Com a vitória de Javier Milei, a Argentina vira do avesso: sai o governo peronista de Alberto Fernández, entra o libertário. E o pequeno grupo de países da América Latina governados pela direita ganha o reforço de um país que mantém sua relevância, mesmo atravessado pela crise.
Nos últimos anos, a chamada ‘Onda Rosa’ parecia avançar de novo sobre os sul-americanos. Na Colômbia, a esquerda saiu vitoriosa pela primeira vez na história com Gustavo Petro; no Chile, foi eleito o jovem progressista Gabriel Boric; na Bolívia, o Movimento ao Socialismo de Evo Morales voltou ao poder com Luis Arce, assim como o PT voltou à presidência aqui no Brasil.
Alberto Fernández também era parte desse bloco, mas entregou o país com inflação anual na casa dos 140% e sequer disputou a reeleição. A tentativa de continuidade ficou a cargo do ministro da Economia, Sergio Massa, que amargou a pior derrota sofrida pelo peronismo em 40 anos de democracia e, pelo kirchnerismo, desde 2003.
Agora, a Argentina se aproxima mais de Uruguai, Paraguai e Equador, que variam entre a centro direita e a direita. Resta saber se a virada em Buenos Aires representa uma nova tendência e, principalmente, se o país terá o poder de pautar o debate sob o governo de um outsider da política.
“Na América do Sul, países como Brasil, Colômbia e Chile vinham com um discurso de maior participação do Estado, de políticas sociais e a eleição na Argentina pode levar a uma reconfiguração a partir desses governos que tem a agenda de liberalização, de Estado mínimo”, avalia a professora de relações internacionais da ESPM Denilde Holzhacker.
A questão é que, na prática, essa “sintonia ideológica” terá que ser testada caso a caso. A China é um bom exemplo disso: o Uruguai se afastou do Mercosul porque quer fazer negócio com Pequim enquanto o presidente eleito da Argentina já disse que não quer aproximação com os comunistas.
Milei terá a habilidade de construir pontes colocada a prova a partir de dezembro, quando tomará posse na Argentina, mas indica que ficará mais concentrado nos problemas domésticos.
Além de esperar para ver a atuação do libertário, será preciso olhar o resultado da maratona de eleições do ano que vem. A derrota dos peronistas na Argentina pode até expor os desafios da ‘Onda Rosa’ mas, para a pesquisadora, é o reflexo de uma questão mais ampla: o apelo à renovação, que vale para os dois lados, e tem levado à alternância de poder entre esquerda e direita.
É o que apontam as pesquisas para eleição do Uruguai, em 2024. O país não tem reeleição e, ao que tudo indica, o presidente de centro direita, Luis Lacalle Pou, deve ter dificuldades para fazer um sucessor. Hoje, a vantagem está com Frente Ampla, de esquerda, que já ocupou presidência por 15 anos e está na frente da coalizão governista.
“Mais do que a esquerda e a direita, a Argentina reflete essa insatisfação constante do eleitor com o ambiente político”, afirma Holzhacker. “Caracteriza a dificuldade de fazer sucessores. O eleitor está mostrando que a tendência é buscar alternativas, soluções. Por isso vemos essa mudança constante em que ora ganha a esquerda, ora ganha a direita”, acrescenta.
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Na própria Argentina, o kirchnerismo que hoje está em baixa foi o último grupo político a segurar o poder com a sucessão de Néstor Kirchner para mulher Cristina, que governou por mais oito anos. Depois disso, o país passou a pendular: do liberal Mauricio Macri, para o peronista Alberto Fernández e, agora, para o libertário Javier Milei.
“O eleitor tende a punir o governante que não traz resultados, punir as crises econômicas... São governos que fazem grandes promessas e não conseguem gerar mudanças significativas para população”, conclui a analista.
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