TEERÃ - As autoridades do Irã estão tentando conectar os protestos que estouraram por todo o país após a morte da curda Mahsa Amini há mais de um mês com um ataque a tiros em uma mesquita famosa do país, onde 15 pessoas morreram na última quarta-feira, 26. O ataque foi reivindicado pelo grupo terrorista autointitulado Estado Islâmico.
Os comentários foram feitos em meio às dificuldades do governo iraniano em conter os protestos no país em razão da morte da jovem de 22 anos em 16 de setembro. Até o momento não há evidências de que o grupo que atacou a mesquita esteja ligado aos protestos, que tem se demonstrado pacíficos porém vistos como uma ameaça de segurança nacional pelo governo.
Na quarta, um homem armado abriu fogo na mesquita de Shiraz’s Shah Cheragh, o segundo local mais sagrado do Irã. De acordo com fontes locais, ao menos 15 pessoas foram mortas. Inicialmente as autoridades haviam noticiado que eram vários atiradores.
Imagens liberadas nesta quinta-feira, 27, mostram o atirador caminhando perto da mesquita com uma mochila e entrando com uma arma. Algumas pessoas que estavam rezando ajoelhadas tentaram se erguer. O homem foi capturado mas ainda não identificado.
O Estado Islâmico declarou ser responsável pelo ataque, enquanto o presidente iraniano Ebrahim Raisi afirmou que a culpa é dos protestos, que ele chama de rebelião, que abriram espaço para que isso acontecesse. O presidente, porém, não apresentou evidências que corroborem a afirmação.
“O inimigo quer que as rebeliões abram caminho para ataques terroristas. O inimigo é sempre o inimigo”, falou o presidente.
Os últimos protestos intensos que o Irã presenciou foram em 2009, com o Movimento Verde. A atual situação do país tem tido grandes efeitos na economia e no governo, com os manifestantes pedindo abertamente a queda do líder supremo o aiatolá Ali Khamenei. Os números de vítimas da repressão policial são incertos, com alguns levantamentos citando mais de 200 pessoas mortas e outras milhares presas.
“Eles entram em um santuário e atiram em pessoas inocentes”, comentou o líder supremo de 83 anos. “Todas as pessoas estão confiando na nossa segurança e no nosso judiciário, e esses ativistas de mídia deveriam estar unidos contra essa onda de desrespeito contra a vida, segurança e fé das pessoas”.
Autoridades iranianas culparam os inimigos como os Estados Unidos e Israel pelos distúrbios, sem evidências, e prenderam um número considerável de estrangeiros acusados de participarem dos protestos.
Ainda nesta quinta, o ministro de relações exteriores convocou o embaixador alemão, acusando Berlim de ter interferido na política exterior do Irã e por suposto terrorismo, de acordo com a agência de notícias Irna. A Alemanha também convocou o representante do Irã depois que a ministra Annalena Baerbock disse que “não podem haver mais negócios como antes com um país que trata de forma desumana seus próprios cidadãos”.
Baerbock disse que ocorrerão restrições com sanções da União Europeia e a Alemanha tem procurado outras medidas para ajudar nas negociações. Ela afirmou que quaisquer outras conversas sobre economia e energia seriam suspensas.
O ex-presidente iraniano Mohammad Khatami, no entanto, alertou que a violência não pode ser respondida com violência. A imagem e o nome de Khatami foram banidos da mídia iraniana em 2015 por conta das suas visões políticas reformistas. “Se as pessoas enxergarem que as condições das suas vidas não são providenciadas pelo governo, eles têm o direito de criticar e de protestar”.
Protestos em curso
Enquanto isso, os protestos continuam no Irã, onde ao menos oito pessoas morreram em 24 horas após repressão das forças de segurança, segundo a Anistia Internacional. Na quarta-feira, horas antes do ataque à mesquita, a polícia reprimiu milhares de manifestantes que se reuniram no cemitério onde Mahsa Amini foi sepultada e ocorriam as homenagens pelos 40 dias da morte, que marca o fim do luto oficial na vertente xiita do Islã.
Os protestos continuaram em diversas regiões do país após as novas mortes. Vídeos obtidos pelo Washingon Post mostram forças de segurança abrindo fogo contra manifestantes na cidade de Mahabad, região curda localizada no oeste do país, após esses atacarem prédios do governo, incluindo os escritórios do governador e do prefeito.
Ativistas dos direitos humanos informaram que pelo menos duas pessoas foram mortas e dezenas ficaram feridas em Mahabad. A revolta eclodiu na cidade durante o enterro do jovem Ismail Mowludi, morto nesta quarta-feira durante a cerimônia dos 40 dias da morte de Mahsa Amini. Segundo os relatos, após o jovem ser enterrado, a multidão marchou num cortejo fúnebre em direção ao centro da cidade com os gritos “Morte ao ditador”, uma referência ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, “o Curdistão será o cemitério dos fascistas”.
A agência de notícias semioficial do Irã Tasnim negou que as forças de segurança tenham usado munição real e culpou os manifestantes pela violência.
Outros vídeos disponibilizados na rede, apesar dos bloqueios impostos pelo governo à internet no país, mostram os manifestantes nos escritórios do governo ao som de tiros. Outros mostram um prédio em chamas. A agência de notícias Irna disse que os rebeldes destruíram propriedades privadas, inclusive bancos e escritórios administrativos.
Segundo Rebin Rahmani, da Rede de Direitos Humanos do Curdistão, os manifestantes assumiram o controle de uma das entradas da cidade de Mahabad. A agitação se espalhou para pelo menos duas outras cidades da região curda, Baneh e Dehgolan. /Com informações da AFP e Washington Post
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.