PUBLICIDADE

Chefe do Hezbollah exalta ataque terrorista do Hamas e chama conflito com Israel de ‘guerra santa’

Hassan Nasrallah diz que troca de tiros de seu grupo com Israel na fronteira com o Líbano tira o foco de Gaza, nega participação no 7/10 e admite uma participação mais intensa do grupo radical islâmico na guerra

PUBLICIDADE

Foto do author Jéssica Petrovna
Atualização:

Em Beirute, uma multidão acompanhava o esperado discurso de Hassan Nasrallah, chefe do grupo radical islâmico Hezbollah, que é financiado pelo Irã e tem trocado disparos com Israel na fronteira com o Líbano. A expectativa era grande, e não só na capital libanesa: o mundo inteiro observou com atenção, em meio ao temor de que a guerra pudesse ganhar uma nova escala com a entrada oficial do Hezbollah no conflito - o que não aconteceu, pelo menos até agora.

PUBLICIDADE

“Todas as opções estão na mesa. Devemos estar preparados para todas as possibilidades no futuro”, ameaçou Nasrallah. “O desenvolvimento na fronteira com o Líbano depende do que vai acontecer em Gaza.”

Apesar de negar qualquer envolvimento no ataque terrorista do Hamas, exaltado por ele como uma “operação bem-sucedida”, o chefe do Hezbollah disse que eles entraram na batalha no dia seguinte, com os disparos na fronteira que “podem parecer modestos, mas são muito significativos”, pois, segundo ele, tiram o foco de Gaza e obrigam Israel a manter tropas também no norte do país.

“A operação de 7 de outubro (o ataque terrorista do Hamas a Israel) foi planejada em total sigilo, nem outras facções palestinas tiveram conhecimento, muito menos os movimentos de resistência em outros países”, disse ele. “A comunidade internacional continua trazendo à tona o Irã, mas o 7 de outubro foi uma operação 100% palestina, planejada e executada por palestinos para a causa palestina, sem qualquer relação com questões internacionais ou regionais”, acrescentou, antes de exaltar a chamada Operação Inundação Al-Aqsa - nome dado pelo Hamas ao ataque terrorista - como “certa, corajosa e no tempo certo”.

Telão exibe discurso do chefe do Hezbollah Hassan Nasrallah para multidão no Líbano  Foto: Mohamed Azakir/Reuters

Nasrallah definiu o conflito como “guerra santa”, saudou o que chamou de mártires, criticou a comunidade internacional por “ignorar os crimes de Israel contra os palestinos” e alegou que civis de Israel teriam sido mortos pelos próprios militares israelenses, não pelos terroristas do Hamas, no dia 7 de outubro.

Discurso mais ‘moderado’ que o esperado

Em resumo, o recado foi o seguinte: o Hezbollah apoia o Hamas, mas não vai entrar na guerra de maneira efetiva, como se temia. Analistas ouvidos pelo Estadão acreditam que esse discurso mais “moderado” que o esperado é o resultado de pressões externas.

O professor de Relações Internacionais da ESPM Leonardo Trevisan acredita que uma operação de bastidores de Estados Unidos e China teve impacto sobre o Irã, o grande ator por trás dos radicais islâmicos. E lembra que o chanceler chinês, Wang Yi, esteve em Washington na semana passada para discutir interesses em comum com os EUA, como a contenção da crise no Oriente Médio.

Publicidade

“É evidente que o Hezbollah atua por procuração do Irã”, pontua Trevisan. “E o Irã não tem nenhum interesse de queimar a aproximação com a China, que de alguma forma se comprometeu em atuar junto a diplomacia americana para conter os ânimos no Oriente Médio. Isso não significa uma declaração de paz entre Washington e Pequim, mas a escalada do conflito não interessa aos EUA, e muito menos a China, que precisa retomar o seu crescimento e sofreria com os impactos que uma guerra ampliada no Oriente Médio teria com a explosão do preço do petróleo e o enfraquecimento da atividade econômica no mundo inteiro”.

O professor do IBMEC, Christopher Mendonça concorda que o tom “ameno” para o Hezbollah, que é um grupo extremista islâmico, tem a ver com atores externos, mas acredita que essa pressão vem do mundo árabe, que não se mostrou disposto a entrar na guerra. “O grande medo dos árabes mais moderados é a escalada do conflito, que já entrou em uma fase crítica com a incursão terrestre de Israel na Faixa de Gaza. Não há interesse em uma guerra regional”, aponta o professor.

Embora essa espiral da violência pelo Oriente Médio não interesse a ninguém, Mendonça acredita que ainda é cedo para descartar uma aliança de grupos extremistas em apoio ao Hamas, como sugeriu Nasrallah ao deixar em aberto que “considerada todas as possibilidades”.

“Israel já anunciou o cerco à Cidade de Gaza e deixou claro que não vai retroceder. Os bombardeios tem se intensificado e as imagens que chegam do enclave palestino podem despertar o sentimento de vingança da chamada irmandade mulçumana. Não descarto que ainda possa haver uma unificação desses grupos”, alertou.

Para o analista, alguns pontos do discurso evidenciam que o Hezbollah ainda representa uma ameaça. Exemplos disso são a crítica à defesa de Israel, que Nasrallah chamou de “mais fraca que uma teia de aranha” ou o tom desafiador com os Estados Unidos, resumido na afirmação de que o grupo extremista não será “intimidado” pelos EUA, nem pelos navios de guerra que posicionou no Oriente Médio.

O poder de fogo do Hezbollah

O Hezbollah é um grupo radical islâmico, que tem atuado politicamente no Líbano e mantém o controle sobre parte do país, mesmo depois de uma recente derrota eleitoral. Mas é também uma força paramilitar, que opera com financiamento do Irã e se envolveu em atentados nas últimas décadas.

A força estimada do Hezbollah é de 50 mil a 100 mil combatentes, além de um vasto arsenal com 200 mil armas, incluindo mísseis de alta precisão, aponta o Instituto de Estudos para Segurança Nacional, think tank com sede em Tel-Aviv. “Isso tudo exige que estejamos em alerta contínuo para as intenções do Hezbollah”, destacou o analista associado ao instituto Yehoshua Kalisky, em artigo publicado no mês passado, depois do ataque terrorista do Hamas que matou mais de 1,4 mil pessoas em Israel.

Publicidade

Um conflito com o Hezbollah não seria inédito. Em 2006, as tropas de Israel invadiram o sul do Líbano, depois que os radicais islâmicos lançaram foguetes na fronteira e sequestraram dois soldados israelenses. O conflito se arrastou por 34 dias e matou quase 1,2 mil pessoas, apontou uma investigação conduzida pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.