Quem é Mohammed bin Salman, herdeiro do regime saudita que vai encontrar Lula

Líder de facto da ditadura saudita é suspeito de mandar matar jornalista crítico e deu joias a Bolsonaro; carreira política começou com elogios e protagonismo político no Golfo Pérsico

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Foto do author Luiz Henrique Gomes
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarcou nesta terça-feira, 28, na Arábia Saudita para se reunir com o príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman. Governante de fato do maior exportador mundial de petróleo, bin Salman, de 38 anos, tornou-se conhecido no Brasil este ano por ser peça no esquema de joias doadas para o ex-presidente Jair Bolsonaro que entraram ilegalmente no País. A nível mundial, o príncipe é suspeito de estar envolvido no assassinato de um jornalista opositor em 2018.

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A carreira política de bin Salman, no entanto, começou com elogios e protagonismo político no Golfo Pérsico por causa de reformas sociais e econômicas vistas pela comunidade internacional como modernização da teocracia da Arábia Saudita, uma ditadura baseada na interpretação radical do Islã. MBS, como também costuma ser chamado, passou a comandar o país ao ser nomeado príncipe-herdeiro em 2017 com as bênçãos do pai, o rei Salman bin Abdulaziz, de 86 anos. Antes, MBS ocupou o cargo de ministro da Defesa por dois anos (2015-2017).

Foi durante o seu mandato no Ministério da Defesa que a Arábia Saudita liderou uma coalizão apoiada pelo Estados Unidos e Reino Unido contra os rebeldes houthis apoiados pelo Irã no Iêmen na operação que ficou conhecida como Tempestade Decisiva. A operação escalou a guerra por procuração no país, resultando em um conflito que se estende até os dias atuais e que é considerado pela ONU a maior crise humanitária do mundo. Mais de 21 milhões de pessoas precisam de assistência e 80% do país têm dificuldade de acessar serviços básicos e alimentação, segundo a entidade.

Imagem mostra príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman durante cúpula do Golfo Pérsico, em 30 de maio. Bin Salman é acusado de ordenar morte de jornalista opositor Foto: Bandar Algaloud/Reino da Arábia Saudita/via Reuters

As ações de Bin Salman ao se tornar príncipe-herdeiro, no entanto, encobriram o papel do príncipe na guerra. MBS passou a ser mais falado pelas reformas implementadas na Arábia Saudita, que incluíram o fim de proibições contra mulheres de dirigir no país, por exemplo, a diversificação da economia e a transição energética, principal motivo da viagem de Lula.

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Em abril de 2018, a revista americana Time retratou o príncipe durante uma viagem dele nos EUA. Ao mencionar as mudanças no país, destacou: “Se funcionar, a suposta revolução de Bin Salman pode transformar uma das autocracias mais retrógradas do mundo, exportadora de petróleo e ideologia terrorista, em uma força para o progresso global”. Cinco meses depois da publicação, a imagem do príncipe seria outra.

Assassinato do jornalista Jamal Khashoggi

Em agosto daquele ano, o jornalista saudita e colunista do jornal The Washington Post, Jamal Khashoggi, crítico das políticas de MBS, foi morto dentro do consulado saudita em Istambul, na Turquia. A suspeita pairou sobre agentes sauditas desde o início, até que em 2021 um relatório de inteligência dos EUA concluiu que a morte do jornalista foi aprovada pelo príncipe-herdeiro. Ele nega qualquer envolvimento.

Segundo a investigação, Khashoggi foi enganado por um esquadrão de morte enviado à Istambul para ir ao consulado saudita realizar trâmites burocráticos e depois esquartejado com ferramentas forenses. Segundo o relatório da CIA, o comando do assassinato passou por bin Salman, que tinha o controle absoluto sobre a inteligência saudita. “O príncipe herdeiro via Khashoggi como uma ameaça ao país e apoiava de modo geral o uso de medidas violentas, se necessário, para silenciá-lo”, diz o documento.

Imagem mostra boneco de Mohammed bin Salman sujo de sangue em protesto na Alemanha em 2019. Príncipe foi relegado a "pária" no Ocidente, mas manteve relevância internacional Foto: Wolfgang Rattay / Reuters

A acusação provocou mudanças nas relações dos EUA com a Arábia Saudita, um tradicional aliado. O governo de Joe Biden tornou público o relatório, repudiou Riad e disse que seriam tratados como “párias”. O distanciamento refletiu a relação do Ocidente com o reino.

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Menos de dois anos depois, no entanto, o isolamento político causado pela acusação diminuiu por causa do aumento dos preços globais do petróleo causado pela guerra na Ucrânia. O príncipe voltou a ter a atenção dos líderes ocidentais, que incluiu uma viagem de Biden a Jeddah e a retomada de diálogos diplomáticos para acordos econômicos.

Imagem mostra encontro do presidente dos EUA, Joe Biden, com o príncipe saudita em julho de 2022. Biden viajou ao país após oscilações no preço do petróleo causado pela guerra na Ucrânia Foto: Bandar Algaloud/Reino da Arábia Saudita/via Reuters

Joias dadas de presente a Bolsonaro

Foi durante o período de “pária” do Ocidente de Bin Salman que uma comitiva do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, viajou à Arábia Saudita para representar o governo brasileiro na reunião da cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”. Na viagem, o governo saudita entregou um kit com joias em colar, anel, relógio e um par de brincos à comitiva como presente. Um assessor do ministro colocou as joias em uma mochila e tentou entrar no Brasil sem declarar os itens como bens destinados ao patrimônio da União.

Revelado em março pelo Estadão, o escândalo das joias desencadeou uma investigação da Polícia Federal que apura se o governo de Jair Bolsonaro teria tentado desviar para o estoque pessoal do então presidente presentes de alto valor, mediante a determinação do ex-chefe do Executivo.

Os presentes foram retidos pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no retorno da viagem. Ao saber que o pacote havia sido apreendido, o ministro retornou à alfândega para tentar usar o cargo para liberar os diamantes. Bento Albuquerque argumentou que se tratava de um presente do governo da Arábia Saudita para Michelle Bolsonaro. Segundo a PF, o conjunto de joias está avaliado em R$ 5,1 milhões.

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Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, em 2019. Bolsonaro recebeu joias do príncipe destinadas à Presidência, mas é acusado de desviar para acervo pessoal Foto: José Dias/PR

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O ex-presidente Jair Bolsonaro também teria atuado pessoalmente para tentar liberar o conjunto. Ao todo, foram oito tentativas desde a entrada ilegal sem declaração, que envolveram pressão sobre a Receita e a justificativa de acervo pessoal.

O Estadão também revelou que havia outro entregue pelo regime saudita e que a equipe de Bolsonaro não tinha declarado ao Fisco. O conjunto tinha um relógio da marca Rolex, de ouro branco e cravejado de diamantes, e que foi levado pelo ex-presidente aos Estados Unidos no final do mandato. Na época, o relógio Rolex foi encontrado na internet pelo preço de R$ 364 mil. Os demais itens, quando comparados a peças similares, somaram, no mínimo, R$ 200 mil.

Diferentemente das outras duas caixas enviadas a Bolsonaro, o relógio foi entregue nas mãos do ex-presidente quando ele esteve com a comitiva em viagem oficial em Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019.

Viagem de Lula a Riad

O príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman volta a ter atenção no País ao recepcionar novamente um chefe de Estado brasileiro, desta vez Lula. A viagem faz parte do roteiro do brasileiro pelo Oriente Médio e na Alemanha nas vésperas da Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP 28, que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes. O presidente irá se reunir com interesse em atrair investimentos dos fundos árabes, provenientes da venda de petróleo, para obras do novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).

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Os dois já se reuniram anteriormente na cúpula do G-20 em Nova Délhi, na Índia, em setembro. O encontrou cimentou a viagem atual, com o acerto, segundo o governo brasileiro, de visitas de empresários e autoridades sauditas no Brasil para conhecer a carteira de projetos do PAC.

Maior exportador de petróleo do mundo, a Arábia Saudita passou a se preocupar com a transição energética na última década, também com a ascensão do rei Salman bin Abdulaziz. Diversos fatores pressionam o reino a fazer a mudança, como oscilações no preço dos combustíveis fósseis nos últimos dez anos e a necessidade de se projetar como um ator global relevante no momento em que o combate às mudanças climáticas se tornam cada vez mais urgentes. O Brasil, que cumpre um papel relevante na agenda climática, tenta capitalizar sobre isso para adquirir recursos.

Desembarque do presidente Lula em Riad, na Arábia Saudita, para encontro com o príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman. Lula e o príncipe se encontraram em setembro na cúpula do G-20 Foto: Ricardo Stuckert / PR

Críticos do reinado apontam, no entanto, que os planos reais da Arábia Saudita é manter o petróleo no centro da cadeia energética. Segundo uma reportagem do The New York Times publicada em novembro do ano passado, o país faz isso financiando pesquisa, tecnologia e até educação a nível mundial para a criação de gasolinas e motores mais eficientes, o que manteria o mercado do petróleo em alta. A reportagem cita mais de 500 estudos entre 2017 e 2022 com essa finalidade, incluindo produções que buscam manter carros movidos a gasolina competitivos ou levantar dúvidas sobre veículos elétricos.

Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2022 (COP27), em Sharm el-Sheik, no Egito, os representantes sauditas pressionaram e conseguiram que a declaração final não mencionasse os combustíveis fósseis.

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As dúvidas sobre os planos reais apontam mais uma contradição do governo de Mohammed Bin Salman. Há seis anos no comando do país, o príncipe-herdeiro vendeu a imagem ora de habilidoso e reformista, ora autocrata capaz de silenciar críticos assassinando-os. Dentro da aura contraditória, conseguiu aumentar a influência global da Arábia Saudita e não ser um ator secundário, apesar das promessas de ser transformado em pária.

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