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Irã planeja intensificar ataques contra militares americanos na Síria, mostram documentos dos EUA

País arma militantes na Síria para atacar forças militares americanas que estão na Síria

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Por Joby Warrick e Evan Hill

O Irã está armando militantes na Síria para uma nova fase de ataques letais contra militares dos Estados Unidos em território sírio, ao mesmo tempo que trabalha com a Rússia em uma estratégia mais ampla para expulsar americanos da região, afirmam autoridades de inteligência e documentos secretos vazados.

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Teerã e seus aliados estão reunindo recursos e treinando forças para usar bombas de beira de estrada mais poderosas, capazes de romper blindagens, destinadas especificamente a atacar veículos militares dos EUA e matar soldados americanos, segundo relatórios de inteligência secretos obtidos pelo Washington Post. Essa ofensiva constituiria uma escalada na antiga e duradoura campanha do Irã de usar milícias terceirizadas para lançar ataques de foguetes e drones contra forças americanas na Síria.

Ataques de drones feriram seis militares americanos e mataram um prestador de serviços contratado pelo Departamento de Defesa. Os novos explosivos poderiam elevar o número de baixas americanas, arriscando ocasionar um confronto militar maior com o Irã, segundo afirmam analistas e ex-analistas de inteligência e especialistas em armas. O mesmo tipo de armamento, chamado projétil penetrante formado por explosão, ou EFP, foi usado por insurgentes pró-Irã em ataques letais contra comboios americanos durante a ocupação dos EUA no Iraque.

Veículo militar dos EUA escolta caminhões de base no norte da Síria, em imagem de 2019. Documentos vazados do Pentágono mostram que Irã planejava atacar americanos Foto: Alice Martins / The Washington Post

Autoridades da Força Quds, uma unidade militar de elite iraniana, dirigiram e supervisionaram um teste de um dos explosivos que, segundo relatos, perfurou a blindagem de um tanque em uma detonação experimental realizada no fim de janeiro, em Dumayr, ao leste de Damasco, a capital síria, de acordo com um dos relatórios de inteligência. O documento, parte de um conjunto de material secreto vazado na plataforma de mensagens Discord, parece ter como base comunicações interceptadas entre militantes sírios e libaneses aliados do Irã. Uma suposta tentativa de usar um desses explosivos contra forças dos EUA foi aparentemente frustrada no fim de fevereiro, quando três bombas foram apreendidas por combatentes curdos, aliados dos americanos, no noroeste da Síria, declara um segundo documento.

“Houve uma mudança de paradigma sobre os riscos que eles estão dispostos a aceitar em relação a matar americanos na Síria”, afirmou Michael Knights, especialista em milícias apoiadas pelo Irã e um dos fundadores do website Militia Spotlight. Notando a devastação ocasionada pelas bombas EFP durante a Guerra do Iraque, ele acrescentou: “Isso definitivamente matará as pessoas. E eles estão pensando profundamente sobre a maneira de fazer isso”.

Outro documento do conjunto vazado descreve um esforço novo e mais amplo de Moscou, Damasco e Teerã para expulsar os EUA da Síria, um objetivo almejado há muito que poderia permitir ao presidente sírio, Bashar Assad, retomar o domínio sobre províncias orientais atualmente controladas por forças curdas apoiadas pelos EUA. Os três últimos governos americanos mantiveram um pequeno contingente militar do país na Síria — cerca de 900 soldados em média, acompanhados de centenas de outros prestadores de serviços terceirizados — para evitar um ressurgimento de militantes do Estado Islâmico no país, confrontar ambições do Irã e da Rússia e produzir poder de barganha para outros objetivos estratégicos.

Governos americanos justificam o acionamento de tropas sob as Autorizações para Uso de Força Militar, de 2001 e 2002, legislações aprovadas pelo Congresso após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 para combater a Al-Qaeda. Mas a presença de soldados americanos na Síria também cria oportunidade para um novo conflito: outro documento vazado descreve como o Irã e suas milícias aliadas estão se preparando para retaliar ataques israelenses contra suas forças atacando bases americanas na Síria.

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Os documentos descrevem planos para uma campanha dos oponentes dos EUA que envolveria atiçar resistências na sociedade e dar apoio a um movimento popular contra os americanos no leste e nordeste sírio. Graduados oficiais militares e autoridades de inteligência de Rússia, Irã e Síria encontraram-se em novembro de 2022 e concordaram em estabelecer um “centro de coordenação” para dirigir a campanha, de acordo com um relatório secreto de inteligência elaborado em janeiro.

Não há nenhuma indicação nos documentos de envolvimento direto da Rússia no planejamento da campanha de ataques a bomba. Mas os documentos vazados apontam para um papel mais ativo de Moscou no esforço maior anti-EUA. A Rússia, assim como o Irã, interveio militarmente na guerra civil síria para manter no poder o regime de Assad e agora apoia esforços do governo para retomar o controle de todo o território do país. Nos meses que transcorreram desde que os documentos vazados foram redigidos, a Rússia se envolveu em novas provocações às forças dos EUA, incluindo violações a acordos de desconflito e sobrevoos a bases americanas com rasantes próximos a aeronaves americanas.

Veículos militares em Manbij, na Síria, em imagem de 2017. Guerra contrapõe EUA e forças anti-americanas Foto: Rodi Said

Ainda que expulsar os EUA da Síria seja uma política russa há bastante tempo, a criação de um centro de coordenação conjunta para alcançar esse objetivo é novidade, afirmou Aaron Stein, pesquisador sênior do Foreign Policy Research Institute. Diante da eventualidade de milícias matarem soldados americanos, Irã e Rússia provavelmente acreditam que são capazes de lidar com uma possível escalada, porque os militares americanos provavelmente limitariam sua resposta a ataques contra alvos dentro da Síria, conforme o padrão dos governos Trump e Biden, afirmou Stein.

Mas ele alertou que a invasão russa à Ucrânia e o colapso do acordo nuclear do Irã de 2015 tornaram a situação mais volátil e difícil de prever; e que na dinâmica da política doméstica dos EUA a perceção de que o país está recuando diante da Rússia pode ocasionar dificuldades.

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O novo planejamento ativo refletido nos documentos vazados significa que “há bastante chance das coisas poderem escalar”, afirmou Mohammed Ghanem, diretor de políticas do Conselho Sírio-Americano, entidade que se opõe ao regime de Assad.

Artefatos explosivos

As EFPs são variantes mais sofisticadas de bombas de beira de estrada — comumente conhecidas como artefatos explosivos improvisados, ou IEDs — que definiram a campanha insurgente contra as forças americanas no Iraque após a invasão de 2003. Os artefatos são acionados normalmente por controle remoto e usam uma carga explosiva “moldada” para arremessar um projétil de metal fundido contra um alvo em alta velocidade.

Um dos documentos vazados descreve tentativas de um fabricante de bombas do grupo militante libanês Hezbollah, que é aliado do Irã, de realizar testes com um novo tipo de EFP na Síria, no fim de janeiro. O artefato, com apenas cerca de 12 centímetros de diâmetro, foi avaliado como poderoso e “ocultável”, devido ao seu tamanho diminuto e sua carga de 1,5 quilo de explosivo militar C-4. Em dois testes, o projétil da bomba conseguiu romper 7,6 centímetros de blindagem de um tanque a disparado a cerca de 23 metros, afirmou o documento. Um terceiro teste fracassou, afirmou o documento.

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O relatório afirmou que autoridades da Força Quds, uma unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã, auxiliaram no projeto da bomba e forneceram aconselhamento operacional para seu uso. Um oficial da Força Quds chamado Sadegh Omidzadeh “identificou (especificamente) veículos blindados americanos Humvee e Cougar na Síria” como os alvos pretendidos e falou em acionar operadores não identificados para tirar fotos de reconhecimento das estradas usadas pelas forças americanas, afirmou o documento.

Imagem de 2007 mostra explosivos utilizados por militantes iraquianos, incluindo o "EFP". Explosivo é utilizado por militantes aliados do Irã na Síria Foto: Chris Hondros / via REUTERS

Um outro relatório, que descreve a apreensão de três EFPs por combatentes curdos, afirmou que os artefatos estavam sendo transportados por um “associado” sírio da Força Quds em preparação para um “eventual ataque contra forças americanas” próximo de Rumeilan, no nordeste sírio.

O Pentágono recusou-se a comentar a respeito dos documentos vazados e não respondeu perguntas da reportagem sobre o detalhamento de inteligência relativo a novas ações contra forças americanas na Síria. Mas o movimento de milícias apoiadas pelo Irã para intensificar ataques contra os americanos com bombas de beira de estrada foi confirmado em entrevistas com duas autoridades e uma ex-autoridade com acesso a material de inteligência sensível produzido na região. Alguns analistas independentes afirmaram que o comportamento cada vez mais agressivo do Irã sugere que o governo do país possui — ou acredita possuir — apoio tácito da Rússia para intensificar a pressão. Moscou passou a depender de Teerã enquanto principal fornecedor de drones e outras armas para seu ataque militar contra a Ucrânia.

“Um resultado das relações militares cada vez mais próximas entre Irã e Rússia é menos comedimento na Síria”, afirmou Farzin Nadimi, especialista em Irã e pesquisador sênior do Washington Institute for Near East Policy, um centro de análise de Washington. “Agora que os iranianos podem de fato ter recebido sinal verde de Moscou, eles querem esquentar sua estratégia gradualmente.”

Área de maioria árabe

A nova campanha de resistência deverá encontrar solo fértil em regiões habitadas por maiorias árabes irritadas com a presença de forças americanas e governadas pela autoridade curda autônoma que controla amplas áreas no leste e nordeste sírio, afirmaram especialistas. Competição local por poder e um “ambiente de desordem e animosidades” criam um clima ideal para atiçar descontentamento e organizar grupos militantes, afirmou Aron Lund, pesquisador do instituto de análise Century International.

A Rússia emergiu dos 12 anos de guerra na Síria como principal mediadora de disputas de poder na região por salvar o regime de Assad e agora supervisiona um impasse instável e complicado. Ainda que Moscou compartilhe com a Síria o desejo de expulsar definitivamente as forças americanas e queira reconciliar o regime de Assad com a Turquia e as Forças Democráticas Sírias — o grupo armado curdo que controla o leste autônomo — os russos não compartilham da ambição dos turcos de eliminar à força o controle curdo, que poderia provocar caos e um ressurgimento do Estado Islâmico, afirmou Lund.

Apesar da aliança entre Rússia e Irã ter se fortalecido após o início do conflito na Ucrânia, líderes russos e iranianos têm ideias conflitantes a respeito da administração pós-guerra da Síria, e Moscou têm permitido tacitamente que Israel realize ataques aéreos contra ameaças iranianas percebidas em território sírio. Um documento vazado declara que a relação “transacional” de Moscou com Teerã tem sido fonte de fricção entre os dois governos e que os iranianos reclamaram repetidamente a respeito de terem sido excluídos das negociações lideradas pelos russos com a Turquia sobre a proposta de um acordo permanente sobre o conflito. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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