Israel ‘mente’ e age de ‘maneira insólita e ofensiva’ a Lula, diz ministro das Relações Exteriores

Mauro Vieira reage a cobranças de retratação do chanceler Israel Katz, acusa governo Netanyahu de atacar o petista com cálculo para tirar proveito em política doméstica e romper isolamento por pressão externa contra campanha militar em Gaza

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

RIO - O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reagiu nesta terça-feira, dia 20, à cobrança reiterada do governo isralense para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva peça desculpas por ter comparado a ação militar conduzida pelo país contra terroristas do Hamas na Faixa de Gaza ao Holocausto de judeus pela Alemanha nazista. Orientado por conselheiros políticos e diplomáticos, Lula recusa-se a pedir desculpas ou fazer qualquer mea culpa sobre suas declarações.

O chanceler de Lula disse que seu homólogo israelense, Israel Katz, demonstrou comportamento duplo, agiu de forma “insólita” e “ofensiva” contra um chefe de Estado e classificou a ação do governo Binyamin Netanyahu como “antidiplomacia”. Para Mauro Vieria, o primeiro-ministro instrumentalizou a declaração de Lula como forma de angariar apoio e sair de uma situação de “isolamento” internacional. Israel sofre pressão para não realizar uma incursão militar em Rafah, ao Sul de Gaza, onde estão cerca de 1,5 milhão de refugiados.

Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, saiu em defesa do presidente Lula após novas cobranças de Israel Foto: PEDRO KIRILOS

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“Manifestações do titular da chancelaria do governo Netanyahu, de ontem e de hoje, são inaceitáveis na forma, e mentirosas no conteúdo”, protestou Vieira. “Uma chancelaria dirigir-se dessa forma a um chefe de Estado, de um país amigo, o presidente Lula, é algo insólito e revoltante. Uma chancelaria recorrer sistematicamente à distorção de declarações e a mentiras é ofensivo e grave. É uma vergonhosa página da história da diplomacia de Israel, com recurso a linguagem chula e irresponsável.”

A fala de Lula, durante a entrevista final da viagem à Etiópia no domingo passado, foi amplamente criticada e abriu uma crise diplomática que se agrava a cada dia. O presidente respondia a um pergunta sobre a promessa de ampliar o financiamento à Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos (UNRWA), que teve o orçamento bloqueado após ter sido acusada por Israel de colaborar com os terroristas do Hamas.

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“O que está acontecendo em Gaza não aconteceu em nenhum outro momento histórico, só quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula. O presidente brasileiro também criticou Israel ao afirmar que Tel-Aviv não obedece a nenhuma decisão da ONU e afirmou que defende a criação de um Estado palestino. Para Lula, o conflito “não é uma guerra entre soldados e soldados, é uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças”, afirmou. “Não é uma guerra, é um genocídio”, resumiu o petista.

O ministro Mauro Vieira foi escalado oficialmente pelo Palácio do Planalto para conduzir tratativas e falar em nome do País sobre a crise diplomática com Israel. A péssima repercussão para Lula levou o governo a tentar reagir. Apesar disso, nenhuma autoridade do governo admite erro de Lula. O ministro falou a jornalistas na Marina da Glória, no Rio, onde coordena os preparativos da primeira reunião de chanceleres do G-20, a partir desta quarta-feira, dia 21.

“O Brasil reagirá com diplomacia, mas com toda a firmeza, a qualquer ataque que receber, agora e sempre”, prometeu o chanceler brasileiro. “Estou seguro de que a atitude do governo Netanyahu e sua antidiplomacia não refletem o sentimento da sua população. O povo israelense não merece essa desonestidade, que não está à altura da história de luta e de coragem do povo judeu. Em mais de 50 anos de carreira, nunca vi algo assim. Nossa amizade com o povo israelense remonta à formação daquele Estado, e sobreviverá aos ataques do titular da chancelaria de Netanyahu.”

Mauro Vieira afirmou que a resposta de Netanyahu a Lula tem objetivos políticos internos e externos e serve para desviar o foco da campanha militar na Faixa de Gaza. O premiê israelense sofre forte pressão externa, inclusive de países aliados, por causa do número de vítimas civis. Seriam 29 mil mortes, segundo dados não checados de forma independente, mas divulgados pelo Ministério da Saúde em Gaza, um braço do Hamas, e pelas Nações Unidas.

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Netanyahu recebe também cobranças internas por falhas de defesa e inteligência para prevenir o ataque terrorista do Hamas, em 7 de outubro. O grupo terrorista palestino matou mais de 1200 pessoas e sequestrou cerca de 240 reféns, entre eles brasileiros. As famílias de vítimas exercem intensa pressão para que os remanescentes sejam libertados e para que o premiê ceda a um acordo de cessar-fogo que os liberte. Ele rejeita.

“Além de tentar semear divisões, busca aumentar sua visibilidade no Brasil para lançar uma cortina de fumaça que encubra o real problema do massacre em curso em Gaza, onde 30 mil civis palestinos já morreram, em sua maioria mulheres e crianças, e a população submetida a deslocamento forçado e a punição coletiva. Isso tem levado ao crescente isolamento internacional do governo Netanyahu, fato refletido nas deliberações em andamento na Corte Internacional de Justiça. É este isolamento que o titular da chancelaria israelense tenta esconder. Não entraremos nesse jogo. E não deixaremos de lutar pela proteção das vidas inocentes em risco. É disso que se trata.”

Cuspe na cara

Nesta terça-feira, Katz disse nas redes sociais que a comparação de Lula é uma vergonha para o Brasil e um “cusparada no rosto dos judeus brasileiros”. O ministro afirmou ainda que não é tarde para aprender História e pedir desculpas e reforçou que o presidente brasileiro continuará sendo persona non-grata em Israel até que se retrate.

“É necessário lembrar ao senhor o que Hitler fez?” questionou Katz detalhar o extermínio de judeus pela Alemanha Nazista na 2ª Guerra. “Levou milhões de pessoas para guetos, roubou suas propriedades, as usou como trabalhadores forçados e depois, com brutalidade sem fim, começou a assassiná-las sistematicamente. Primeiro com tiros, depois com gás. Uma indústria de extermínio de judeus, de forma ordeira e cruel.”

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O ministro israelense publicou sua postagem em português. “Milhões de judeus em todo o mundo estão à espera do seu pedido de desculpas. Como ousa comparar Israel a Hitler? Que vergonha. Sua comparação é promíscua, delirante. Vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros”, escreveu o diplomata israelense.

A comparação da ofensiva militar de Israel ao Holocausto, quando 6 milhões de judeus foram exterminados pelos nazistas, é considerada um tipo de antissemitismo, por tentar equiparar as vítimas a seus algozes.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, afirmou que Lula cruzou uma linha vermelha ao associar o país ao holocausto e a Adolf Hitler. O governante disse que o discurso de Lula é “vergonhoso”, “banaliza” o Holocausto e “tentar ferir o povo judeu e o direito Israelense de se defender”. Nenanyahu designou o chanceler Israel Katz para exigir retratação e declarar Lula persona non grata.

O status é um recurso no meio diplomático para dizer que uma pessoa não é mais bem-vinda em determinado país. Embora recorrente, não costuma ser aplicado a chefes de Estado. Em tese, Lula seria impedido de entrar em Israel, caso solicitasse uma viagem ao país, ou expulso se lá estivesse.

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Humilhação e jogo duplo

O anúncio de que Lula passou ter sua “presença indesejada” em solo israelente foi feito no Museu do Holocausto, em Jerusalém, na frente do embaixador do Brasil em Tel Aviv, Frederico Meyer, e no idioma hebraico - que o diplomata não domina. Ele havia sido convocado para explicações e recebeu uma repreensão pública, diante de jornalistas.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira, 4 de dezembro de 2023, na Chancelaria em Berlim, Alemanha.  Foto: Markus Schreiber / AP

O método fora do protocolo e com exposição pública motivou protestos do Itamaraty, que considerou a situação calculada para ser vexatória. Lula mandou chamá-lo de volta a Brasília. O embaixador desembarca em Brasília nesta quarta-feira, dia 21. O Itamaraty também reclamou com o embaixador de Israel no País, Daniel Zonshine, convocado pela quarta vez para ouvir queixas do Palácio do Planalto.

“Esta manhã eu convidei o embaixador brasileiro em Israel para as proximidades do Yad Vashem, o museu do Holocausto, que mostra mais do que qualquer coisa coisa o que os nazistas e Hitler fizeram com os judeus, incluindo com membros da minha família. A comparação do presidente Lula entre a justa guerra de Israel contra o Hamas e as ações de Hitler e dos nazistas, que mataram 6 milhões de judeus e um sério ataque antissemita que desrespeita a memória daqueles que morreram no Holocausto. Não vamos perdoar e nem esquecer, em nome dos cidadãos de Israel, eu informei o presidente Lula que ele não é bem-vindo em Israel até que ele se desculpe e retrate suas palavras”, escreveu Katz em uma publicação na rede social X.

Após as declarações de Katz, o chefe do Itamaraty apontou uma postura dupla, em público e em privado, do chanceler israelense e expôs o que ele teria dito ao representante de Lula no país.

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”O ministro Israel Katz distorce posições do Brasil para tentar tirar proveito em política doméstica. Enquanto atacou o nosso país em público, no mesmo dia, na conversa privada com nosso embaixador em Tel Aviv afirmou ter grande respeito pelos brasileiros e pelo Brasil, que definiu como a mais importante nação da América do Sul. Esse respeito não foi demonstrado nas suas manifestações públicas, pelo contrário”, disse Vieira.

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