“O acordo está feito”, tuitou Boris Johnson durante a tarde da quinta-feira, 24. Na mesma mensagem, uma imagem em que aparece sorridente, com os dois dedos polegares erguidos, em sinal de positivo. União Europeia e Reino Unido, enfim, chegavam a um acordo sobre o pós-Brexit, que entrará em vigor no primeiro dia de 2021. Para Carolina Pavese, professora de Relações Internacionais da ESPM, o consenso entre Londres e Bruxelas é um alívio importante para o bloco europeu e uma vitória política do premiê britânico.
O que significa o acordo para o Reino Unido?
Ele vem como um grande alívio, primeiro no ponto de vista objetivo e da necessidade de se ter um norte após o 31 de dezembro, quando acaba o período de transição. É uma vitória política para Boris Johnson num momento que sua imagem foi ferida pelo coronavírus e a questão econômica. O país estava num limbo em relação ao que ocorreria no dia 1º de janeiro. Algumas questões estão claras, mas não todas. É um acordo que dá um alívio para o Natal, que passou cerca de nove meses sendo negociado, não é o resultado dos esforços das últimas semanas.
E para a União Europeia?
Em geral, as reações ao acordo variaram muito tanto do lado britânico como do lado europeu. É um alívio e finalmente se pode virar a página de uma novela. O que a gente teve foi um período de transição, uma novela para se bater o martelo na data final de 2020, o que se teve foi o período de transição. Esse período representou a saída do Reino Unido no âmbito político. O que foi importante é que ele permaneceu no mercado comum. A mudança que a gente vai ver é essa saída potencial do Reino Unido do Mercado Comum.
Quais são os principais pontos para se prestar atenção em relação ao Brexit?
Há implicações para transações comerciais e agendas ligadas ao mercado comum. A saída do Reino Unido vai implicar em ter acertada a questão da livre circulação de pessoas, algo que a gente não viu neste ano. O mercado comum é definido por quatro fatores de circulação: bens, serviços, capital e mão de obra. A gente teve alguns pontos avançando nessa questão. Um deles é a livre circulação de bens. Isso ficou assegurado, e sobre ela não recaem cotas, que é um elemento importante. Para ocorrer essa livre circulação é preciso que ela ocorra sem tarifas de exportação e importação. Tem cotas também como no acordo Mercosul-UE. Nesse caso, é simbólico e importante não ter cotas.
Outro dilema do acordo é que ainda vai estar sujeito ao controle fronteiriço. A gente tem visto os caminhões britânicos encalhados em Dover que não podem atravessar para Calais por causa de uma barreira sanitária. A saída vai exigir o controle fronteiriço e vai criar entraves para a circulação de bens. A livre circulação de serviços não ficou clara. Principalmente serviços financeiros. Londres é a Wall Street europeia. No acordo, o que se colocou é que a saída do mercado comum, a questão de livre circulação do capital, será feita a partir de negociações unilaterais.
E a questão relacionada à livre circulação de pessoas?
Isso ainda não foi trabalhado. Com essa saída, o que a gente teve foi visto no período de transição, quem já estava no Reino Unido garantia uma permanência, mas quem quiser agora migrar para o Reino Unido a trabalho, precisará de visto. Para turismo, vai ter um visto de estadia curta. Esses pontos são bem delicados e mostram que, por um lado, o acordo deve ser celebrado por marcar a conclusão com êxito de uma negociação longa e cansativa, mas por outro lado, os termos do acordo mostram uma ruptura significativa da ligação que foi construída após 50 anos. Isso quando estamos num mundo muito globalizado. O acordo vem para romper essa integração. E esse isolamento britânico custa caro para a UE. É uma medida que vai ter um efeito agora, mas em breve, a gente deve ver uma flexibilização das fronteiras.
O que podemos esperar já a acontecer a partir do dia 1º?
A primeira coisa vai ser a restrição de fronteiras, da livre circulação. Haverá um controle muito maior. Após o dia 1º, vai haver um grande caos. Muitos detalhes ainda não estão esclarecidos - até porque esse acordo ainda precisa passar por um processo de ratificação. Se tem algo a ser criticado do acordo, é a falta de transparência e o déficit democrático que esse acordo representa. Tanto do ponto de vista de excluir as instituições políticas como de excluir a população do debate. O que a gente sabe são os press releases. Ninguém tem acesso às 2.000 páginas - isso é muito grave.
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