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Gustavo Petro é eleito na Colômbia, primeiro presidente de esquerda da história do país

O economista e ex-guerrilheiro teve 11,2 milhões de votos e derrotou o populista de direita Rodolfo Hernández; analistas explicam que, apesar de ter força no Congresso, ele terá dificuldades de governar porque precisa da maioria para aprovar seu programa

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Foto do author Fernanda Simas
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ - O ex-guerrilheiro Gustavo Petro será o novo presidente da Colômbia, colocando a esquerda pela primeira vez no governo do país. O candidato do Pacto Histórico teve 11.278.225 votos, que representam 50,46% dos votos superando o populista de direita Rodolfo Hernández, que recebeu 47,28%, ou 10.567.346 votos.

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Aprofundando um ciclo eleitoral que tem eleito esquerdistas na América Latina, Petro promete profundas mudanças sociais na Colômbia, por décadas governada pela direita. Esta foi a terceira vez que o candidato, que tem 62 anos, concorreu à cadeira presidencial.

Em seu primeiro discurso como presidente eleito, Petro citou o momento histórico do país e agradeceu os votos que recebeu. “Obrigado a todos por esse dia que certamente é histórico. Uma história nova para a Colômbia, para a América Latina, para o mundo inteiro…Aqui temos uma mudança de verdade…Não vamos trair esse eleitorado que gritou ao país que a partir de hoje a Colômbia muda, uma mudança real que nos conduz a algumas das propostas que fizemos nessas praças públicas.”

O presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro (centro), comemora sua vitória; ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá precisará fazer alianças  Foto: Daniel Munoz/ AFP

O presidente eleito falou da importância de unir o país. “A mudança consiste em deixar o ódio para trás, em deixar o sectarismo atrás, as eleições mais ou menos mostraram ‘Colômbias’ próximas em termos de votos. Queremos que a Colômbia, em meio a sua diversidade, seja uma Colômbia. E para que seja uma, necessitamos do amor. Entendida a política do amor como uma política de entendimento, diálogo, de nos compreender uns aos outros.”

No fim de seu discurso, Petro falou dos milhares de jovens presos no país. “Peço ao procuradora-geral da nação que solte nossos jovens”. A multidão se levantou e um estouro soltou milhares de papéis ao céu.

Petro se dirigiu ainda aos eleitores de Hernández e outros de seus opositores. “Que significa a paz? Que os eleitores de Rodolfo Hernández são bem-vindos a esse governo, significa que Rodolfo Hernández, que fez uma campanha interessante, pode dialogar com esse governo quando queira. Significa que não vamos usar esse governo com a intenção de destruir o oponente, significa que os perdoamos, significa que a oposição que teremos será sempre bem-vinda ao Palácio de Nariño, porque o clima político que nos acompanhou neste século não pode seguir assim. Haverá oposições, talvez tenaz, que muitas vezes não entenderemos, mas neste governo que se inicia não haverá perseguição política.”

“Proponho ao governo dos EUA e a todos os governos de América a nos sentarmos e acelerar os passos de transição energética, da construção de uma economia da vida em toda a América…Proponho à América Latina nos integrar, proponho aos colombianos se olharem como latino-americanos que somos. Temos o sangue latino e o sangue afro, indígena”

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Dificuldade para governar

“A vitória de Petro por uma margem pequena, mas um pouquinho maior que o esperado, mostra um certo clamor popular que ocorreu devido as ânsias nesses anos duros de pandemia para a população geral”, disse Mario Aller San Milán, cientista político da Universidade Javeriana.

Segundo ele, agora a questão é se o presidente eleito “pode realmente levar adiante sua visão de governo, ao menos cumprir a maioria das promessas que fez e não decepcionar seus eleitores”. “Vai ser muito difícil, porque há um Congresso onde ele não tem maioria, mas também não é maioria contra. Ele terá de buscar acordos, chegar a pactos com outros partidos políticos”, disse Milán. Para ele, a eleição do economista marcou “triunfo sobre o medo” que pode tirar a Colômbia” da inércia em que “sempre permaneceu”.

“O ‘maior problema’ dessa vitória do Petro é que a população não tenha paciência e queira que ele cumpra suas promessas agora. Que não saibam que ele vai governar com os órgãos de controle contra ele e com a necessidade de buscar apoio no Congresso (onde não tem maioria).”

E completa: “Será um afastamento da tradicional inércia política da Colômbia, mas, salvo circunstâncias excepcionais, não serão mudanças extremas. Não podendo ser reeleito, se você quer que suas políticas tenham curso e não sejam anuladas pela próxima, você terá que moderá-las muito e esperar que aqueles que o sucederem não as considerem perigosas para seus interesses.”

No Congresso, o bloco de centro-esquerda, que engloba o Pacto Histórico, o Partido Comunes (ex-Farc), os grupos indígenas e a Coalizão Centro Esperança tem 35% das cadeiras. Metade do Casa está nas mãos da centro-direita tradicional do país.

Conforme Milán, a alta participação eleitoral neste segundo turno, principalmente nas áreas mais povoadas, que são as mais desiguais na Colômbia, sacramentou a vitória de Petro.

Primeira vice-presidente negra

Petro ouve o discurso de Francia Márquez, a primeira mulher negra vice-presidente do país  Foto: Carlos Ortega / EFE

Pela primeira vez na história da Colômbia, uma mulher negra está perto do topo do poder executivo. A nova vice-presidente nasceu em uma família pobre no departamento de Cauca, foi mãe solteira aos 16 anos e já trabalhou como doméstica e se tornou ativista ambiental.

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Francia Márquez começou seu discurso agradecendo e lembrando de líderes sociais, jovens e mulheres mortos no país. “Obrigada Colômbia por esse momento histórico. Quero agradecer a todos os colombianos e colombianas que deram a vida por esse momento. Todos nossos irmãos e irmãs, líderes sociais que foram assassinados neste país, à juventude que tem sido assassinada neste país, às mulheres que foram violadas e desapareceram. Obrigada por terem plantado a semente da resistência e esperança.”

Em uma fala forte e marcada por muitos aplausos, Francia agradeceu aos movimentos políticos que se uniram em torno da candidatura Petro-Francis e voltou a citar jovens, mulheres e, agradeceu em especial, aos indígenas. “Depois de 240 anos, conseguimos um governo do povo…Vamos pela dignidade, pela justiça social. Sou a primeira mulher afro-descendente vice-presidente da Colômbia”

Reconhecimento do resultado

O presidente Iván Duque parabenizou o presidente eleito. “Chamei Petro para dar os parabéns a ele como presidente eleito dos colombianos. Concordamos em nos reunir nos próximos dias para começar uma transição harmônica, institucional e transparente”, afirmou pelo Twitter.

Hernández reconheceu a derrota. “A maioria dos colombianos que votaram escolheu o outro candidato. Aceito o resultado como deve ser se desejamos que nossas instituições sejam firmes. Sinceramente, espero que essa decisão seja benéfica para todos e a Colômbia se encaminhe à mudança que predominou essa eleição. Desejo que Petro seja fiel ao seu discurso contra a corrupção. Muito obrigado a todos os colombianos”, afirmou ele em suas redes sociais, como fez ao longo de toda sua campanha política.

O clima na arena Movistar, onde Petro e seus partidários acompanharam a contagem de votos, se tornou uma festa quando 70% das urnas apuradas foram contabilizadas. Música, o hino da Colômbia e agradecimentos aos grupos indígenas, às mulheres e aos jovens marcaram as comemorações.

Apoiadores de Petro estendem bandeira com referência ao grupo guerrilheiro M-19, do qual o novo presidente colombiano fazia parte Foto: Fernanda Simas/Estadão Conteúdo

Felicitações pela vitória

O Partido Comunes parabenizou Petro. “Estamos certos que com Gustavo Petro e Francia Márquez será possível a implementação integral do Acordo de Paz, uma paz completa para a Colômbia… Pela paz daremos tudo, para a guerra, nada”, disse o partido em um comunicado.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, saudou a vitória de Petro. “Parabenizo Gustavo Petro e Francia Márquez pela histórica vitória nas eleições… Se escutou a vontade do povo colombiano, que saiu para defender o caminho da democracia e da paz”, escreveu presidente no Twitter.

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Na Argentina, o presidente Alberto Fernández, também parabenizou o novo presidente da Colômbia pelo Twitter. “Me enche de alegria o triunfo obtido por Petro e Francia Márquez… Acabo de transmitir ao presidente eleito minhas felicidades pela confiança que o povo colombiano depositou em ele.”

Os líderes da Bolívia, Luis Arce, e do Chile, Gabriel Boric, também parabenizaram Petro. “A integração latino-americana se fortalece. Nos unimos à festa dos e das colombianas”, afirmou Arce pelo Twitter. Boric disse ter conversado com Petro. “Alegria para a América Latina! Trabalhemos juntos pela unidade de nosso continente nos desafios de um mundo que muda rapidamente”, afirmou.

O candidato brasileiro à presidência Luiz Inácio Lula da Silva também enviou os parabéns a Petro. “Felicito calorosamente os companheiros Petro e Francia Márquez e todo o povo colombiano pela importante vitória nas eleições deste domingo. Desejo sucesso a Petro em seu governo. A sua vitória fortalece a democracia e as forças progressivas na América Latina”, escreveu em seu Twitter.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ainda não se pronunciou sobre os resultados.

Petro militou em guerrilha que assinou acordo de paz em 1990

Nascido em uma família de classe média, de pai conservador e mãe liberal, e educado por padres lassalistas, ele levantou as bandeiras da mudança e da ruptura com as forças que tradicionalmente governam a Colômbia. Seu passado como ex-guerrilheiro ainda deixa muitos colombianos apreensivos.

Petro militou no M-19, uma guerrilha nacionalista de origem urbana que assinou um acordo de paz em 1990. Ele conta que se rebelou contra o golpe militar no Chile em 1973 e uma suposta “fraude eleitoral” na Colômbia no mesmo ano contra um partido popular.

Admirador do Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez, na clandestinidade adotou o nome Aureliano, em homenagem ao personagem do livro Cem Anos de Solidão. Foi detido e torturado pelos militares e ficou preso por um ano e meio. Sempre foi um combatente “medíocre”, de acordo com seus ex-companheiros de armas.

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Após assinar a paz, Petro chegou ao Congresso e depois à Prefeitura de Bogotá (2012-2015). Como parlamentar, destacou-se por denunciar os vínculos entre políticos e os paramilitares de extrema direita, mas como prefeito ganhou fama de autoritário e mau administrador por seu plano caótico de estatizar a coleta de lixo, então nas mãos da iniciativa privada.

Em busca dos eleitores de centro e dos indecisos, Petro prometeu austeridade e respeito à propriedade. No Twitter, o candidato elencou garantias sobre temas que foram levantados como temores durante a corrida eleitoral.

Durante todo a campanha do segundo turno, Petro levantou dúvidas sob o processo eleitoral, insinuando que haveria fraude caso não fosse eleito.

Ele propôs ambiciosas reformas previdenciárias, tributárias, sanitárias e agrícolas e mudanças na forma como a Colômbia combate os cartéis de drogas e outros grupos armados.

Depois de votar, ele convocou os apoiadores a votar em grande número para “derrotar qualquer tentativa de fraude” e alegou, sem apresentar provas, que eleitores em algumas assembleias de voto estavam recebendo cédulas previamente marcadas como votos em branco na tentativa de “cancelar votos que iriam para a mudança.”

O escrivão nacional, Alexandre Vega, defendeu a tarefa da autoridade eleitoral que chefia: “Apesar da desinformação, o processo eleitoral continua firme e forte”, disse em discurso público com Duque.

Uma eleição do voto contra

Silvia Otero Bahamón, professora de ciência política da Universidade de Rosário, disse que, embora ambos os candidatos fossem populistas que “têm uma ideologia baseada na divisão entre a elite corrupta e o povo”, cada um possui uma forma de encarar a luta contra o establishment.

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Petro se relaciona com os pobres, as minorias étnicas e culturais das regiões mais periféricas do país”, disse Otero, enquanto os partidários de Hernández “são as pessoas que foram decepcionadas pela politicagem e pela corrupção. É uma comunidade mais solta, que o candidato alcança diretamente pelas redes sociais.”

Pesquisas mostram que a maioria dos colombianos diz acreditar que o país está indo na direção errada e desaprova o atual presidente, Iván Duque, que não poderia concorrer à reeleição.

Muitos eleitores basearam sua decisão no que não querem, em vez do que querem. “As pessoas disseram: ‘Não me importo com quem está contra o Petro, vou votar em quem representa o outro candidato, independentemente de quem seja essa pessoa’”, disse Silvana Amaya, analista sênior da empresa Control. /AP, AFP e REUTERS

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