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‘Imunidade absoluta’ reivindicada por Trump é encarada com ceticismo em tribunal federal

Juízes argumentaram que afirmação de republicano de que um presidente não pode ser julgado é ‘paradoxal’ para alguém responsável por prezar pela execução das leis

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Por Redação

Um painel de três juízes federais de apelação expressou ceticismo e preocupação sobre as implicações da reivindicação feita por Donald Trump de imunidade generalizada contra processos criminais. O painel sugeriu que isso iria permitir que um futuro presidente pudesse, por exemplo, ter um rival político assassinado por militares, sem grandes repercussões.

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Trump argumenta que ele não pode ser julgado por tentar anular os resultados das eleições de 2020 porque foi absolvido pelo Senado de incitar a insurreição de 6 de janeiro de 2021, no Capitólio dos Estados Unidos. James Pearce, advogado do Departamento de Justiça do país, chamou essa proposta de “extremamente assustadora”. Os três juízes na Corte de Apelações dos Estados Unidos do Circuito de Washington encarregados de analisar as alegações da reivindicação de Trump, as quais foram rejeitadas pelo juiz de primeira instância no mês passado, pareceram concordar durante a audiência de uma hora.

“Um presidente poderia vender perdões, poderia vender segredos militares, poderia ordenar que o Seal Team Six (uma das unidades da Marinha norte-americana) assassinasse um rival político?”, questionou a juíza Florence Pan. “Esse presidente estaria sujeito a processo criminal se não sofresse impeachment?”

John Sauer, representando Trump, insistiu que para qualquer crime relacionado aos “deveres oficiais” de um presidente, o “processo político” de um impeachment e qualquer condenação pelo Senado “teria que ocorrer” antes da acusação. Ele presumiu que se um presidente estivesse envolvido no assassinato de alguém, ele sofreria impeachment “rapidamente”.

Trump argumenta que não pode ser julgado por tentar anular a eleição de 2020 porque foi absolvido pelo Senado no caso de 6 de janeiro .Na foto, ex-presidente conversa com a imprensa após tribunal.  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Um problema de 200 anos

A audiência — que invocou referências que remontam ao mandato de George Washington — mostrou como a acusação histórica de Trump levantou questões difíceis, amplamente evitadas por mais de dois séculos, sobre os limites do poder presidencial e as consequências de crimes cometidos por esta figura de liderança.

Trump não foi obrigado a estar na audiência, mas escolheu ir. Falando após a audiência no antigo Hotel Trump, perto do tribunal, ele alertou para a “confusão no país” se ele perder a causa, dizendo que isso seria “a abertura da caixa de Pandora”. Ele saiu sem atender as perguntas da imprensa.

Os comentários do republicano ecoaram as falas feitas pelo seu advogado no tribunal, que falou aos juízes que se a acusação fosse adiante iria “abrir uma caixa de Pandora da qual a nação pode nunca se recuperar” e criar “um ciclo sem fim de acusações” de ex-presidentes. Ele sugeriu que o presidente Joe Biden poderia ser indicado por “um júri do Texas e um juiz do Texas… por má gestão da fronteira”. Trump deixou explícito que, se for reeleito, pretende usar o Departamento de Justiça para perseguir seus inimigos.

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A juíza Karen Henderson, a única declarada republicana no tribunal, expressou preocupação sobre essa perspectiva. “Como nós escrevemos uma opinião que irá parar as comportas?”, ela perguntou a Pearce.

O promotor respondeu que por 50 anos, desde a era do então presidente Richard Nixon, conselheiros especiais e independentes investigaram presidentes e nunca recomendaram acusações criminais. “Eu acho que isso reflete a natureza fundamentalmente sem precedentes de acusações criminais aqui”, disse o advogado do Departamento de Justiça. “Nunca antes houve alegações de que um presidente em exercício, com indivíduos privados e usando os recursos do poder, buscou fundamentalmente subverter a república democrática e o sistema eleitoral.”

Henderson, historicamente protetora do poder presidencial, juntou-se aos seus colegas no ceticismo sobre os argumentos de Trump. “É paradoxal falar que seu dever constitucional de tomar conta para que as leis sejam fielmente executadas permite a ele violar leis criminais”, ela disse. Ela também afirmou que a jurisprudência dos últimos dois séculos indica que “seja um homem na rua ou um presidente... você pode ser responsabilizado criminalmente”.

Trump está argumentando que os juízes deveriam usar o mesmo raciocínio que levou a Suprema Corte a dar imunidade a Nixon de ações civis por atos em 1982. Naquele caso, a Justiça disse que o medo de ações judiciais “poderia distrair um presidente de seus deveres públicos” e era uma “intrusão na autoridade e nas funções” do Executivo.

Mas assim como salientou a juíza Michelle Childs, Nixon foi perdoado pelo seu sucessor, indicando uma suposição de que ele poderia ser processado” criminalmente depois de deixar o gabinete.

Sauer disse que o caso era diferente porque os crimes de Nixon envolviam “uma conduta puramente privada” — uma fala que Pearce rebateu fortemente, observando que o republicano foi acusado de usar a CIA para interferir em uma investigação do FBI. Mas Sauer posteriormente sugeriu que qualquer coisa que um presidente faça enquanto estiver no cargo é como se fosse um dever oficial, afirmando que o fato de que as acusações contra Trump “focam somente em atos antes de ele deixar o cargo” é “uma indicação reveladora de que estávamos lidando com atos oficiais”.

Policiais permanecem do lado de fora do Tribunal dos EUA enquanto o ex-presidente Donald Trump aparece para audiência na terça-feira, 9. Foto: Kent Nishimura/Getty Images via AFP

Um diferente painel decidiu no mês passado que no contexto de uma ação judicial movida por policiais e legisladores feridos em 6 de janeiro de 2021, Trump não tem imunidade absoluta porque fazer campanha para permanecer no cargo não é um ato oficial. Trump disse que planeja apelar dessa decisão também para a Suprema Corte.

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Sauer respondeu que as reuniões de Trump com membros do Congresso e do Departamento de Justiça sobre a anulação da eleição, juntamente com os seus tweets alegando falsamente fraude eleitoral, contam como conduta oficial protegida, e não como prova de um crime alegado.

Henderson e Pan observaram que Trump estava agora dando o argumento exatamente oposto que uma vez ele deu no julgamento de seu impeachment, quando seus advogados falaram aos senadores que o sistema criminal de justiça era o local apropriado para a responsabilização. Pan citou o advogado de Trump no caso, dizendo “nós temos um processo investigativo neste país ao qual nenhum ex-oficial

Sauer disse que ele não estava vinculado a nenhuma concessão feita pelos advogados anteriores de Trump. Mas Pan colocou que ele também tinha feito neste tribunal uma concessão fatal – ao reconhecer que um antigo presidente poderia ser acusado de um crime após o impeachment, Trump estava perdendo todos os seus argumentos sobre o perigo de tais processos. “Seu argumento de separação de poderes desaparece, seus argumentos políticos desaparecem”, disse ela.

O gabinete do procurador especial Jack Smith pediu ao tribunal que emitisse uma ordem final no prazo de cinco dias após o seu parecer, potencialmente agilizando o julgamento de Trump. Se os juízes o fizerem depois de decidirem contra Trump, o Supremo Tribunal poderá, se assim o desejar, aceitar o seu desafio legal e deixar o julgamento avançar.

‘Pequeno ponto de consenso’

Quando o tribunal decide pode ser tão importante quanto a forma como ele decide. Trump pretende adiar o seu julgamento, marcado para março, até depois das eleições presidenciais em que é o principal candidato republicano. Sauer pediu na audiência que qualquer decisão contra Trump fosse suspensa para recursos em todo o Circuito de DC e na Suprema Corte dos EUA.

“Ele poderia perder por nove a zero na Suprema Corte e acho que seria uma vitória”, porque atrasaria o julgamento, disse Saikrishna Prakash, professor da faculdade de direito da Universidade da Virgínia que estuda autoridade presidencial. O Departamento de Justiça assumiu no passado a posição de que um presidente em exercício não pode ser processado.

Trump também afirmou que não pode ser processado por Smith porque já foi julgado e absolvido pelo Congresso em seu impeachment de 2021.

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Os juízes também pressionaram ambos os lados em uma petição da organização sem fins lucrativos American Oversight, argumentando que Trump não tem o direito de apelar antes do julgamento porque está fazendo uma nova reivindicação. Essa posição se apoia em uma linha de uma decisão do Supremo Tribunal dos EUA de 1989 que não tratava de imunidade, na qual o então juiz Antonin Scalia escreveu que uma pessoa deve esperar até depois do julgamento para recorrer, a menos que haja “uma garantia estatutária ou constitucional explícita de que o julgamento não ocorrerá.”

Tanto o Departamento de Justiça quanto Trump discordaram; Pearce chamou de “um pequeno ponto de consenso” que um ex-presidente tinha o direito de não ser julgado até que os tribunais determinassem se ele está ou não imune a processo. Mesmo que ajudasse o governo a rejeitar o recurso por motivos jurisdicionais, disse Pearce, “fazer justiça significa fazer a lei corretamente”.

Steve Vladeck, um especialista em direito de segurança nacional da Universidade do Texas, afirmou que a corte provavelmente concordaria com essa posição. “A versão resumida do argumento parece muito convincente”, disse ele. “Mas quanto mais você desmonta o argumento, mais você analisa o precedente, mais você discute as implicações do argumento, menos faz sentido, na minha opinião.”

Uma decisão do Circuito de Washington afetará apenas uma das quatro acusações que Trump enfrenta. Mas o republicando está com argumentos semelhantes em um tribunal estadual na Geórgia, onde é acusado em uma conspiração que cobre grande parte do mesmo comportamento. Os outros dois casos não envolvem a conduta de Trump como presidente. Em Nova York, promotores estaduais o acusam de falsificar registros empresariais antes de assumir o cargo. Na Flórida, o escritório de Smith o acusou de manuseio indevido de documentos classificados após deixar o cargo.

Walt Nauta, assistente pessoal de longa data de Trump e co-réu no caso da Flórida, sentou-se ao lado do ex-presidente no tribunal na terça-feira.

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