Inflação e violência enfraquecem esquerda na Argentina e eleitor embarca em discurso antipolítica

Javier Milei e Patricia Bullrich ganham força com propostas críticas a Macri e ao peronismo e promessa de linha dura contra o crime e a inflação

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Conforme o cenário eleitoral vai se desenhando na Argentina, fica claro que a disputa pela presidência começa a sair do eixo peronismo versus oposição. Nas ruas, o sentimento é de descrença com toda a classe política e, representando este momento, o nome de Javier Milei surge espontaneamente na boca dos eleitores que esperam um milagre na economia. Entre os que buscam uma solução fácil para o aumento da criminalidade o nome que cresce é o de Patricia Bullrich, citada como exemplo de política “firme” para lidar com a segurança.

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Segundo uma pesquisa divulgada nesta semana pelo jornal Clarín e feita pela Reale Dalla Torre Consultores, o aumento do custo de vida é a principal causa de preocupação para os argentinos na eleição deste ano, citada por 80% dos entrevistados. Logo em seguida vem a segurança pública, com 60%. Em meio à inflação acima de 100% e uma sensação de insegurança crescente, os argentinos esperam, cada vez mais, um salvador da pátria.

Walter Prieton 52, dono de uma loja de guloseimas no centro de Buenos Aires, diz que não sabe ainda em que vai votar, mas não acredita nem nos peronistas nem nos macristas. Mesmo sem escolher candidatos, o nome de Milei surge espontaneamente como uma opção. “Pelo menos é um economista, sabe o que tem que fazer”, afirma.

O deputado argentino e candidato presidencial, Javier Milei duante Conferência Conservadora no México, em novembro de 2022 Foto: Luis Cortes/Reuters

Rechaço à classe política

O discurso do deputado que mais lhe convence é o rechaço generalizado à classe política. “O que é importante que as pessoas vejam é que a casta política não tem nenhum interesse além do que tem a ver com o poder e a luxúria”, afirmou o candidato em entrevista ao canal LN+ no início deste mês.

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Milei ataca Cristina Kirchner - e assim todo o peronismo ao seu redor - da mesma forma que ataca Horácio Larreta, o candidato da coalizão liderada por Maurício Macri. Segundo ele, ambos buscam apenas o poder e não olham para a população. Um pensamento compartilhado por Prieton e dezenas de outros argentinos que falaram com a reportagem.

“As pessoas estão muito nervosas com os governantes e aí o discurso do Milei é impecável, é muito bom e eficaz”, afirma Facundo Galvan, professor de Ciência Política na Universidade de Buenos Aires. “Vemos esse discurso antipolítica semelhante ao de Jair Bolsonaro.”

A pesquisa do Clarín, a primeira realizada após a retirada de Alberto Fernández da corrida eleitoral, dá sinais de consolidação de Milei como uma força para a presidência. Em um cenário sem Fernández, Maurício Macri e Cristina Kirchner - que ainda não é desconsiderada pelas pesquisas -, a coalizão Liberdade Avança, de Milei, empata com o Juntos pela Mudança, de oposição, e o Frente de Todos, governista,

Enquanto o governo, comandado pelos peronistas, à esquerda, e a oposição macrista, à centro-direita, brigam pela culpa da inflação a 104,%, Milei aparece nos programas de televisão prometendo fazer “as mudanças que ninguém tem coragem”. Formado em economia, o deputado utiliza termos técnicos para explicar o que pretende fazer para “parar a sangria” e sua maior proposta econômica é a da dolarização da economia, inspirando-se no ex-presidente Carlos Menem. Uma proposta criticada por muitos economistas, já que a Argentina enfrenta uma ausência de reservas em dólares.

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Apesar do ceticismo do eleitor mais moderado, segundo a pesquisa Opina Argentina, realizada dias antes de Fernández desistir da candidatura, Milei tem a menor rejeição até o momento entre os principais candidatos à presidência.

Etiqueta do programa 'Preços Justos' do governo argentino para congelar o preço dos alimentos em meio à disparada da inflação Foto: Carolina Marins/Estadão

Resposta dura à criminalidade

O segundo tema que mais preocupa os argentinos é o da segurança. E neste campo a candidata que mais ganha vantagem é a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich. Ela disputará as primárias do partido Proposta Republicana (PRO) com Larreta e em algumas pesquisas chega a despontar na frente do colega.

Ainda que venha de uma das famílias mais tradicionais da Argentina e tenha sido ministra de Macri, Bullrich busca se colocar como diferente do macrismo. Larreta também tentou se descolar do ex-presidente que é altamente impopular no país, tomando decisões até criticadas dentro do partido recentemente, mas nas ruas sua imagem ainda é colada a de Macri.

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Luis Antonio Quintana, 68, comanda uma mercearia em uma rua de esquina no centro de Buenos Aires e conta que tem simpatia por Bullrich por sua “posição firme”. Ele viu como positiva a sua gestão frente ao Ministério da Segurança, por “demonstrar disposição para agir”. Por estar na região central da capital, ele conta que já viu muitos roubos, furtos e invasões de comércio. “Estou aqui há 25 anos e comigo eles não mexem”, conta com severidade. “Mas já vi muita coisa acontecendo nessa rua”.

Ainda que os números oficiais de homicídios, roubos e furtos tenham diminuído na Argentina de 2014 a 2021 - ainda não há dados publicados de 2022 -, a sensação entre os portenhos é de que a situação nas ruas está pior. Entre motoristas de aplicativo há um cuidado para aceitar corridas por regiões centrais da cidade, e não é incomum encontrar pequenas lojas que só atendem através de grades, mesmo durante o dia.

Luis Antonio Quintana, dono de uma pequena loja perto do Congresso, em Buenos Aires, Argentina Foto: Carolina Marins/Estadão

A preocupação com a violência é maior no interior do país. Enquanto na cidade de Buenos Aires o temor é com roubos e furtos, na província de Buenos Aires os latrocínios são a maior preocupação. Já em outras províncias mais ao norte, o medo é com homicídios e o narcotráfico.

Roubo seguido de morte

Javier Panebianco, 52, comanda uma loja de cereais na área central de Rosário, no Departamento de Santa Fé, e afirma que seu maior medo é alguém entrar armado na loja. “Você se sente exposto atrás do caixa, com medo de que venha alguém comprar algo com um sorriso e te dê uma facada”, afirma com indignação. “Porque hoje eles não vêm apontando uma arma para te roubar, eles vêm para te matar”.

Santa Fé é a província com a maior taxa de homicídio do país e Rosário é conhecida por ser uma cidade comandada pelo narcotráfico. Este ano, o município que se orgulha de ser “a capital do Futebol” ganhou fama por ter sido palco de um ataque a tiros contra o supermercado dos sogros de Lionel Messi.

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Irma Hernandez, 68, mora no bairro de Empalme Graneros onde tem ocorrido uma onda de ataque a tiros contra escolas, e conta que sempre existiram roubos em Rosário, mas agora são mais violentos. “Tive que fazer algo muito drástico na minha casa que foi colocar uma segunda porta de proteção antes da porta principal. Comentei com meu filho que agora nós somos os presos e eles [os criminosos] estão nas ruas”.

Rosário em foco

Analistas apontam que tem aumentado a popularidade dos discursos “linha dura” em meio a essa percepção de insegurança, ainda mais entre jovens. “Há pesquisas que mostram que as novas gerações estão vendo com outros olhos essas políticas de ‘mão dura’”, afirma Marco Iazzetta, professor de Ciência Política e pesquisador sobre violência na Universidade Nacional de Rosário.

“Existe uma certa resistência a esse tipo de política na Argentina, por causa dos traumas da ditadura. Mas se começa a escutar cada vez mais esse tipo de discurso das novas gerações que não viveram esse processo de retorno à democracia. Para eles é algo muito distante”, completa.

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A então ministra da Segurança, Patricia Bullrich, agora candidata a presidente da Argentina Foto: Agustin Marcarian/Reuters

Depois do episódio com a família de Messi, Rosário virou um ponto importante de campanha para os candidatos. Em visita à cidade em fevereiro, Bullrich criticou o envio da Força Nacional “para construir casas” e defendeu o uso do Exército no combate aos criminosos. No entanto, a Constituição argentina não permite o uso das Forças Armadas como forças policiais. Com frequência a ex-ministra de Segurança compara os dados de violência em Rosário e Santa Fé entre sua gestão e a da Frente de Todos.

Seus colegas do Juntos pela Mudança defenderam a criação de um comitê de crise para lidar com a situação na cidade, enquanto os peronistas discordavam entre eles sobre a decisão de Alberto Fernández em enviar o Exército para lá. Já Milei instalou um diretório de campanha numa das principais ruas da cidade, o “Bunker da Liberdade” - bunker é como chamam os pontos de comércio de drogas.

No entanto, os rosarinos não acreditam que uma solução possa vir a nível federal. A sensação, segundo eles, é de que Buenos Aires não olha para Rosário e acreditam que a própria política contribui para o aumento da violência na região. “Já não acredito em ninguém”, desabafa Javier Panebianco.

“Acredito que este é um problema mais nosso, que teríamos que resolvê-lo entre nós mesmos, os santafesinos, porque isso tem mais a ver com um mal funcionamento do Estado e uma incapacidade de lidar com a questão”, afirma Marco Iazzetta. “A estratégia que adota o governo federal é de sempre enviar mais efetivo, mas não há uma coordenação com as forças de segurança da Província. Não há avanços”.

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