Investigação contra Maduro no TPI mostra que abusos na Venezuela não são narrativas, diz Moisés Naím

Escritor e analista venezuelano disse esperar ver justiça no caso da investigação pelo tribunal de Haia sobre crimes contra a humanidades no governo de Nicolás Maduro

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:
Foto: Estadão
Entrevista comMoisés NaímEscritor e analista venezuelano

O Tribunal Penal Internacional decidiu reabrir as investigações sobre crimes contra a humanidade supostamente cometidos pelo governo de Nicolás Maduro na Venezuela. O processo foi retomado depois de um pedido do procurador Karim Khan, que considerou que o governo venezuelano não estava conduzido as investigações corretamente.

Segundo o escritor e analista venezuelano Moisés Naím, essa reabertura mostra como as violações de direitos humanos são uma realidade e não “uma narrativa”, em referência à fala de Luiz Inácio Lula da Silva durante um encontro com Maduro em Brasília no fim de maio. “Fizeram todo o possível para atrasar, adiar, distrair, etc., mas a Justiça tem seu próprio caminho e sua própria velocidade que não estava necessariamente sincronizada com a política internacional de Maduro”, disse ao Estadão.

A retomada ocorre em um momento em que o ditador se viu sendo novamente recebido nos círculos internacionais. Durante seu encontro com Lula, ele ouviu que a Venezuela precisa divulgar sua “narrativa” sobre a situação política e econômica do país para fazer frente ao que chamou de “narrativas” construídas por opositores no cenário internacional.

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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro Foto: Palácio Miraflores/EFE

Antes de Lula, a Venezuela já via o retorno de suas relações diplomáticas com a Colômbia após a vitória de Gustavo Petro como presidente no ano passado. Quase na mesma época, Maduro foi fotografado dando as mãos para um Emmanuel Macron sorridente durante a COP-27, na esteira da crise energética europeia por causa da guerra na Ucrânia.

A investigação “coincide com a tentativa de Maduro de ‘lavar a cara’ e poder continuar participando [do cenário internacional], ou seja, que Lula continue a abraçá-lo em público”, disse o escritor. Confira trechos da entrevista:

O que significa esta investigação ser retomada neste momento, em que há um ressurgimento de Nicolás Maduro no cenário internacional?

É uma presença muito oportuna, mas não está inclusa nos cálculos da política internacional de Maduro. Em novembro de 2021, o TPI decidiu investigar as acusações de tortura que havia contra o governo de Nicolás Maduro, e decidiu também abrir um escritório na Venezuela. O governo de Maduro disse que não, que dessem a eles a oportunidade de fazer a própria investigação, utilizando as instituições do governo da Venezuela. Finalmente, em 27 de junho, o senhor Khan anunciou que seu escritório concluiu que a Venezuela não está fazendo o necessário, que não se fizeram as investigações ou as poucas que fizeram foram muito defeituosas, e portanto vão iniciar de novo a investigação.

E tudo isso coincide com a tentativa de Maduro de ‘lavar a cara’ e poder continuar participando [do cenário internacional], ou seja, que Lula continue a abraçá-lo em público. Então fizeram todo o possível para atrasar, adiar, distrair, etc., mas a Justiça tem seu próprio caminho e sua própria velocidade que não necessariamente estava perfeitamente sincronizada com a política internacional de Maduro.

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Como essa reabertura da investigação ressoa na relação da Venezuela com o Brasil, principalmente após uma reaproximação tão calorosa durante o governo Lula?

A fala do presidente Lula deixou a todos muito perplexos quando disse que o que estava acontecendo na Venezuela era uma narrativa. Bom, essa investigação mostra que não é uma narrativa, é uma realidade. Na Venezuela, já existem vários relatos. Quando Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, trabalhava nas Nações Unidas como comissária para esse tipo de assunto, também fez uma investigação na Venezuela, onde descobriram o uso de tortura em massa e tortura que poderia estar a serviço do governo. Isso foi amplamente documentado, amplamente confirmado, amplamente debatido entre os governos, porém não importou em nada para o Lula. E é uma surpresa porque ele vem do mundo do sindicalismo, em que deveria ter solidariedade contra governos que torturam pessoas.

Lula e Maduro se encontraram em Brasília em 29 de maio Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Mas não é só o Brasil com Lula que recolocou Maduro no cenário internacional, os EUA amenizaram suas sanções visando a indústria petrolífera venezuelana e com a crise energética na Europa vimos um renascimento das petroditadura. Como fica essa retomada agora?

São duas conversas diferentes. Ambas são válidas, mas uma que é muito importante e concreta que ocorreu esses dias é que o Tribunal Penal Internacional decidiu que a Venezuela não está conduzindo as investigações. Ao mesmo tempo que isso está acontecendo, ocorreu a invasão da Ucrânia pela Rússia, que distorceu e quebrou o abastecimento de petróleo e tornou o petróleo venezuelano muito desejável novamente.

O problema é que a indústria do petróleo na Venezuela está destruída. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, mas a menor capacidade do mundo para produzir um bom petróleo, visto que o governo de Hugo Chávez primeiro e depois Maduro destruíram a capacidade de produção de petróleo, a capacidade de refino. A Venezuela tinha um dos maiores sistemas de refino de hidrocarbonetos do mundo. Ou seja, as gigantescas refinarias foram destruídas, simplesmente por corrupção, má gestão, ignorância, indolência. Então é verdade que os Estados Unidos gostariam muito de ter essas massivas capacidades de produção na Venezuela, mas as condições não estão dadas.

Nem mesmo os chineses. Os chineses e os russos tiveram vantagens porque o governo Maduro deu a eles a oportunidade de produzir petróleo como eles queriam quase sem nenhuma regra. As empresas tanto da China quanto da Rússia tentaram aumentar a produção de petróleo na Venezuela e não conseguiram, foram derrotados pela anarquia, indolência, destruição, incapacidade de produzir, sobretudo, corrupção, fator muito importante de tudo isso.

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Caso o TPI conclua que houve crimes contra a humanidade e um mandado de prisão seja expedido contra Maduro, podemos esperar um cumprimento? E novamente trazendo para o Brasil, que é um signatário do Estatuto de Roma, que atitude esperar?

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Os países agem de acordo com seus interesses e pelos seus valores. Se isso acontecer e o Tribunal Penal Internacional confirmar que o governo de Maduro apoiou e facilitou a tortura como instrumento de Estado, então isso tem que ser penalizado. É um Tribunal Penal Internacional, a tortura não pode ser aceita sob nenhuma circunstância e, quando há, deve ser denunciada, erradicada e se combater quem tortura. Então deve haver um preço a ser pago por quem tortura, não pode ser que haja tortura em larga escala e que funcione massivamente na Venezuela e que isso não tenha consequências. Isso acaba por medir os valores de um líder. Então, o Brasil pode ter interesses, mas também tem valores, e um dos valores que tem é a proteção dos direitos humanos e o combate às violações e à tortura.

Ano que vem teremos eleições na Venezuela. É possível que a investigação tenha algum impacto?

Não sabemos. O que sabemos é que, para Maduro, as condições de saída são muito caras pessoalmente, familiarmente, politicamente e economicamente. Todos esses líderes venezuelanos estão cheios de dinheiro, roubaram quantias imensas e a única maneira que têm de se proteger é estando no governo. Então, há as barreiras para a saída. Da mesma forma que é difícil entrar, é difícil sair. É muito difícil para Maduro e as pessoas que estão ao seu redor viver sem a proteção do Estado porque eles têm muitas coisas pelas quais devem responder em muitos sentidos.

Pessoalmente, quais são as suas perspectivas para esta investigação do TPI?

Eu quero que a Justiça seja feita. Acho importante dar condições ao TPI para que faça o seu trabalho, sem antecipar os resultados, mas tem que garantir que sejam objetivos. O mais importante é que haja Justiça e que aqueles que comentam atos contra a humanidade, como a acusação que poderia vir, que se ajam de acordo.

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