SÃO PAULO-Alto custo de vida, inflação e imigração são alguns dos problemas enfrentados pelo primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, em sua busca para continuar no poder. Depois de nove anos no cargo, a popularidade do premiê despenca a cada dia, em meio a sua tentativa de aliviar a insatisfação dos canadenses com o seu governo antes das Eleições Federais, que precisam ser convocadas até outubro de 2025. Segundo as pesquisas, ele deve perder o pleito.
O político de 52 anos tem apenas 33% de aprovação, de acordo com o Instituto Ipsos. Muito diferente de quando foi eleito pela primeira vez, em 2015, quando chegou a ter 70%. O seu partido não tem maioria na chamada Câmara dos Comuns do Canadá e Trudeau precisa sobreviver a constantes votos de desconfiança do Parlamento para seguir no cargo.
O principal motivo da insatisfação com Trudeau é uma crise no custo de vida, sentida principalmente em áreas urbanas como Toronto e Vancouver. Apesar de o país estar se recuperando de altas taxas de inflação anual, os resquícios ainda são sentidos pela população. O sistema de imigração também gera críticas, já que muitos trabalhadores estrangeiros estão desembarcando no Canadá sem que outros setores como infraestrutura e saúde estejam preparados para o aumento da demanda.
Especialistas entrevistados pelo Estadão também indicam um cansaço natural dos eleitores com Trudeau. “Se alguém é o primeiro-ministro do Canadá por quase dez anos, as pessoas já passam a olhar com mais interesse para outros políticos”, avalia Lori Turnbull, professora de ciências políticas da Universidade Dalhousie, em Halifax, Canadá.
Inflação e custo de vida
A maior dor de cabeça de Trudeau é a economia. Canadenses relatam problemas com a inflação, preços mais altos de casas, aluguéis e também para compras de rotina. De acordo com uma pesquisa do governo do Canadá, 45% dos cidadãos do país relataram em setembro que o aumento dos preços estava afetando a sua capacidade de arcar com os custos do dia a dia.
A taxa de inflação anual do Canadá chegou a 8% em 2022, o maior número em 40 anos, obrigando o Banco Central do Canadá a aumentar as taxas de juros de forma agressiva em 2022 e 2023. Os aumentos surtiram efeito e o país registrou uma taxa anual de inflação de 2% em outubro deste ano, mas os canadenses ainda sentem as consequências com a alta de preços.
Os números do custo de vida são os mais relevantes agora, avalia Laura Stephenson, professora de ciências políticas da Universidade de Western Ontario. “Não importa o que o Banco Central nos diga, as pessoas ainda dirão que os custos dos produtos nos supermercados estão caros e que está difícil comprar uma casa”, aponta a especialista.
Para a analista, Trudeau acaba levando a culpa por ser o incumbente no poder, mesmo que outros fatores tenham causado a inflação, como a pandemia da covid-19 e a guerra na Ucrânia. “As pessoas estão bravas e não vão querer dar outra chance ao primeiro-ministro. Não tem motivos para isso”.
Imigração
O sistema de imigração no Canadá também preocupa a população. O país permitiu a entrada de mais estrangeiros do que poderia suportar nos últimos anos. O erro foi reconhecido pelo primeiro-ministro, que anunciou uma mudança no sistema em outubro.
“Estamos agindo porque nos tempos tumultuados em que emergimos da pandemia, entre atender às necessidades de mão de obra e manter o crescimento populacional, não conseguimos o equilíbrio certo”, afirmou Trudeau, em uma coletiva de imprensa. Ele disse que seu governo havia permitido a entrada de muitos recém-chegados em um período de tempo muito curto, sobrecarregando serviços como moradia e assistência médica.
De acordo com as novas diretrizes, o Canadá deve reduzir o número vistos de residência permanente que concede. A meta anual será reduzida de 500 mil em 2024 para 395 mil no ano que vem, 380 mil em 2026 e 265 mil em 2027.
A insatisfação dos canadenses não significa um sentimento contrário a imigração, segundo Laura Stephenson, da Universidade de Western Ontario. O Canadá é o segundo maior país do mundo em termos de tamanho, mas tem uma população de apenas 41 milhões de pessoas. É um consenso entre canadenses, independente de partidos e opiniões políticas, que o país precisa de um crescimento populacional.
“O Canadá está ciente de que precisa de imigrantes e segue sendo um país que quer receber imigrantes, mas a principal questão é em relação aos números que o país consegue receber e sustentar”, opina a analista.
Pierre Poilievre
O principal adversário de Trudeau é o líder do Partido Conservador, Pierre Poilievre. O político de 45 anos é considerado pouco convencional para o Canadá por conta de sua retórica agressiva e fortes críticas ao atual primeiro-ministro. Poilievre repete constantemente que o “Canadá está quebrado” e que ele irá botar o país “em primeiro lugar” caso se torne primeiro-ministro, em uma retórica similar a do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
O político tenta se colocar como um líder prático que irá resolver os problemas do Canadá. Ele amplifica sua plataforma com slogans simples em que promete a volta do “bom senso”. Poilievre também se destaca pelo uso das redes sociais para se conectar com o público e explicar os principais problemas do Canadá.
“Poilievre encontrou um jeito de se comunicar com as pessoas”, aponta Lori Turnbull, da Universidade Dalhousie. “Ele não depende da mídia tradicional e publica vídeos no YouTube com propostas simples como seu plano de construir casas a um preço mais acessível. Trudeau também fala isso, mas ele tem a caneta na mão e a população considera que o problema não foi resolvido”.
O opositor classifica Trudeau como um líder “fraco” e o acusa de ser muito “woke” ou lacrador em português, um termo ligado a luta por justiça racial e social que se tornou parte das chamadas “guerras culturais” ao redor do globo por um suposto exagero na classificação e divisão das pessoas por sexo e gênero.
Embora tenha uma retórica similar a Donald Trump em alguns aspectos, o líder canadense é muito diferente do presidente eleito dos Estados Unidos e do Partido Republicano. Poilievre se diz a favor de manter o aborto legal no Canadá, assim como casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não tem uma retórica contra a imigração. “Apesar de usar um discurso populista similar ao de Trump, Poilievre não é filho de um milionário, ele vem de uma família da classe trabalhadora e está na política desde muito cedo”, diz Laura Stephenson.
O político usa a sua trajetória para se conectar com eleitores que tradicionalmente não são do Partido Conservador, como a classe trabalhadora e latinos. Ele nasceu em Calgary e foi adotado por um casal de professores. O opositor é casado com Ananda Poilievre, venezuelana que se mudou para o Canadá com 8 anos, e tem dois filhos.
A estratégia parece estar dando certo. O Partido Conservador lidera todas as pesquisas de opinião para as próximas eleições e Poilievre pode ter uma grande maioria na Câmara dos Comuns no Canadá.
Saiba mais
Eleição
O pleito canadense ainda não tem data. As eleições devem ser convocadas até outubro do ano que vem, mas Trudeau pode escolher convocar o pleito antes ou perder a confiança da Câmara dos Comuns.
Nas últimas eleições, em setembro de 2021, o primeiro-ministro venceu, mas não conseguiu uma maioria. Em 2022 ele alavancou um acordo com o Novo Partido Democrático, uma legenda social democrata, para ter uma maioria parlamentar. Mas o acordo foi rompido em setembro por conta de divergências sobre a forma que o primeiro-ministro acabou com uma greve de trabalhadores ferroviários.
“O governo de Trudeau ficou menos estável sem o acordo. O Novo Partido Democrático não tem nenhum compromisso com o governo e condiciona seus apoios dependendo da pauta”, destaca Lori Turnbull, da Universidade Dalhousie.
No sistema canadense, o chamado voto de desconfiança acontece quando um primeiro-ministro não governa com uma maioria e precisa aprovar legislação com apoio de partidos que não fazem parte de sua base. Caso um projeto não seja aprovado, entende-se que a Câmara dos Comuns não tem confiança no governo e novas eleições são convocadas.
Trudeau já sobreviveu a dois votos de desconfiança e deverá passar por um terceiro para aprovar o próximo orçamento. Independente de quando as eleições serão realizadas, a analista da Universidade Dalhousie avalia que Trudeau não deve conseguir manter o cargo. “Já está definido, é muito tarde para uma mudança”.
Já Laura Stephenson da Universidade de Western Ontario acredita que ainda existe uma chance para o primeiro-ministro. Segundo a analista, Trudeau está acostumado a vencer de forma inesperada. “Trudeau reformulou o Partido Liberal e o salvou da extinção. Ninguém esperava que ele fosse vencer em 2015, mas ele ganhou com uma maioria, então tudo pode acontecer”.
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