PUBLICIDADE

Irã acusa Israel de atacar usina nuclear de Natanz e jura vingança

Fontes de inteligência dos EUA disseram ao 'New York Times' que o ataque deve atrasar o programa nuclear iraniano

PUBLICIDADE

Por Patrick Kingsley

TEERÃ - O Irã acusou nesta segunda-feira, 12, Israel de estar por trás do ciberataque realizado no domingo contra sua usina nuclear de Natanz, dando a entender que a ação danificou as centrífugas encarregadas de enriquecer urânio. O ministro de Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, jurou vingança contra Israel na manhã desta segunda-feira.

PUBLICIDADE

Os comentários de Zarif ressaltam o risco de uma escalada do conflito clandestino entre Irã e Israel, que se arrasta há anos. A fala do ministro também ameaça ofuscar esforços em Viena para encorajar o Irã a restabelecer restrições ao seu programa nuclear, em troca da retirada das sanções dos Estados Unidos.

De acordo com um comunicado oficial exibido pela televisão estatal iraniana, Zarif afirmou que “Os sionistas querem se vingar porque progredimos no sentido da retirada das sanções. Mas nos vingaremos dos sionistas”, acrescentou Zarif, de acordo com o comunicado.

Centrífugas de enriquecimento de urânio na usina de Natanz, localizada na região central do Irã. Foto: Atomic Energy Organization of Iran via AP

Zarif fez os comentários após uma queda no fornecimento de energia na central de enriquecimento de urânio de Natanz, ocorrida no domingo, atribuída por autoridades iranianas a uma sabotagem de Israel. O governo israelense se recusou a comentar formalmente seu envolvimento, mas fontes do governo dos EUA e de Israel confirmaram separadamente ao New York Times que Israel está envolvido. A imprensa israelense, citando fontes de inteligência, atribuiu o ataque ao Mossad, a agência de espionagem do país.

Duas autoridades cientes da ação afirmaram ao Times que o apagão foi causado por uma explosão que teve como alvo a linha de fornecimento de energia que alimenta milhares de centrífugas subterrâneas, responsáveis pela parte principal do programa de enriquecimento de urânio do Irã.

Um porta-voz da Organização de Energia Atômica do Irã, Behrouz Kamalvandi, afirmou na segunda-feira que a explosão deixou uma cratera tão grande que ele caiu dentro dela — e machucou cabeça, costas, pernas e braços.

O ataque ameaça incendiar tensões públicas entre Israel e o governo Biden a respeito da maneira correta de tratar o Irã e suas ambições nucleares. A ação ocorreu no momento em que o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, estava em Israel para reunir-se com o primeiro-ministro do país, Binyamin Netanyahu, e o ministro da Defesa, Benny Gantz.

Publicidade

Autoridades israelenses e americanas se recusaram a informar se o governo dos EUA foi avisado anteriormente a respeito do ataque — ou se a ação foi programada para coincidir com a visita de Austin a Israel.

Tanto Austin quanto Netanyahu projetaram uma imagem de amizade na tarde de segunda-feira, durante a entrevista coletiva que concederam juntos. Em breves declarações, Austin nem sequer mencionou o Irã, e Netanyahu se referiu ao ataque do domingo apenas indiretamente.

O Irã sustenta, há muito tempo, que seu programa nuclear tem fins pacíficos e é destinado ao desenvolvimento energético do país. Mas Israel o considera uma ameaça à sua existência, já que líderes iranianos pregam com frequência a destruição de Israel.

“Ambos concordamos que o Irã nunca deverá possuir armas nucleares”, afirmou Netanyahu na segunda-feira. “Minha política enquanto primeiro-ministro de Israel é clara. Nunca permitirei que o Irã atinja capacidade nuclear para cumprir sua meta genocida de eliminar Israel, e Israel continuará a se defender da agressão iraniana e do terrorismo.”

PUBLICIDADE

Netanyahu descreveu os EUA na segunda-feira como “não apenas aliados — somos uma família”. Mas o ataque em Natanz serviu como lembrete das diferenças entre a política deNetanyahu em relação ao Irã e o estilo do presidente Joe Biden.

O episódio poderia complicar os esforços do governo Biden de convencer o Irã a retornar a algo próximo dos termos negociados no acordo de 2015 pelo governo Obama, de acordo com os quais Teerã se comprometeu a limitar seu programa de enriquecimento de urânio.

O pacto ruiu em 2018, quando o presidente Donald Trump voltou a impor sanções dos EUA contra o Irã, e Teerã rejeitou as promessas de restringir seu programa nuclear.

Publicidade

Israel é contrário ao retorno aos termos do acordo anterior, argumentando que o pacto não impôs restrições fortes o suficiente nem duradouras o suficiente contra a atividade nuclear iraniana.

Um graduado funcionário do gabinete do primeiro-ministro se recusou a informar o que Austin e Netanyahu discutiram em sua reunião privada. Um outro funcionário do governo israelense afirmou que Austin e Gantz falaram a respeito da oposição de Israel em relação ao retorno ao pacto de 2015, mas se recusou a dizer se eles discutiram o ataque em Natanz.

Analistas se dividem a respeito da possibilidade de a agressão de Israel ter a intenção de afundar as negociações como um todo — ou simplesmente de enfraquecer a posição do Irã nesse processo.

O ministro de Relações Exteriores alemão, Heiko Maas, afirmou que o apagão em Natanz confere um mau prognóstico para as negociações em Viena. “O que estamos ouvindo de Teerã atualmente não é uma contribuição positiva, particularmente em relação ao desdobramento em Natanz”, afirmou Maas na segunda- feira.

Há anos, Israel e Irã travam um conflito clandestino de baixa intensidade. 

Ambos os países acusaram um ao outro de ciberataques em seus territórios. O Irã financia e fornece armamento a milícias hostis a Israel em todo o Oriente Médio — e foi acusado de tentativas de assassinato contra diplomatas israelenses em todo o mundo. Israel é tido como responsável pelo assassinato de vários cientistas nucleares iranianos - o caso mais recente ocorreu em novembro, quando um dos principais criadores do programa nuclear iraniano foi morto em uma emboscada.

Essa troca de ataques invadiu os mares nos últimos dois anos. Israel passou a atacar navios carregados de combustível iraniano, e o Irã pareceu responder atacando pelo menos dois navios de carga israelenses.

Publicidade

Ambos os lados conseguiram abafar o conflito, em parte, ao se recusar a falar publicamente a respeito das trocas de ataques.

Mas o vazamento dos detalhes a respeito do envolvimento israelense no episódio do domingo levantou temores de que o Irã buscará defender sua honra com uma resposta militar mais forte do que de costume.

“Uma vez que autoridades israelenses são citadas, isso exige que os iranianos se vinguem”, afirmou Danny Yatom, ex-diretor do Mossad, em entrevista a uma estação de rádio do Exército israelense. “Certas coisas têm de permanecer secretas.”

Mas alguns analistas acham que o Irã não pretende intensificar o conflito com Israel enquanto ainda existir alguma chance de os EUA levantarem as sanções contra a economia iraniana em troca das limitações ao programa nuclear do Irã.

Chuck Freilich, ex-vice-conselheiro de segurança nacional de Israel, afirmou: “Não acho que os iranianos querem um confronto aberto neste momento — acho que eles querem um acordo. E, para isso, não é necessário um confronto".

Em Israel, há quem questione a possibilidade desse ataque servir a propósitos domésticos de Netanyahu, em vez de apenas objetivos de política externa.

Netanyahu está sendo julgado por corrupção e luta para formar uma nova coalizão partidária para poder governar Israel, após as eleições gerais realizadas no mês passado no país não terem dado a nenhum partido maioria suficiente para governar sozinho. Alguns analistas afirmam acreditar que um confronto aberto com o Irã pode ajudar Netanyahu a tecer uma coalizão, convencendo seus membros de que agora não é o momento de destituir um primeiro-ministro experiente.

Publicidade

“Ele deve estar pensando em consolidar sua imagem enquanto cria essa crise de política externa, o que depois o ajudará a resolver o problema da coalizão”, afirmou Freilich. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.