Uma equipe de especialistas da ONU responsável por recolher informações sobre a violência sexual no ataque do grupo terrorista Hamas contra Israel em 7 de outubro encontrou “motivos razoáveis para acreditar” que algumas vítimas foram sexualmente agredidas, incluindo estupro e estupro coletivo, segundo o relatório divulgado na segunda-feira, 4.
“Na maioria desses incidentes, as vítimas primeiramente foram estupradas e depois mortas”, descreveu o comunicado sobre o relatório. “A equipe em missão também encontrou um padrão de vítimas, a maioria mulheres, encontradas totalmente ou parcialmente nuas, e com tiros em vários locais do corpo.”
O relatório de 23 páginas disse que a equipe encontrou “informações claras e convincentes” de que algumas das mulheres e crianças levadas de volta para Gaza naquele dia pelo grupo terrorista Hamas como reféns foram submetidas a “estupro, tortura sexualizada e a um tratamento cruel, desumano e degradante”. Há “motivos razoáveis para acreditar”, disse o documento, “que essa violência pode estar em curso”.
O grupo terrorista Hamas negou que suas tropas abusaram sexualmente de qualquer um dos mais de 1,2 mil israelenses mortos ou dos 253 sequestrados naquele dia. A questão tem sido uma das mais voláteis entre a guerra entre Israel e grupo terrorista Hamas, provocando extensos relatos na imprensa, indignação e suspeita, mas poucas informações conclusivas.
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Cinco mil fotografias revisadas
Pramila Patten, representante especial da ONU para a violência sexual em conflitos, liderou a equipe do relatório composta por peritos técnicos – incluindo um patologista forense e especialistas no tratamento ético de sobreviventes de violência sexual. A equipe entrevistou sobreviventes e testemunhas dos ataques de 7 de outubro — embora o relatório observe que não falaram diretamente com nenhum dos sobreviventes da suposta violência sexual nesse dia.
O número de sobreviventes é desconhecido, mas há relato de um “pequeno número” deles passando por tratamento e sofrendo graves sofrimentos mentais e traumas, diz o relatório. “Apesar dos esforços orquestrados para os encorajar a apresentarem-se, a equipe da missão não conseguiu entrevistar nenhum destes sobreviventes/vítimas”, de acordo com o comunicado de imprensa.
A equipe também revisou cerca de 5 mil fotografias e cerca de 50 horas de gravações dos ataques, e visitou uma mesquita, uma base militar e os locais de vários ataques.
O mandato da missão era recolher, analisar e verificar informações de incidentes no conflito relacionados à violência sexual no contexto dos ataques, embora os autores do relatório alertem para não interpretar o documento como “uma investigação”.
A equipe adotou o padrão de prova de “motivos razoáveis para acreditar”, com base na “sua própria avaliação da credibilidade e confiabilidade das testemunhas que encontrou” e na verificação das fontes e metodologias dos relatórios produzidos por terceiros, cruzando informações e avaliando se “havia informação credível e fiável suficiente… para chegar a uma conclusão de fato”, afirma o relatório
Entre os desafios que o time encontrou, segundo o relatório, estavam a “magnitude da situação” com muitas vítimas espalhadas por uma enorme área e múltiplos perpetradores; o elevado número de corpos queimados; a perda de “evidencias potencialmente valiosas devido às intervenções” dos primeiros respondentes e de soldados sem treinamento para coletar provas forenses, seguidos de “erro de interpretação” do que eles encontraram; e sensibilidades religiosas que levaram a vestir, cobrir, reposicionar ou enterrar rapidamente os corpos.
O documento também citou a “falta de acesso a testemunhos em primeira mão” das vítimas sobreviventes. Em vez disso, afirma o relatório, os membros da equipe encontraram “um pequeno número” de sobreviventes e testemunhas do 7 de outubro “que forneceram informações sobre casos de violência sexual”, incluindo alguns cujas recordações diferiam de relatos anteriores. O relatório observou que “a confiança em... organizações internacionais, como a ONU, está no nível mais baixo de todos os tempos entre muitos sobreviventes e/ou testemunhas... tornando-os relutantes em se manifestar”.
O relatório concluiu que havia “motivos razoáveis” para acreditar que houve violência sexual, incluindo estupro e estupro coletivo, em pelo menos três locais, incluindo o local do festival de música Nova, Road 232 e Kibbutz Reim. “Também foram recolhidas informações circunstanciais credíveis, que podem ser indicativas de algumas formas de violência sexual, incluindo mutilação genital, tortura sexualizada ou tratamento cruel, desumano e degradante”, afirmou.
O documento determinou que pelo menos dois supostos casos de violência sexual relatados nos meios de comunicação social eram infundados, incluindo o “caso graficamente divulgado de uma mulher grávida cujo útero teria sido rasgado”.
“A equipe da missão não conseguiu estabelecer a prevalência da violência sexual e conclui que a magnitude global, o âmbito e a atribuição específica destas violações exigiriam uma investigação completa”, afirma o relatório.
UNRWA crítica campanha de Israel
A divulgação do relatório, que também abordou alegações de “violência sexual relacionada com o conflito por parte das forças de segurança israelenses e dos colonos” contra palestinos na Cisjordânia, ocorreu em um dia de acusações e contra-acusações.
Em um discurso inflamado direcionado a Assembleia Geral da ONU, Philippe Lazzarini, o diretor da UNRWA — a agência da ONU para palestinos refugiados que tem trabalhado em Gaza e na Cisjordânia nos últimos 75 anos — acusou Israel de uma “campanha deliberada e orquestrada para minar as operações (da UNRWA) e acabar com elas” com desinformação, ataques direcionados a suas infraestruturas e restrições em suas mobilizações.
“Os repetidos apelos do governo israelense para eliminar a agência não são sobre neutralidade”, disse. “A campanha contra a UNRWA é destinada a mudar os interesses de longa data do poder político para a paz no território palestino ocupado, definidos pela Assembleia Geral (da ONU) e pelo Conselho de Segurança, sem consultar nenhum dos órgãos.” Se houver sucesso, ele disse, “toda a resposta humanitária em Gaza irá sucumbir”.
Lazzarini disse, em comentários que foram recebidos com aplausos generalizados na enorme sala de assembleia, que a habilidade da UNRWA de cumprir seu mandato estabelecido pela ONU já está “seriamente ameaçada” com a desistência de doação de fundos por 16 países, entre eles Estados Unidos e Alemanha.
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Os cortes de doações vieram depois que Israel disse que tinha evidências de que 12 funcionários da UNRWA, dos 13 mil que compõe a organização em Gaza, estavam envolvidos no ataque de 7 de outubro. Depois que as autoridades israelenses informaram verbalmente Lazzarini sobre as acusações no dia 18 de janeiro, ele demitiu os acusados por conta da “gravidade da situação”, ele disse, “mas nenhuma informação adicional foi dada a mim”. Acredita-se que dois dos acusados foram mortos.
As acusações e as operações globais da UNRWA estão sendo investigadas por um órgão interno da ONU e por um painel independente liderado por Catherine Colonna, antiga ministra dos Negócios Estrangeiros francesa.
Desde então, Israel divulgou um vídeo de 7 de outubro mostrando um homem identificado como um trabalhador social da UNRWA ajudando a colocar o corpo de um israelense assassinado dentro de um carro, aparentemente para ser levado para Gaza.
Embora mais de 100 reféns tenham sido libertados durante uma pausa negociada de uma semana nos combates em novembro, e existam negociações em curso para libertar os restantes, acredita-se que um número desconhecido de pessoas em cativeiro do grupo terrorista Hamas esteja morto.
‘Silêncio ensurdecedor’
Na segunda-feira, Israel divulgou o que disse ser uma gravação desclassificada de uma ligação telefônica interceptada por um professor da UNRWA “se gabando” dos ataques de 7 de outubro. O governo também divulgou mais três nomes de “terroristas empregados pela UNRWA” e disse que mais de 450 funcionários da agência são “operativos militares em grupos terroristas em Gaza”. As acusações não puderam ser imediatamente verificadas de forma independente.
Em uma sessão anterior da Assembleia Geral na segunda-feira, convocada para discutir o mais recente dos três vetos dos Estados Unidos nas resoluções do Conselho de Segurança demandando um cessar-fogo em Gaza, Robert Wood, o representante alternativo dos EUA, disse que tal medida “não alcançaria o objetivo de uma paz sustentável e pode, na verdade, ser contrário a ele.”
Em vez disso, instou os membros a apoiarem um projeto de resolução dos EUA que apoiasse as negociações para um cessar-fogo temporário que permitiria aumentar a ajuda humanitária a Gaza e a libertação de reféns.
No mesmo encontro, realizado antes da divulgação do relatório sobre violência sexual, o embaixador de Israel Gilad Erdan chamou a atenção para os repetidos fracassos do conselho em condenar explicitamente os ataques do grupo terrorista Hamas, apesar de ter criticado extensamente as ações militares de Israel em Gaza.
“A ONU diz se importar com mulheres”, ele disse. “Entretanto, enquanto falamos nesse momento, mulheres israelenses estão sendo estupradas e abusadas por terroristas do Hamas... Silêncio ensurdecedor. Claro, nós já ouvimos palavras vazias de oficiais da ONU pedindo pela libertação de reféns. Mas nós vimos algum deles tomar atitude? Nada.”
O relatório da ONU não atribuiu culpa específica ao grupo terrorista Hamas, à Jihad Islâmica ou o que disse ser “outras organizações paramilitares palestinas... (e) elementos armados ou não armados” entrando em Israel por Gaza nas três “ondas cumulativas” em 7 de outubro e não “colheu informações e/ou desenhou conclusões” de responsabilidade.
“Tal atribuição”, disse o documento, “iria requerer um processo investigativo completo”, que apelou em suas recomendações.
Mas o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores de Israel, Lior Haiat, disse na segunda-feira que “saúda o reconhecimento explícito” de um órgão da ONU sobre “o cometimento de crimes sexuais pelo Hamas”.
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