Opinião | Israel está perdendo seu bem mais precioso: a aceitação

Israel está colocando em perigo décadas de diplomacia que resultaram no reconhecimento mundial do direito à autodeterminação do povo judeu e à autodefesa do seu território histórico

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Por Thomas Friedman (The New York Times)

THE NEW YORK TIMES - Passei os dias mais recentes viajando entre Nova Délhi, Dubai e Omã, e tenho um recado urgente para o presidente Joe Biden e os israelenses: estou vendo a rápida erosão da posição de Israel entre países aliados, um nível de aceitação e legitimidade que foi construído a muito custo ao longo de décadas. E, se Biden não for cuidadoso, o prestígio global dos Estados Unidos vai despencar junto com o de Israel.

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Acho que os israelenses e o governo Biden não se dão conta da dimensão da fúria que está fervendo no mundo, abastecida por imagens nas redes sociais e na TV, por causa das mortes de tantos milhares de civis palestinos, em especial crianças, vítimas de armas fornecidas pelos EUA, na guerra de Israel em Gaza. O Hamas tem muito a responder por ter desencadeado essa tragédia humana, mas Israel e EUA são vistos como os responsáveis pelos acontecimentos agora, e recebem a maior parte da culpa.

O fato de tamanha fúria ser visível no mundo árabe é óbvio, mas ouvi comentários desse tipo repetidas vezes durante conversas na Índia na semana passada, de amigos, lideranças empresariais, de uma autoridade e de jornalistas, tanto mais jovens quanto mais velhos. Isso é ainda mais revelador porque o governo de maioria hindu do primeiro-ministro Narendra Modi é a única grande potência do sul global que apoiou Israel e consistentemente culpou o Hamas por provocar a retaliação maciça israelense e as mortes de aproximadamente 30 mil pessoas, em sua maioria civis, de acordo com estimativa de autoridades de saúde de Gaza.

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv em 18 de outubro de 2023 Foto: Miriam Alster/EFE

Um número tão grande de mortes de civis em uma guerra relativamente curta seria problemático em qualquer contexto. Mas quando tantos civis morrem em uma invasão vingativa lançada por um governo israelense sem nenhum horizonte político para o dia seguinte, e então, quando o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, finalmente oferece um plano para o dia seguinte que essencialmente diz ao mundo que Israel pretende agora ocupar indefinidamente tanto a Cisjordânia quanto Gaza, não surpreende que os amigos de Israel comecem a se afastar e a equipe de Biden comece a parecer perdida.

Como me disse Shekhar Gupta, editor veterano do jornal indiano ThePrint: “Há muito amor e admiração por Israel na Índia. Mas uma guerra sem fim vai desgastar esse sentimento. Passado o choque inicial, a guerra de Netanyahu está prejudicando o principal bem de Israel: a ampla crença na ideia de que seu Exército é invencível, seu serviço de espionagem é infalível e sua missão é justa”.

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Cada dia traz novos apelos pela expulsão de Israel de eventos ou competições internacionais acadêmicas, artísticas e atléticas. É verdade que muitos desses gestos são hipócritas, por censurar especificamente Israel e, ao mesmo tempo, ignorar os excessos de Irã, Rússia, Síria e China, para não falar no Hamas. Mas este governo israelense está agindo de forma a tornar essa censura fácil demais. Muitos dos amigos de Israel estão agora rezando por um cessar-fogo para não terem que responder aos cidadãos e eleitores (particularmente os mais jovens) quando forem indagados a respeito de sua indiferença diante de tantas mortes de civis em Gaza.

Em particular, muitas lideranças árabes que, em privado, desejam a destruição do Hamas, reconhecendo o quanto o grupo represente uma força destrutiva e distorcida, são pressionados pelas ruas e pelas elites a se distanciarem publicamente de um Israel que não se dispõe a levar em consideração qualquer horizonte político para a independência palestina em qualquer uma de suas fronteiras.

Ou, como Netanyahu expôs no plano para o período posterior à guerra apresentado na sexta feira: Israel manterá o controle da segurança em Gaza, o território será desmilitarizado, a fronteira sul com o Egito será fechada muito mais rigorosamente com o apoio do Cairo, a agência das Nações Unidas que oferece saúde e ensino básicos para os refugiados palestinos será desmontada, e o ensino e o governo passarão por uma reforma completa. A administração civil e o policiamento cotidiano terão como base “elementos locais com experiência administrativa e gerencial”. Não se explica quem pagará o custo disso e nem como os palestinos serão arregimentados para perpetuar o controle israelense.

Entendo de verdade o dilema estratégico enfrentado por Israel no dia 7 de outubro: um ataque surpresa do Hamas pensado especificamente para enlouquecer Israel ao assassinar pais na frente dos filhos, filhos na frente dos pais, abusar sexualmente e mutilar mulheres e sequestrar bebês e avós. Foi pura barbaridade.

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Tive a impressão de que, no mínimo, o mundo estaria pronto para aceitar que haveria um número significativo de baixas civis se Israel pretendesse alcançar o Hamas e recuperar os reféns tomados, porque o Hamas se organizou em túneis situados sob lares, hospitais, mesquitas e escolas, sem fazer nenhum tipo de preparativo para proteger os civis de Gaza da retaliação israelense que seu ataque certamente provocaria.

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Mas, agora, temos uma combinação tóxica de milhares de baixas civis e um plano de paz de Netanyahu que promete apenas uma ocupação sem fim, independentemente de a Autoridade Palestina na Cisjordânia ser capaz de se transformar em uma entidade governante legítima, efetiva e de base ampla, capaz de controlar a Cisjordânia e Gaza e, um dia, ser uma parceira na paz.

Com isso, toda a operação israelense em Gaza começa cada vez mais a parecer aos olhos do público como um moedor de carne cujo único propósito é reduzir a população para facilitar o controle de Israel sobre ela.

Netanyahu se recusa até mesmo em pensar em fomentar alguma relação com os palestinos que não são do Hamas, porque se o fizesse, colocaria em risco o cargo de primeiro-ministro, que depende do apoio de partidos de extrema direita que defendem a supremacia judaica e jamais cederão um centímetro da Cisjordânia. É difícil acreditar, mas Netanyahu está pronto para sacrificar a legitimidade internacional de Israel, duramente conquistada, em troca de suas necessidades políticas pessoais. Ele não hesitará em derrubar Biden consigo.

Mas a questão mais ampla é que uma oportunidade única de reduzir permanentemente o Hamas, não apenas como exército mas como movimento político, está sendo desperdiçada porque Netanyahu se recusa a incentivar qualquer perspectiva de uma solução de dois Estados, ainda que longínqua.

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Ainda profundamente traumatizados pelo 7 de outubro, os israelenses, me parece, estão deixando de perceber que o esforço, mesmo lento, para a construção de um Estado palestino liderado por uma Autoridade Palestina reformada e condicionado à desmilitarização, alcançando determinados marcos de governança, não seria um presente aos palestinos nem uma recompensa para o Hamas.

Pessoas protestam pedindo um cessar-fogo durante o conflito em curso entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, em Newark, Nova Jersey, EUA Foto: Eduardo Munoz/Reuters

Em vez disso, essa é a saída mais egoísta que os israelenses poderiam pensar para si agora, porque no momento Israel está perdendo em três frentes ao mesmo tempo.

Está perdendo a narrativa global segundo a qual estaria combatendo uma guerra justa. O país não tem planos para sair de Gaza, e assim acabará atolado nessas areias com uma ocupação permanente que sem dúvida complicará suas relações com todos os aliados árabes e seus amigos pelo mundo. E está perdendo regionalmente para o Irã e seus representantes anti-Israel no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen, que estão pressionando as fronteiras ao norte, sul e leste de Israel.

Há uma solução que ajudaria nessas três frentes: um governo israelense preparado para começar o processo de erguer dos Estados-nação para dois povos, com uma Autoridade Palestina realmente disposta e pronta a se transformar. Isso muda a narrativa. Dá aos aliados árabes de Israel uma abertura para firmar uma parceria na reconstrução de Gaza, e proporciona o elo para a aliança regional de que Israel precisa para confrontar o Irã e seus representantes.

Ao não perceber esse rumo, acredito que Israel está colocando em perigo décadas de diplomacia que resultaram no reconhecimento mundial do direito à autodeterminação do povo judeu e à autodefesa do seu território histórico. Isso também alivia o fardo dos palestinos e os priva da oportunidade de reconhecer dois Estados-nações para dois povos, e da construção das instituições e concessões necessárias para tornar isto realidade. E, digo mais uma vez, isso vai colocar o governo Biden em uma posição cada vez mais insustentável.

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Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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