envolvimento com o terrorismo, pagou indenizações e entregou suspeitos. Depois, abdicou de seu programa de armas de destruição em massa. Também passou a doar dinheiro para políticos na Itália, na França e na Inglaterra e fortaleceu sua influência em nações africanas. Para completar, contratou uma empresa de relações públicas dos EUA que escrevia seus artigos e os dos filhos para publicações internacionais.

Obviamente, permanecia como um ditador internamente, assim como a China e a Arábia Saudita, duas ditaduras sanguinárias aceitas pela comunidade internacional. No caso saudita, tratando as mulheres como animais.

Mas dois fatores alteraram a equação para Kadafi. Primeiro, ao se aproximar do Ocidente e da África, ele esqueceu do mundo árabe e islâmico como um todo. O líder líbio, na Guerra Fria do Oriente Médio entre Irã e Arábia Saudita, era inimigo dois lados. No primeiro caso, pelo provável assassinato do histórico líder xiita libanês Musa al Sadr. No segundo, por desvirtuar o islamismo sunita.

Em segundo lugar, com os protestos em Benghasi, as nações européias, apesar da aproximação com Kadafi, viram uma oportunidade de dar um fim à presença anterior da China, Rússia e mesmo do Brasil no território líbio. Apoiando os rebeldes, poderiam ter mais influência neste rico produtor de petróleo.

A derrubada de Mubarak, no Egito, e de Ben Ali, na Tunísia, indicavam, naquele momento, ser complicado para Moscou ou Pequim vetar uma ação no Conselho de Segurança da ONU. No fim, a OTAN desrespeitou a resolução 1973 da ONU, que estabelecia apenas uma zona de exclusão aérea, e derrubou o regime de Kadafi. Sem esta ação, o líder líbio dificilmente seria deposto no médio prazo.

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Portanto, Kadafi caiu do cavalo quando era aliado, e não pária. Basicamente, usando teoria dos jogos, antes ele era a única peça no tabuleiro do lado líbio. Logo, os EUA e os europeus não tinham outra alternativa além de aceitá-lo. Afinal, a troca era boa - petróleo, contribuições políticas e um discurso contra a proliferação nuclear. Mas descobriram que, com os rebeldes, poderiam ter tudo isso e ainda tomando o lugar da China, da Rússia e do Brasil em muitos investimentos na Líbia.

Não é a toa que, na Síria, chineses e russos vetaram uma resolução condenando o regime de Assad. A mesma equação aplicada a Kadafi serve para Bashar al Assad. Mas, para a Coreia do Norte, não. Afinal, tem armas atômicas. Por este motivo, o Irã seguirá atrás de armamentos nucleares e o Paquistão ficará cada vez mais arredio.

Obs. A resposta do post da teoria dos jogos será publicada depois da série de matérias sobre a Síria

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O jornalista Gustavo Chacra, correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo" e do portal estadão.com.br em Nova York e nas Nações Unidas desde 2009, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Iêmen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al-Qaeda no Iêmen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo, empatado com o blogueiro Ariel Palacios

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