ENVIADO ESPECIAL, DE PEQUIM - Em qualquer lugar de Pequim, sempre haverá uma câmera de vigilância. Muitas vezes, mais de uma. Seja em avenidas movimentadas ou nas ruas mais desertas da cidade, elas estarão lá. Impossível não notar sendo ocidental e não tendo o costume de ter tantas ao redor. Num país de 1,4 bilhão de pessoas, as câmeras estão espalhadas por todos os cantos e se tornaram o principal meio de vigilância nas últimas duas décadas.
Os chineses em geral não encaram como um problema, pelo contrário. Sentem-se seguros com as câmeras, mais certos de que nada vai acontecer. “Escuto que no Brasil o problema da violência é muito grave”, diz à reportagem Shen Hui, um chinês de 38 anos que trabalha em um salão de massagens em Pequim. “A China é um país muito seguro, nosso governo investiu muito nisso.”
Questionado sobre o que dá tanta segurança na China, responde: “Tem câmeras de segurança em todos os lugares, fica muito fácil reconhecer os ladrões”. A conversa aconteceu através de um tradutor chinês. A cada pergunta em português, Shen Hui parece se surpreender com o interesse do repórter sobre as câmeras da cidade quando a frase é traduzida.
Organizações internacionais de direitos humanos e governos ocidentais, no entanto, denunciam o sistema de vigilância chinês como violação aos direitos humanos. Em 2020, o então diretor executivo da Humans Right Watch, Kenneth Roth, disse que o país havia desenvolvido um “estado de vigilância orwelliano de alta tecnologia”, em referência às câmeras. A entidade também denuncia o uso das câmeras como perseguição política contra a minoria étnica Uigur na província de Xinjiang, noroeste da China.
Um vazamento de documentos em 2019, batizado de Xinjiang Papers e publicado à época pelo The New York Times, mostrou o nível de vigilância que o governo chinês têm sobre os uigures, com a tecnologia sendo utilizada para rastrear identidades, locais visitados e hábitos da minoria étnica, adepta do islamismo. O Humans Right Watch também destaca o uso do sistema para reprimir dissidentes políticos em Hong Kong após os protestos contra o governo chinês em 2019 e contra as medidas rigorosas da covid no ano passado.
Segundo analistas, o aumento da vigilância aconteceu de forma mais enfática após o atual líder chinês, Xi Jinping, assumir o poder em 2013. Em 2019, Xi expôs a centralidade da tecnologia para a segurança no país. “A big data deve ser utilizada como um motor para impulsionar o desenvolvimento inovador do trabalho de segurança pública e um novo ponto de crescimento para nutrir as capacidades de combate”, disse.
As câmeras chinesas passaram a ser vistas como ameaças tão grandes que no fim de 2022 países como Austrália e Reino Unido decidiram removê-las de áreas sensíveis, temendo que o governo chinês pudesse ter acesso aos dados para utilizá-los em espionagem. Os Estados Unidos proibiram completamente as vendas e importações da câmeras de fabricação chinesa, citando um “risco inaceitável para a segurança nacional”.
Segundo uma reportagem do NYT publicada no ano passado, as câmeras fazem parte de um sistema de vigilância que inclui coleta de dados de celulares e atividades em redes sociais para encontrar padrões de comportamento para ter a capacidade de prevenir crimes ou protestos. O sistema teria capacidade para avisar a polícia se algum usuário de drogas fizer muitas ligações para o mesmo número, por exemplo.
A atuação desse sistema, no entanto, pode provocar distorções ou discriminação contra setores vulneráveis da sociedade. Além de minorias étnicas como os uigures, citados acima, especialistas veem com preocupação com migrantes e pessoas com histórico de doenças mentais. “É uma gaiola invisível de tecnologia imposta à sociedade”, afirmou disse Maya Wang, pesquisadora sênior da Human Rights Watch na China. “O peso desproporcional deve ser sentido por grupos de pessoas que já são severamente discriminados na sociedade.”
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Durante a pandemia de coronavírus, o sistema de vigilância foi utilizado de forma ampla para rastrear possíveis casos de covid-19 e se fez mais presente entre a população em geral, o que acabou por afetar a confiança no governo. Graças às câmeras e outros equipamentos, muitos lockdowns eram impostos em bairros ou distritos de maneira ágil para conter a proliferação do vírus.
Segundo a economista Isabella Weber, o controle exercido durante a pandemia causou um choque na China porque há décadas a população do país não via uma atuação tão rígida em vigilância. “Isso (o controle) tem sido muito intenso, está intenso até agora. Ainda há consequências dessa política, como, por exemplo, o rastreamento muito intenso das pessoas e assim por diante”, declarou.
Para a modelo brasileira Rebecca Câmara, de 27 anos, ex-moradora de Xangai, as câmeras de vigilância contrastam com os aparatos de segurança ocidentais, mas são menos estranhos para os asiáticos. Em outras duas cidades asiáticas onde esteve -- Seul, na Coreia do Sul, e Kuala Lumpur, na Malásia, onde mora atualmente --, as câmeras também aparecem espalhadas por todos os lugares. “Como brasileira, sempre vi como algo que me passou segurança, tanto em Xangai, como em Seul e agora em Kuala Lumpur”, disse.
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