Irã, Rússia e Venezuela: como sanções têm criado líderes mais poderosos e populações mais pobres

Utilizada desde a 1ª Guerra como arma de persuasão e alternativa a guerras, política falha em seu principal propósito, avaliam pesquisadores da Johns Hopkins em novo livro

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:

Embora seja o país mais sancionado do mundo desde a sua invasão da Ucrânia, a Rússia apresentou em 2023 crescimento de seu PIB, tendência que deve se manter em 2024. O Irã, segundo mais sancionado do mundo, nunca esteve tão perto de obter uma bomba nuclear, segundo relatórios. Já na Venezuela, mais uma vez o processo democrático é suplantado conforme candidatos competitivos são impedidos de concorrer nas eleições deste ano. A Coreia do Norte cada vez mais testa mísseis sofisticados que podem atingir o territórios além-mar.

O que todos esses países têm em comum, contudo, é o enriquecimento e ganho de poder de seus líderes, enquanto a população se vê cada vez mais pobre e oprimida. O cenário é pintado pelo livro “How sanctions work: Iran and the impact of economic warfare” (Como as sanções funcionam: Irã e o impacto da guerra econômica, em tradução livre), lançado em fevereiro deste ano por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins.

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Embora a publicação faça um estudo de caso sobre o Irã, ela também joga luz sobre o impacto das sanções econômicas em outros países. Interpretada pelos autores como uma forma de guerra, as sanções são utilizadas largamente pelos Estados Unidos - principalmente, mas também pela Europa e Nações Unidas - para pressionar países a mudar alguma atitude específica.

“Sanções funcionam de duas formas: em tese elas devem ser tão duras a ponto de forçar uma mudança de comportamento por parte do governo sancionado para que ele recue e sente à mesa de negociação; ou elas exercem uma pressão tão grande sobre a sociedade a ponto dela se rebelar e forçar alguma mudança de comportamento no Estado ou até a queda do regime”, explica Narges Bajoghli, antropóloga e uma das autoras do livro em conjunto com Vali Nasr, Djavad Salehi-Isfahani e Ali Vaez.

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O líder russo Vladimir Putin e o presidente iraniano Ebrahim Raisi durante encontro em Teerã em 2022 Foto: Sergei Savostyanov/Sputnik via Reuters

“Mas o que descobrimos é que nestes casos a repressão é mais forte, porque o Estado sancionado se vê em uma guerra econômica com o Estado sancionador. O que nos leva à grande resposta sobre como as sanções funcionam, é que na verdade elas são outra forma de guerra”, completa.

Segundo relatório de 2021 do Departamento de Tesouro dos EUA, o número de sanções aplicadas pelo país desde 2001 aumentou em mais de 900%. “Após os ataques de 11 de Setembro de 2001, as sanções econômicas e financeiras tornaram-se um instrumento de primeiro recurso para enfrentar uma série de ameaças à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos”, afirma o relatório.

Embora o documento aponte a eficácia das sanções “quando utilizadas de forma eficaz em perturbar, dissuadir e prevenir ações que comprometam a segurança nacional dos EUA”, também observa que há desafios. Entre eles: cibercriminosos, concorrentes econômicos estratégicos e impactos financeiros no mercado global.

De acordo com Bajoghli, as sanções até têm determinados impactos, só não aqueles para os quais elas são elaboradas. “As sanções na verdade aumentam de forma astronômica a riqueza dos que estão no poder e dos que estão alinhados à elite militar e política, ao mesmo tempo que enfraquece e empobrece o restante da sociedade, especialmente a classe média”. E essa riqueza se dá justamente porque uma política indiscriminada de sanções abre margem para a corrupção em comércios paralelos do mercado global.

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Irã e seu programa nuclear

Antes da invasão da Rússia contra a Ucrânia, o Irã era o país mais sancionado do mundo, especialmente após o ex-presidente Donald Trump romper o acordo nuclear de seu antecessor Barack Obama com o regime. O acordo levantava algumas sanções em troca de Teerã restringir o seu enriquecimento de urânio para níveis de uso civil apenas. O país também é o que está sancionado há mais tempo, desde a revolução islâmica de 1979.

A quantidade de sanções e o tempo fizeram do país um excelente estudo de caso para o grupo, explica Bajoghli, para observar os impactos econômicos, políticos e sociais. O regime iraniano é alvo de sanções não só dos EUA, mas da ONU e da Europa, que visam diretamente a sua saúde financeira, seu setor de energia, construção e transporte, bem como comércio de armas. Mais diretamente, são sancionados o Líder Supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, e a Guarda Revolucionária Iraniana.

Em 2015, a assinatura do Joint Comprehensive Plan of Action (Plano de ação abrangente conjunto, em tradução livre), o acordo nuclear com o Irã, foi apontada pelos EUA como exemplo de como as sanções têm poder de fazer inimigos sentarem à mesa. Porém, os próprios EUA romperam o acordo, sob Trump, que logo em seguida impôs um número nunca antes visto de sanções em um único país. As tentativas de retomar o acordo não avançaram com Joe Biden assumindo a presidência.

O líder supremo do Irã aiatolá Ali Khamenei Foto: Escritório do Líder Supremo do Irã via AP

No fim de fevereiro, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) publicou um relatório em que revelou que o Irã tem material suficiente para fabricar diversas bombas atômicas e continua ampliando seu programa nuclear. Além disso, o regime iraniano como um todo não dá sinais de enfraquecimento, mesmo depois dos gigantescos protestos em decorrência a morte de Masha Amini.

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Os líderes do Irã procuram atenuar o impacto das sanções por meio do desenvolvimento do que o líder supremo Ali Khamenei chamou de ‘economia de resistência’”, apontou um relatório do Congresso americano publicado em julho do ano passado.

“As sanções dos EUA podem criar incentivos para o Irã expandir ainda mais os laços econômicos e militares com a China e a Rússia. A China continua sendo uma grande compradora de petróleo iraniano, e a Rússia supostamente procurou ajudar o Irã a evitar as sanções”, conclui.

Um relatório de 2019 da Human Rights Watch (HRW) apontou que as sanções não só haviam piorado a situação econômica da população iraniana, mas também estavam restringindo o acesso à saúde. Embora a política de sanções abra exceções para comércios de bens humanitários, o relatório apontava que o receio das empresas em negociar com um país sancionado as impedia de levar a comércio adiante.

“Deixando os iranianos que têm doenças raras ou complicadas incapazes de obter os medicamentos e o tratamento de que necessitam”, observou Sarah Leah Whitson, então diretora para o Médio Oriente da HRW no documento.

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Rússia e sua guerra na Ucrânia

O Irã só perdeu o posto de nação mais sancionada do mundo a partir de fevereiro de 2022, quando Vladimir Putin promoveu uma invasão em larga escala de sua vizinha Ucrânia. A partir daí, o próprio Putin, bem como seus amigos, parceiros comerciais e oligarcas foram duramente sancionados. A própria Rússia foi banida do sistema financeiro internacional Swift.

Junto com UE, Reino Unido, Austrália, Canadá e Japão, os EUA impuseram mais de 16 mil sanções contra o Estado russo e russos diretamente, contra menos de 3 mil antes da guerra. O número aumentou também após a morte de Alexei Navalni, opositor de Putin.

Entre as sanções estão: proibição para vender tecnologia que possa ser utilizada como arma de guerra, proibição de comércio de ouro e diamantes, fim de voos para a Rússia, banimento das importações de petróleo e gás russo - esta última com fortes custos à Europa.

“Temos crescido, e eles têm caído… Todos eles têm problemas altíssimos, nem sequer comparáveis aos nossos problemas”, afirmou Vladimir Putin em um evento dias antes do segundo aniversário da guerra, citando os países ocidentais. De fato, apesar de todos os esforços, a Rússia tem sido capaz de driblar as sanções.

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Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia russa cresceu 3,6% em 2023 e é projetada para crescer mais 2,6% em 2024, crescimento puxado pelo aumento com os gastos em defesa e salto no preço do petróleo - apesar do teto imposto pelo Ocidente. Moscou simplesmente mudou seu foco, saindo de um economia voltada ao Ocidente e virando os olhos para as duas maiores populações do mundo: China e Índia.

O comércio entre China e Rússia aumentou quase 30% no ano passado, com as exportações chinesas para a Rússia ultrapassando os 50% de aumento. Um reflexo da “aliança sem limites” entre os dois países. Já o comércio com a Índia duplicou. Mais de 50% das exportações de petróleo russo foram para a China e outros 40% para a Índia. Para somar, a “máquina de guerra” que Biden prometeu esmagar com as sanções tem sido muito bem alimentada por outros dois sancionados: Irã e Coreia do Norte.

Os líderes Vladimir Putin, da Rússia, e Xi Jinping, da China Foto: Sergei Guneev/Sputnik via Reuters

“Os países aprenderam que, uma vez sancionados pelos EUA, a probabilidade de permanecerem sancionados por um longo período de tempo é bastante alta”, observa Bajoghli. “Assim, países como o Irã, a Rússia e outros que estão sendo sancionados dizem a si mesmos: ‘se é tão difícil nos livrarmos deles, precisamos descobrir maneiras de continuar o comércio por meio de nossos países e tornar nossos países imunes às sanções americanas’”.

Enquanto isso, Vladimir Putin caminha para se tornar o líder mais longevo da Rússia desde Catarina, a Grande, depois de obter 87% dos votos nas eleições não-livres do mês passado. O russo recuou em partes da Ucrânia apenas por pressão das forças ucranianas, nunca pelas sanções. Agora, Moscou tem obtido ganhos no front e tudo indica que deve levar no futuro os territórios já ocupados do leste.

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Venezuela e violações democráticas

O caso venezuelano é uma placa de petri para estudar o efeito rebote da política de sanções. Caracas é alvo da medida desde 2005, levando ao colapso da indústria petrolífera do país, motor da economia que hoje se encontra em frangalhos. O resultado é um êxodo recorde de venezuelanos arriscando a vida nos últimos dois anos para atravessar a perigosa selva de Darién e chegar à fronteira americana.

Só em 2023, mais de 328 mil venezuelanos caminharam à pé rumo aos EUA, fazendo da migração o grande tema dessas eleições que vai de novo opor Biden e Trump. O êxodo venezuelano já é o maior do mundo de um país que não está em guerra, pressionando também seus países vizinhos, como Colômbia, Chile, Equador, Peru e Brasil.

“Essas sanções e outras pressões internacionais não conseguiram destituir Maduro e exacerbaram uma crise econômica e humanitária contínua causada pela má administração e corrupção do governo, que levou 7,7 milhões de venezuelanos a fugir”, apontou um relatório do Congresso americano publicano em fevereiro deste ano.

Em meio à guerra da Rússia na Ucrânia, em que a escassez e encarecimento do petróleo voltou a ser uma preocupação, o governo americano levantou algumas sanções, com a promessa por parte do governo de Nicolás Maduro de conduzir eleições livres este ano. A promessa, no entanto, já falhou, com a principal líder opositora, María Corina Machado, inabilitada de concorrer e sua substituta, Corina Yoris, sem conseguir registrar a candidatura.

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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro Foto: Zurimar Campos/Presidência da Venezuela/AFP

“À medida que a população venezuelana fica cada vez mais pobre e ocorre uma enorme crise migratória, Nicolás Maduro e seu establishment político-militar ficam mais ricos”, aponta a antropóloga. “E no caso da Venezuela, Irã e Rússia, se construiu todo um sistema e uma cultura política de resistência ao que eles chamam de ‘bullying imperialista’”.

“Quando seu país se torna sancionável, isso significa que muitas empresas não querem mais negociar com você e, portanto, você precisa entrar em um mercado paralelo e precisa pagar muito mais pelas mercadorias que entram e saem. Há muita corrupção acontecendo aí. Há muito dinheiro fluindo para lá e para cá, e esse dinheiro vai para as mãos dos líderes políticos-militares”, finaliza.

Coreia do Norte e seu programa armamentista

Um dos países mais isolados do mundo, a Coreia do Norte é alvo de sanções por parte dos EUA, UE, Japão, Coreia do Sul e, principalmente, ONU desde praticamente a sua fundação, mas que foram intensificadas a partir de 2006 em resposta a testes nucleares do regime. Apesar do esforços, os testes nunca pararam e evoluíram para mísseis balísticos intercontinentais.

Por muito tempo, as sanções ao regime de Kim Jong-un não encontraram oposição na ONU, sendo inclusive de interesse da China. Mas com a intenção ocidental de isolar também a Rússia, uma nova parceria surgiu no horizonte. Moscou e Pyongyang parecem agora colaborar militarmente, com a Coreia do Norte fornecendo mísseis à Rússia em sua guerra na Ucrânia, recebendo em contrapartida tecnologia para avançar em seu programa nuclear.

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O líder norte-coreano Kim Jong Un inspecionando o primeiro teste de fogo do Hwasongpho-16B nos subúrbios de Pyongyang, na Coreia do Norte, em 2 de abril Foto: KCNA/AFP

No desenvolvimento mais recente, Moscou usou seu poder de veto no Conselho de Segurança para acabar com um painel de especialistas da ONU que tem monitorado os esforços da Coreia do Norte para escapar das sanções sobre o seu programa nuclear nos últimos 15 anos.

Quem sente o impacto é a população norte-coreana, cada vez mais distante do mundo externo e que encara uma economia colapsada. “As organizações humanitárias, incluindo as agências da ONU, enfrentam muitas barreiras na distribuição de ajuda, pois as sanções dissuadiram os bancos de gerenciar quaisquer transações envolvendo a Coreia do Norte”, apontou um relatório da Nodutdol for Korean Community, organização de coreanos que vivem nos EUA e viajaram em 2021 para a Coreia do Norte para investigar o impacto das sanções na população civil.

“Alguns dos maiores desafios humanitários enfrentados pelo país incluem insegurança alimentar crônica; falta de acesso a serviços básicos de saúde; condições precárias de água, saneamento e higiene; e alta vulnerabilidade a desastres naturais”, completa o documento que foi divulgado pelo Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos.