A invasão do Capitólio em Washington por radicais pró-Donald Trump coloca em xeque as instituições e os partidos Democrata e Republicano. A resposta deles ao evento nos próximos dias, até horas, será crucial para a democracia dos Estados Unidos, segundo avaliação da professora de relações internacionais da ESPM Denilde Holzhacker, em entrevista ao Estadão.
Qual o impacto da confusão em Washington para a democracia americana?
Os episódios desta quarta-feira demonstram a cisão que o país vem vivenciando nos últimos tempos, acompanhada de um aumento das tensões. A posição desses grupos extremistas evidenciam o perigo da polarização, a forma como ela foi colocada, que estourou agora. A resposta do Congresso de manter e seguir com o rito e a declaração de Mike Pence de que sua posição não permite alterar o resultado da eleição sinaliza a força das instituições. A grande dúvida é a posição de Trump, que incitou as pessoas a irem ao Capitólio, mesmo que depois tenha pedido que se manifestassem pacificamente. Essa fúria já estava no ímpeto dos manifestantes. A dúvida é se ele será mais contundente e pedirá para eles se dispersarem.
Ele pode responder juridicamente pelo que houve?
Isso não está claro, porque ele pediu que os manifestantes fossem a um ato perto do Congresso, não que eles invadissem o local. Então o limite não está claro. Agora, os democratas querem seguir com o processo e certificar a vitória para demonstrar a força das instituições.
Por que não há manifestantes democratas nas ruas?
Os democratas, incluindo os líderes do partido, estão muito preocupados em evitar situações de embate entre grupos. Na noite anterior, Trump convocou seus apoiadores. Então acho que foi uma decisão estratégica do Partido Democrata em não convocar seus apoiadores para também se manifestar em Washington. A preocupação é que eles não saiam às ruas agora para antagonizar com esses grupos radicais. Os embates poderiam ser de proporções drásticas.
Trump e seguidores foram para o tudo ou nada?
Do ponto de vista legal, a certificação dos resultados pelo Congresso, depois que o vice (e presidente do Senado) proclama os resultados, essa é a última chance. Mas mesmo as tentativas de questionar os resultados de alguns Estados por parte de alguns republicanos não devem ter impacto.
Como podemos comparar essa situação?
Não é normal nos Estados Unidos uma situação como essa. Claro que nas manifestações do ano passado (contra a violência policial) havia um grau de tensão. Mas o que preocupa nesse caso é a forma, a motivação dessa manifestação, de radicalismo. E isso só prejudica Trump em seu discurso, tira qualquer apoio que ele pudesse ter à tese de que houve fraude na eleição. É preciso lembrar que o país também está em uma crise econômica e de saúde. Os riscos para Trump aumentaram dentro do Partido Republicano, porque ele perdeu capital político.
Muito tem se falado sobre as divisões dentro do partido. Isso pode ser decisivo?
Há um processo e uma possibilidade de cisão no Partido Republicano, como já vinha sendo indicado antes, de grupos que apoiam Trump e moderados. Ao perder a presidência, Trump passa a disputar com outras figuras as chances de concorrer de novo, ele pode ficar isolado dentro do partido, esse é um cenário.
Poderia criar um outro partido?
Esse seria o outro cenário, o de ele se firmar como uma figura importante, dividir a legenda. Não sabemos o que ele pode fazer depois, se decidir sair candidato.
Essa situação criou um risco para a democracia americana?
A invasão do Capitólio coloca em xeque as instituições e os partidos Democrata e Republicano. A resposta deles a esse evento nos próximos dias, diria até horas, será crucial para a democracia dos EUA. Se os ritos e todos os processos forem respeitados, tudo isso será reavaliado e terá impacto para o futuro das instituições americanas. Acho que elas foram abaladas momentaneamente, por isso essa resposta será crucial para manter o respeito nacional. É preciso lembrar que o país está dividido, mas a maioria dos eleitores republicanos apoia a transição de poder, mesmo que não goste do resultado. A maioria não apoia essa estratégia (de violência) desses republicanos (extremistas). Além disso, existe no partido uma grande preocupação com a lei e a ordem.
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