"Assim como todos os meus amigos, gosto de medir a minha evolução de acordo com as Copas do Mundo.
Em 1978, eu tinha dois anos. Lembro de cenas, mas não posso dizer exatamente do que. Já da de 1982, eu lembro perfeitamente. O convite para a minha festa de aniversário era um desenho feito por mim com o Zico batendo um pênalti no Valdir Peres. Aliás, o time era Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Junior; Cerezo, Falcao, Socrates e Zico; Serginho e Éder. Ninguém do Palmeiras, nem na reserva. O Pedrinho estava emprestado para o Vasco, apesar de vestir a camisa do Palmeiras naquelas figurinhas do chiclete.
Eu tinha seis anos, estava aprendendo a ler. Por isso, não me conformava que a camisa da União Soviética tinha as inscrições CCCP, em vez URSS. E demorou também pra entender porq uetanta gente grande chorou no dia que Paolo Rossi fez três gols no Brasil no estádio do Sarria (eu chamava de Sabia). Dias depois, fiquei orgulhoso que o Brasil perdeu para o time campeão. Poderíamos ter sido segundo. A musica da Copa era a repetição da de 70, mas com 30 milhões a mais de habitantes. "120 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção. De repente aquela corrente pra frente. Até parece que o Brasil deu as mãos. Todos ligados na mesma emoção. Tudo eh um só coração..." Meu sonho era ser geografo, afinal sabia todas as capitais do mundo e vários presidentes. Amava o mapa que o Robi, meu irmão, tinha no quarto. Queria morar em Nova York e sempre conversava disso com o Quik, um Guga miniatura - uma espécie de amigo invisível - que morava do lado da minha cama.
1986 foi um ano de pré-adolescência. Ainda não estava me transformando em homem, se eh que vocês me entendem. Mas já entendia bem o que se passava no mundo. Lia, sabia tabuada, tinha uma boa noção de história, de geografia - era fanático pelo Almanaque Abril, uma espécie de Google impresso. Ainda não tinha começado a aprender analise sintática. E amava futebol mais do que nunca. Foi a minha idade-futebol. Era a fim da mesma menina que todos na escola, mas ainda não tinha beijado ninguém. Ja conhecia os EUA. Era chorão, tinha personalidade forte e exercia liderança sobre os amigos. E respondia, obviamente, quando me perguntavam se preferia menino ou menina, com uma interrogação: "Pra brincar ou para namorar?" Obvio que não sabia na época que existiam muitas brincadeiras divertidas com meninas. Sobre a Copa, chorei bastante quando o Brasil perdeu p/ a Françaa nos pênaltis. Achava que dava para ganhar. O consolo foi ver o Maradona e saber que um carioca e um corintiano perderam os pênaltis. E o Senna ganhou o grande premio do Canadá no mesmo dia da eliminação - apesar de eu torcer para o Piquet. A música da Copa era aquela célebre "Mexi, mexi mexicoração, vamos que vamos que essa bola vai rolar. Vai mais, vai mais Brasil. Povo guerreiro mensageiro da esperança. Vai no peito e na raça, buscar nossa taca, e mostrar p/ o mundo inteiro a sua dança. Ginga pra cá, gol, ginga pra lá, Brasil, e reviver novamente a emoção". E tinha o Araquém. A escalação: Carlos, Josimar, Julio Cesar, Edinho e Branco; Elzo, Alemao, Junior e Socrates; Careca e Miller. Do Palmeiras, o Leão na reserva e o Diogo na seleção do Uruguai. Meu sonho era ser goleiro da seleção - algo impossível para quem teria apenas 1,75 m.
Passaram quatro anos, e eu estava naquela idade delicada. Perdi a virgindade dois meses depois do meu aniversário. Já tinha beijado e imaginava que, quatro anos depois, seria um um cara bacana, cheio de namoradas gostosas, com carro, ganhando dinheiro. 18 anos, estava chegando. Mas ainda era um moleque, que jogava polo aquático. No esquema clube, cinema, escola e televisão do Eduardo e Mônica. Com 14 anos me apaixonei pela primeira vez. Ate imaginava que casaria com a minha primeira namorada.. 14 anos era bom, o Brasil começava a abrir a economia, as pizzarias ganharam novos sabores apesar de eu só pedir marguerita sem tomate. Strogonoff deixava de ser prato chique e misto quente já não era o único companheiro do cachorro quente, do americano e do cheese salada no cardápio da lanchonete do clube. Tb surgiam os refrigerantes diets e a Big Coke. Na Copa, o Brasil foi uma droga. Perdemos da Argentina logo nas oitavas e o Lazaroni só convocou cariocas. Nenhum jogador de São Paulo. Escalação: Tafarel, Jorginho, Ricardo Rocha, Ricardo Gomes e Branco; Dunga, Alemão e Valdo; Miler e Careca. A musica da Copa era "Papa essa Brasil, papa essa Brasil, vamos que vamos quem tem bola vai a Roma". Meu sonho era ser medalha de ouro nas Olimpíadas jogando polo.
18 anos e não sabia dirigir - repeti seis vezes, todas na baliza e sempre tentando mirar a letra A da auto-escola Pamplona no retrovisor. Estava na escola ainda, tinha repetido de ano, morria de medo de pegar Exército e uma tendinite no ombro direito havia interrompido a promissora carreira no polo aquático. E era a Copa dos EUA. Na poca, eu era um menino boa pinta, metido, com uns amigos legais, ficava com as meninas. Estava longe de ser um nerd. Pelo contrario, era até top.
Nesta idade, sempre temos a esperança de que seremos o melhor. Quem presta FGV, acha que será presidente de banco. Os que foram para direito queriam ser juízes. Outros queriam apenas ser ricos, mas os mais ricos. O certo é que seriamos os melhores. 18 anos é demais por isso, dá para sonhar qualquer coisa, mudar de ideia. E o Brasil finalmente ganhou uma Copa, com dois jogadores do Palmeiras em campo, o Mazinho e o Zinho. A música era da Bramha: "Vai Brasil da um show, mete a bola na rede e mata a minha sede de gol, mais um, mais um. Vamos la seleção, bate o meu coração, quero ser o tetra campeão". Seleção - Tafarel, Jorginho (Cafu), Aldair, Marcio Santos e Branco; Dunga, Mauro Silva, Mazinho e Zinho; Bebeto e Romario. Meu sonho era fazer mestrado doutorado em um universidade americana, porque eu achava o máximo ler os artigos nos jornais com a biografia do autor: mestrado e doutorado em Columbia.
A Copa de 98 foi em um momento que eu, aparentemente, começava a tomar rumo. Dirigia, estudava na USP e na Cásper Libero, tinha uma namorada serio. Entendia o que se passava no mundo. Enfim, parecia estar bem encaminhado, apesar de nunca ter trabalhado. É uma idade meio besta, que ainda não ganhamos respeito, mas não somos mais moleques. Já demos a largada para a vida.
Alguns começam a avançar. Outros ficam para trás. Algumas meninas engordam. Feias ficam bonitas. Nerds ficam espertos. Ex-espertos são internados em clinicas de recuperação de drogados. Já sabemos, nesta idade, que não seremos goleiro da seleção nem jogaremos uma Olimpíada. Mas ainda achamos que seremos os melhores. Alias, a certeza parece aumentar, somente precisamos nos encaixar. O Brasil perdeu a final para a França, 3 a 0. Tafarel, Cafu, Junior Baiano, Marcio Santos e Roberto Carlos; Dunga, Mauro Silva, Juninho e Rivaldo; Bebeto e Ronaldo. Na verdade, nem liguei muito. Foi bonito ver Paris em festa. Meu sonho era ser correspondente estrangeiro.
O ano do penta foi uma época meio estranha. Estava encaminhado, mas não sei se no caminho certo. Já tinha sido correspondente da Folha em Buenos Aires aos 23 anos, tinha voltado ao Brasil, tinha ocorrido o 11 de Setembro, não namorava mais, estava com 26, ainda trabalhava na Folha. Sei lá, era meio confuso. Faltava algo. Ainda não tinha nem conseguido me formar na faculdade, depois de idas e vindas entre a USP e a Cásper Libero, além de desistir de fazer faculdade em Boston. Mas a final da Copa foi demais, vi com todos os meus amigos no Paulistano, um dia depois da festa junina, saímos correndo pela avenida Europa ao som de "vai rolar a festa, vai rolar, o povo do gueto não pode parar". Seleção - São Marcos, Cafu, Roque Junior, Lucio, Edmilson e Roberto Carlos; Gilberto Silva, Kleberson, Ze Roberto e Rivaldo; Ronaldinho Gaucho e Ronaldo. Na época, não sonhava muito, estava meio em crise.
Na Copa seguinte, eu já morava nos EUA. Vim fazer mestrado na Universidade Columbia, que sonhava desde pequeno. Aquelas escadarias, Nova York, tudo um sonho. Namorava a Ana Maria, que veio passar seis meses comigo aqui. O governo era o do Bush e só se falava em Guerra do Iraque. O Brasil deu um vexame na Copa, ao ser eliminado pela França nas Quartas.
Mais quatro anos, na Copa de 2010, já tinha me formado na Columbia. Havia sido também correspondente itinerante do Estadão no Oriente Médio. Cobri o terremoto no Haiti e a primeira Guerra de Gaza. Durante a Copa, entrevistei Bashar al Assad em Damasco, na Síria. Já estava de correspondente do jornal em Nova York, realizando um sonho. Mas, ao não voltar ao Brasil, acabei sem a Ana Maria.
Copa de 2014. Seguia aqui nos EUA. Agora, estava no Globo News Em Pauta. E, além disso, de volta com a Ana Maria e o Messi, meu cachorro. De novo, vimos a Copa junto. Melhor nem comentar os 7 a 1.
No ano que vem, chego aos 40. Não tem Copa. E perdi meu melhor amigo de infância, o Luís Fernando La Selva, que todos os anos me reenviava o email dos 30. Crescemos juntos, na escola e no clube. Uma parte minha que se foi. Perder um amigo é algo muito estranho, porque perdemos uma série de memórias da adolescência, de momentos.
Ao mesmo tempo, no ano que vem, vai nascer a Julia.
É turma de 1976, até para ser pais ficamos um pouco velhos. Mas o pessoal de 1975 não pode dizer que é contemporâneo do maior jogador de tênis e do maior artilheiro do Brasil nas últimas quatro décadas. Guga Kuerten, Ronaldo Fenômeno e a Simony do Balão Mágico são de 1976. Agora, dó mesmo, só da turma de 1966. Ave, 50!
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