“Eles falam como o povo da Geórgia”, disse o então governador do estado Jimmy Carter em 1972. Era a primeira vez que o político americano pisava no Brasil. A visita ao interior de São Paulo, mais precisamente a Santa Bárbara d’Oeste, fazia parte de uma missão empresarial para impulsionar investimentos entre o Brasil e a Geórgia. Ao lado da futura primeira-dama dos Estados Unidos, Rosalynn, o governador foi conhecer o “Cemitério dos Americanos”, erguido no final do século 19 por imigrantes sulistas que se instalaram no Brasil logo após o final da Guerra Civil entre os confederados do Sul e os unionistas liderados pelo presidente Abraham Lincoln.
A fala de Carter fazia sentido. Mesmo estando no hemisfério sul, o governador se sentia em casa. Estava rodeado por descendentes de americanos que haviam saído diretamente de seu estado. O precursor da onda migratória havia sido o ex-senador William Morris, advogado nascido na Geórgia e depois fundador da cidade paulista de Americana. Na ocasião da vinda de Carter, o jornal Atlanta Constitution escreveu que o 39º presidente dos EUA precisou interromper o seu discurso pela emoção de suas lágrimas. Diante de centenas de pessoas reunidas para recebê-lo em Santa Bárbara, Carter afirmou que aquela atmosfera lhe “fazia se sentir em casa” ao “ver tantos rostos e nomes familiares”. Ao encontrar o túmulo de seu tio-avô, W. Wise, a primeira-dama Rosalynn também se emocionou, escreveu a imprensa da época.
Em uma das caixas com materiais e lembranças da administração de Jimmy Carter como governador, o escritório dos Arquivo Nacional dos EUA em Atlanta guarda fotografias da recepção ao americano em frente ao prédio da Assembleia Legislativa de São Paulo. Há também registros de um almoço de Carter com empresários paulistas, um evento patrocinado pela Delta Airlines, empresa aérea americana sediada na Geórgia. Também é possível encontrar correspondências de Carter destinadas ao então governador de São Paulo, Laudo Natel, além do prefeito da capital à época, José Carlos de Figueiredo Ferraz. As cartas tratavam dos preparativos da visita do governador ao Brasil. Uma delas também inclui correspondência ao jornalista Wilson Jorge Rossi, diretor da antiga publicação paulista Jornal de Hoje, em que o governador agradece pelo interesse na cobertura de sua futura visita ao Brasil.
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A missão empresarial do então governador Jimmy Carter a São Paulo é um dos mais emblemáticos casos de sucesso na gestão de interesses diplomáticos e comerciais entre dois estados. Ao buscar aproximação com a mais rica unidade da federação do país, sua equipe apostou no tópico “família”. Afinal, Carter tinha em São Paulo - simbolicamente - uma de suas casas, um dos lares de sua família, de seu estado natal. “A Geórgia nunca se apresentou tão bem”, se gabou na época o General Lewis Truman, chefe do departamento estadual de Indústria e Comércio. “Se tivéssemos ido à Europa, como muitos fazem, teria sido banal demais”.
Exatos 37 anos após sua visita ao interior do estado, e definitivamente já no coração dos paulistas, Jimmy Carter recebeu das mãos do governador José Serra a Ordem do Ipiranga, a mais alta condecoração do estado de São Paulo.
*Lucas Martins é professor de história dos EUA da Temple University (Filadélfia, EUA)
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