Itália aprova lei que criminaliza barriga de aluguel e dificulta casais gays de terem filhos

Legislação classifica prática como um crime universal, equivalente ao terrorismo e ao genocídio; novo texto ameaça pessoas do mesmo sexo que contratam mulheres em outros países para ter filhos

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Por Anthony Faiola (The Washington Post) e Stefano Pitrelli (The Washington Post )
Atualização:

ROMA – A Itália aprovou nesta quarta-feira, 16, uma lei que classifica a barriga de aluguel internacional como um crime universal, como o terrorismo ou o genocídio. A nova lei ameaça famílias que contratam mulheres em outros países para ter filhos e atinge principalmente casais LGBTs.

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A lei estabelece prisões e multas severas para os casais que usarem a barriga de aluguel. A prática já estava proibida na Itália, assim como em outros países e alguns Estados americanos, mas agora é considerada um crime universal. Nenhum outro país do Ocidente tem uma lei tão severa.

A mudança se torna o símbolo mais forte do conservadorismo da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e eleva o debate em torno da barriga de aluguel para o centro das guerras culturais travadas no Ocidente.

Imagem mostra primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, durante coletiva de imprensa em Bruxelas nesta quarta-feira, 16. Itália aprovou lei que transforma barriga de aluguel em crime universal Foto: Ludovic Marin/AFP

A legislação, aprovada no ano passado pela Câmara dos Deputados e confirmada no Senado nesta quarta, também criminaliza cidadãos italianos que atuam como médicos, enfermeiros ou técnicos em clínicas de fertilidade em outros países.

Mesmo os defensores da nova lei admitem que os casais heterossexuais podem enfrentar poucas perguntas ao retornar à Itália com um bebê ou ao registrar a certidão de nascimento de seus filhos nos municípios italianos, já que é possível alegar que a mulher teve o bebê no exterior. Por outro lado, casais do mesmo sexo com um bebê, particularmente se forem homens, são mais fáceis de identificar.

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“As pessoas que não podem esconder isso são casais gays”, disse Alessia Crocini, diretora do Rainbow Families, um grupo que se opôs à lei. “Trata-se de [atingir] pais gays.”

Casais do mesmo sexo já estavam impedidos pela lei italiana de fazer adoção de crianças, dentro ou fora da Itália. Assim, a nova lei corta o último caminho para casais gays residentes na Itália construírem famílias.

“É a natureza que decide isso, não nós”, disse a senadora Susanna Campione, do partido Irmãos da Itália, de Meloni, que votou a favor da lei. “Desejamos que este exemplo seja seguido [por outros países]. Esta é uma lei civilizada que protege a criança, mas também a mulher, pois acreditamos que a barriga de aluguel essencialmente reduz a mulher a uma máquina reprodutiva.”

Após um debate de sete horas, a medida foi aprovada no Senado por 84 votos a 58.

Governo conservador

Desde que se tornou premiê em outubro de 2022, Meloni, mãe solteira que nunca se casou com o pai de sua filha, prometeu ampliar os valores da “família tradicional” na Itália. O governo e a base de apoio tem agido para impedir casais do mesmo sexo de registrarem seus filhos e buscam reduzir os cuidados de afirmação de gênero para crianças menores de idade, que consiste em uma rede de serviços para a população trans e não-binária.

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Para além das questões de família, o governo de Meloni também trabalha com um projeto de lei de segurança que visa criminalizar protestos que obstruem estradas e ferrovias, atingindo ativistas climáticos e sindicatos. “A mensagem (do governo Meloni) é que não estamos abrindo portas para novos direitos; em vez disso, estamos fechando as portas”, disse o senador opositor Alfredo Bazoli, do Partido Democrático.

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Especialistas disseram que a legislação italiana pode aprofundar o debate acerca de um tratado internacional sobre a barriga de aluguel. Neste ano, o papa Francisco, que chamou a barriga de aluguel de “aluguel de útero”, pediu uma proibição global. No ano passado, no Marrocos, uma convenção internacional de especialistas de 70 países emitiu um decreto conjunto com o mesmo pedido. Em abril, o Parlamento Europeu votou para incluir “exploração da maternidade de aluguel” em atos considerados tráfico de pessoas.

Legislação na Europa e nos EUA

A Europa há muito adota uma postura menos receptiva à barriga de aluguel do que os Estados Unidos, onde a prática é amplamente legal. Muitos países da União Europeia, incluindo Alemanha e França, proíbem a barriga de aluguel dentro de suas fronteiras. Em alguns dos países, as famílias que adotam a barriga de aluguel em outros países podem enfrentar obstáculos para registrar os filhos como cidadãos. Outros países, incluindo a Turquia, proibiram administrativamente os casais de buscar barriga de aluguel internacional, mas não chegaram a aprovar leis.

Segundo a diretora de estudos de política familiar do Instituto Cato, Venssa Brown Calder, a lei italiana parece ser a mais dura nesse assunto em todo o mundo.

O governo italiano e seus apoiadores insistem que a lei não visa casais do mesmo sexo, mas sim a prática de barriga de aluguel, que eles condenam como imoral. “É claro que será mais fácil identificar dois homens [com uma criança]”, disse Jacopo Coghe, porta-voz do grupo conservador Pro Vita & Famiglia, que apoia fortemente a lei. “[Mas] acredito que esta é uma prática bárbara que cria um mercado para crianças, independentemente de quem a usa. Todos devem ser penalizados.”

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Cerca de 90% dos cerca de 250 casais na Itália que dependem de barriga de aluguel internacional a cada ano aqui são heterossexuais, segundo especialistas jurídicos. Os casais do mesmo sexo, no entanto, são os alvos mais vulneráveis da lei.

Proibições de registro

“Esta lei é nojenta”, disse Salvatore Scarpa, que, com seu marido Luca Capuano, teve sua filha Paola com a ajuda de uma mãe de aluguel da Califórnia no ano passado. O casal disse que vai desafiar a nova lei e seguir em frente com os planos para que a mesma mãe biológica receba o embrião do segundo filho este mês. “Eles não podem parar nossa família.”

No ano passado, Meloni decretou a proibição de registros de nascimento com os pais do mesmo sexo, o que impede as crianças de acesso à cidadania, escola pública, assistência médica e outros serviços. A decisão é contestada na justiça, mas, por enquanto, Salvatore e Luca não conseguiram fazer o registro da filha de 1 ano e 2 meses. A criança é cidadã americana e tem o visto italiano, já vencido.

Agora, o casal deve enfrentar os mesmos desafios com o segundo filho, além da ameaça adicional de até dois anos de prisão e o pagamento de € 1 milhão (R$ 6,1 milhões) em multas, conforme descrito na lei.

Para contornar uma possível parada na alfândega de um aeroporto italiano, eles planejam voar da Califórnia para Paris com o segundo filho e viajar pela estrada até a fronteira aberta entre a França e a Itália. Eles disseram que correriam o risco de permanecer em seu país e estar perto de seus pais e amigos, mas deixariam a Itália para sempre se autoridades buscarem as crianças. “Não vamos deixá-los crescer em um orfanato”, disse Salvatore.

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Medidas questionáveis

Juristas italianos afirmam que a medida é confusa em pontos cruciais. Os juízes italianos, por exemplo, precisarão decidir o momento em que o crime é cometido, se na assinatura do contrato, se no momento do nascimento da criança. Os promotores, dizem os especialistas, também enfrentarão desafios para acessar registros realizados em outros países, que precisam provar o envolvimento de cidadãos italianos em barrigas de aluguel, seja como pais ou equipe médica.

Uma outra consequência será forçar os italianos a encontrarem medidas para não serem condenados por atos legais em outros países.

De acordo com a lei italiana, as autoridades alfandegárias nos aeroportos não podem prender pessoas suspeitas de crimes com penas inferiores a três anos. Na Itália, é altamente improvável que réus primários sejam condenados à prisão.

Os casos ainda podem ser encaminhados por agentes alfandegários, ou qualquer outra pessoa, aos promotores, e as penalidades podem ser severas se condenados. As famílias viveriam à sombra do medo de serem denunciadas.

“Existe a possibilidade de você ter dois pais com um filho, e seu pediatra ou vizinho que não aceita isso decide prestar queixa”, disse Vincenzo Miri, presidente da Lenford Network, uma associação de advogados italianos que defendem os direitos LGBTQ+. “É isso que eles estão fazendo.”

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