Isolado no centro, Starmer tenta combater o populismo no Reino Unido

Líderes centristas de mentalidade parecida na França e na Alemanha recuam, enquanto nos Estados Unidos Donald Trump e sua mensagem populista arrasaram o Partido Democrata

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Por Mark Landler (The New York Times) e Stephen Castle (The New York Times)

Cinco meses após seu Partido Trabalhista vencer a eleição retumbantemente, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, virou uma figura solitária: líderes centristas de mentalidade parecida na França e na Alemanha recuam, enquanto nos Estados Unidos Donald Trump e sua mensagem populista arrasaram o Partido Democrata.

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Na última quinta-feira, 5, Starmer avisou que seguiria com o plano de reconstruir o Reino Unido, que lhe garantiu a eleição, apesar de ter colocado mais ênfase em preocupações cotidianas prometendo incrementar os rendimentos dos eleitores, construir 1,5 milhão de novas habitações e pôr mais policiais nas ruas.

Os seis objetivos de Starmer — anunciados em um discurso que representou mais um esforço de redefinir seu atribulado governo — se resumiram a uma aposta teimosa: de que ele é capaz de resistir à onda populista que acomete as democracias ocidentais solucionando questões importantes para os eleitores.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, dirige-se aos apoiadores após seu discurso sobre "plano de mudança" em Buckinghamshire, Inglaterra. Foto: Darren Staples/AP

“Todos podem perceber uma crescente impaciência com a política tradicional”, disse Starmer. Mas ele acrescentou que “O populismo não é a resposta para os desafios do Reino Unido. Respostas fáceis não fortalecerão nosso país”.

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Para Starmer, um metódico advogado que entrou na política, o discurso foi uma admissão clara de que seu governo continua em dificuldades — com uma série de equívocos e escândalos menores que desgastam sua popularidade e dão abertura a críticos populistas, como Nigel Farage, um aliado próximo de Trump.

Os seis “marcos” de Starmer são uma tentativa de retomar a iniciativa melhorando as vidas dos britânicos: além das promessas sobre rendimentos, habitação e policiamento, ele prometeu cortar o tempo de espera dos pacientes no Sistema Nacional de Saúde, melhorar a educação infantil e colocar o Reino Unido no caminho de uma economia de energia limpa, mesmo com ambições abrandadas.

Se isso será suficiente para deter a queda da popularidade do governo é uma dúvida em aberto, especialmente com o público tão irritadiço. Até Starmer pareceu cético, notando que “o caminho da mudança é longo, é difícil, e há poucas recompensas no curto prazo”.

Ele evitou uma promessa anterior de tornar o Reino Unido a economia de crescimento mais veloz no G-7 — um objetivo abstrato, afirmam os críticos, que não ressoa entre os eleitores. De uma maneira mais controvertida, ele omitiu a promessa de diminuir a imigração — um lema de união da direita populista — argumentando que controlar as fronteiras é, implicitamente, uma função central de qualquer governo.

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Analistas afirmaram que Starmer expressou uma lição que aprendeu com a derrota da vice-presidente Kamala Harris no mês passado nos EUA: apenas produzir crescimento econômico não satisfaz eleitores descontentes.

“Se os eleitores não experimentam o benefício disso quando se sentam à mesa para comer e aumentando sua poupança no fim do mês não há benefício político”, afirmou Claire Ainsley, ex-diretora de políticas de Starmer que atualmente trabalha sobre o Reino Unido no Progressive Policy Institute, um centro de pesquisa em Washington.

O ex-legislador trabalhista Jonathan Ashworth, aliado de Starmer, afirmou que o primeiro-ministro não tinha outra alternativa a não ser reformular sua mensagem, dada a realidade implacável do atual ambiente político.

“Governos incumbentes estão sendo perseguidos, derrubados”, afirmou ele. “Em todo o mundo a confiança na política é baixa, a confiança na capacidade de realização do sistema político é baixa, e por isso os eleitorados estão mais voláteis que nunca.”

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Starmer durante seu discurso sobre "plano para mudança" na quinta-feira, 5. Foto: Darren Staples/AP

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Apesar de o governo trabalhista haver assegurado uma confortável maioria parlamentar e não ter de encarar os eleitores até 2029, conselheiros de Starmer já estão profundamente focados em como os trabalhistas podem evitar o destino dos democratas: tornar-se um governo de um só mandato.

Esse tom político mais vigoroso reflete a influência do chefe de gabinete de Starmer, Morgan McSweeney, que arquitetou a vitória trabalhista na eleição-geral e ganhou uma luta feroz por poder em Downing Street, durante a qual sua antecessora, Sue Gray, foi demitida.

McSweeney, que cresceu na Irlanda, ganhou experiência combatendo internamente a esquerda do Partido Trabalhista, assim como a extrema direita em eleições municipais. Correligionários trabalhistas afirmam que o discurso da quinta-feira, pronunciado por Starmer no estúdio de cinema Pinewood, próximo a Londres, refletiu a preocupação de McSweeney com a política eleitoral.

Ainda assim, McSweeney está diante de uma difícil jornada com seu chefe. Starmer, que nunca foi o mais inspirador dos oradores, tem tido dificuldades em definir uma narrativa incisiva em torno de sua forma pragmática de fazer política.

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“As pessoas gostam de histórias”, afirmou Ashworth, que hoje dirige o instituto de análise Labour Together, de esquerda. “As pessoas querem que você pinte um quadro contando o que está acontecendo e aonde estamos indo. E querem acreditar em algo.”

Críticos citam a mudança do governo na tributação de heranças para propriedades agrícolas como um exemplo de má comunicação. A mudança de regras levou fazendeiros furiosos às ruas de Londres. Mas alguns disseram que o governo deveria ter enfatizado que a reforma era destinada às pessoas ricas, que, segundo pesquisas, têm usado propriedades rurais nos anos recentes para proteger seus ativos de impostos sobre heranças.

O problema de Starmer representa uma reviravolta em relação a quatro meses atrás, quando McSweeney, Ashworth e outros conselheiros trabalhistas viajaram para a Convenção Nacional do Partido Democrata, em Chicago, para conversar com a campanha de Kamala sobre a fórmula que usaram para alcançar sua vitória arrasadora no mês anterior.

Agora, Starmer está isolado nos dois lados do Atlântico. Além da vitória de Trump, o presidente francês, Emmanuel Macron, enfrenta em dificuldades com a saída de seu primeiro-ministro de centro-direita, Michel Barnier. Na Alemanha, o governo liderado por social-democratas parece destinado a perder para dos democratas cristãos, de centro-direita, na eleição de fevereiro.

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O declínio acentuado de Starmer nas pesquisas, afirmam analistas, reflete a mesma volatilidade existente entre os eleitores desses países. E há outros sinais de alerta: em várias circunscrições dominadas por trabalhistas, o partido anti-imigração de Farage, Reform UK, figura hoje em segundo lugar nas pesquisas de popularidade.

“Houve uma série de percalços no caminho”, afirmou Ainsley, “e é evidente que o governo está querendo estabelecer uma agenda muito mais tangível para os eleitores”.

Mas alguns analistas afirmaram que Starmer precisa ir mais longe, chegando a adotar parte da terminologia polarizadora de Farage. Seu estilo cuidadosamente moderado contém um anacronismo, afirmam eles, que se encaixava melhor no mundo anterior ao Brexit, ao trumpismo e até à crise financeira de 2008.

“Pessoas de centro-esquerda gostam de pensar que são bondosas”, afirmou Steven Fielding, professor-emérito de história da política na Universidade de Nottingham. “Quando vocês vão por baixo, nós vamos por cima”, afirmou ele, citando uma frase tornada famosa por Michelle Obama ao descrever Trump e outros republicanos. “Bem, às vezes a gente precisa jogar baixo.”/ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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