A aposentada cubana Xiomara Castellanos, de 80 anos, ficou feliz quando o governo aumentou salários e pensões em 2021 em uma reforma monetária, mas em nenhum momento pensou que os preços atingiriam níveis sem precedentes na ilha.
Cuba é hoje um dos países latino-americanos que enfrenta uma forte escalada inflacionária. O presidente Miguel Díaz-Canel participará de uma teleconferência na terça-feira com seus homólogos do México, Colômbia, Brasil e Argentina, também afetados pela alta da inflação e cujos governos de esquerda tentam adotar estratégias comuns para reduzir os preços ao consumidor.
Reforma
Em janeiro de 2021, as autoridades colocaram em prática uma reforma monetária para acabar com a aplicação da taxa de um dólar por um peso cubano que vigorava há décadas e causava distorções na economia nacional.
Isso levou a uma desvalorização do peso cubano. A moeda subiu de 24 para 120 pesos por dólar à taxa oficial. No mercado negro está agora em 180.
Ainda que o salário tenha aumentado em média 450% com a reforma, os preços não acompanharam. Xiomara recebe uma pensão mensal de 1.528 pesos cubanos, ou US$ 13,80 pela taxa oficial, quase o mesmo valor de uma caixa de 30 ovos (US$ 14).
Segundo dados oficiais, a inflação aumentou 70% em 2021 e 39% em 2022. Para Pavel Vidal, acadêmico da Pontifícia Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia, as estatísticas oficiais “subestimaram a inflação efetiva em 5 a 6 vezes”. “A inflação real em 2022 ultrapassou os 200%, uma das mais altas do planeta.”
A aposentada cubana fica indignada quando vai comprar os produtos do “caderno de abastecimento”, criado pelo falecido líder Fidel Castro em 1963 para combater a escassez de alimentos e um símbolo de segurança alimentar na ilha. Cada vez, Xiomara coloca menos produtos na lista.
Pelo preço quase simbólico de US$ 1,42, Xiomara compra com o caderno em mãos na mercearia perto de sua casa o que o Estado lhe destina por mês: sete quilos de arroz, meio litro de óleo, sete ovos, três quilos de feijão, seis quilos de frango e um pacote de café. “Eu compro o que eles me dão e sempre como frango”, diz enquanto cozinha, chateada por não gostar do alimento.
Cotidiano
O economista cubano Omar Everleny Pérez afirma que um casal precisa de cerca de US$ 113 por mês para comprar comida. Além disso, esse mesmo casal precisa de US$ 233 para cobrir os gastos com transporte, roupas, recreação, serviços públicos e internet.
Xiomara parou de beber leite porque o quilo do leite em pó custa US$ 14 nas pequenas lojas particulares que começaram a fervilhar com a autorização do governo para as PMEs (pequenas e médias empresas) em 2021, e agora vendem até produtos importados.
As práticas de livre mercado se aprofundaram na ilha graças à abertura ao setor privado, promovida por Raúl Castro durante seu mandato (2008-2018). Na ilha, com 11,1 milhões de habitantes e onde o salário médio é de US$ 33, uma parte da população recebe remessas e outra, grupo menor, bônus ou outros lucros em empresas estatais.
O economista Pérez explicou que as famílias que recebem remessas têm renda maior quando trocam suas moedas por pesos cubanos.
“O que me preocupa é que o mundo se tornou mais desigual para os cubanos”, disse Everleny Pérez.
O país vive a pior crise econômica em três décadas devido ao endurecimento do embargo americano e aos efeitos da pandemia. “Antes (2021) não havia IPC (Índice de Preços ao Consumidor) em Cuba”, explicou Pavel Vidal, mas com base nas informações geradas com o PIB “pode-se dizer que é a maior inflação registrada na ilha”, mesmo acima da crise do chamado Período Especial na década de 1990. / AFP
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