MINNEAPOLIS - Quase 11 meses após asfixiar com o joelho o negro George Floyd, em imagens gravadas que despertaram uma onda mundial de repúdio ao racismo, o ex-policial Derek Chauvin foi condenado nesta terça-feira, 20, por homicídio. O veredicto representa um marco na conturbada história racial dos EUA. Chauvin, que pode pegar até 40 anos de cadeia, terá sua sentença anunciada em algumas semanas.
Depois de deliberar por cerca de 10 horas durante dois dias, após um julgamento emotivo que durou três semanas, o júri considerou Chauvin, de 45 anos, culpado das três acusações: homicídio culposo (não intencional), homicídio de terceiro grau e homicídio de segundo grau.
Chauvin pode pegar até 40 anos de prisão quando for sentenciado nas próximas semanas, mas provavelmente receberá muito menos tempo. A pena presumida para assassinato em segundo grau é de 12,5 anos, de acordo com as diretrizes de Minnesota, embora o Estado tenha pedido uma sentença mais alta.
Após a morte de Floyd, o então secretário de Justiça de Donald Trump, William Barr, se recusou a aprovar um acordo judicial que teria enviado Chauvin à prisão por 10 anos. Segundo uma fonte, Barr disse que estava preocupado com a possibilidade de os manifestantes considerassem o acordo brando.
Floyd, um homem negro de 46 anos, morreu em maio passado depois que Chauvin, branco, à época policial, o asfixiou segurando o joelho em seu pescoço por mais de 9 minutos. Durante a ação, Floyd reclamou que não conseguia respirar e testemunhas pediram, sem sucesso, para que o policial o soltasse. A morte de Floyd gerou protestos em massa nos EUA e em todo o mundo.
Depois que o veredicto foi lido, o juiz Peter A. Cahill ordenou que Chauvin, que estava em liberdade sob fiança desde o outono passado (norte), fosse imediatamente levado sob custódia. Chauvin foi retirado do tribunal algemado e ouvirá sua sentença em oito semanas após a conclusão de um relatório sobre seus antecedentes.
Cahill determinará se há fatores agravantes que justifiquem uma sentença maior do que o normal. Entre os agravantes do crime, a promotoria argumentou no processo que crianças estavam no local e testemunharam quando Floyd foi morto, que a vítima foi tratada com "especial crueldade" por Chauvin e que o policial “abusou de sua posição de autoridade”.
Advogados de ambos os lados apresentaram seus argumentos finais na segunda-feira. A acusação disse que Chauvin tirou a vida de Floyd, em maio do ano passado, ao ajoelhar sobre o seu pescoço por 9 minutos e meio. A defesa disse que o agora ex-policial agiu de maneira razoável e um problema cardíaco e o uso de drogas levaram à morte de Floyd.
Um cardiologista, um pneumologista, um toxicologista e um patologista forense chamados para testemunhar disseram que os vídeos e os resultados da autópsia confirmavam que Chauvin matou Floyd ao comprimir seu corpo contra a rua.
O veredicto, lido no tribunal e transmitido ao vivo para todo o país pela televisão, chegou em meio a um momento de tensão na cidade, que temia uma agitação como a que eclodiu na primavera passada (norte). O tribunal foi cercado por barreiras de concreto e arame farpado, e milhares de soldados da Guarda Nacional e policiais foram mobilizados na cidade antes do veredicto. Alguns estabelecimentos comerciais protegeram suas fachadas com tábuas de compensado.
Lágrimas e 'alívio'
Para um país cujo sistema legal raramente responsabiliza policiais por assassinatos no trabalho, especialmente quando as vítimas são negras, o caso foi um marco e uma mudança por mais responsabilização pelos abusos policiais e mais igualdade perante a lei.
O advogado da família de Floyd, Ben Crump, considerou a condenação "um ponto de inflexão na história dos Estados Unidos".
"A justiça obtida com dor finalmente chegou para a família de George Floyd", Crump tuitou. "Este veredicto é um ponto de inflexão na história e envia uma mensagem clara sobre a necessidade de responsabilização por parte das forças de ordem. Justiça para os Estados Unidos negro é justiça para todo os Estados Unidos!", escreveu.
Mais de 200 pessoas se reuniram do lado de fora do tribunal de Minneapolis para ouvir o veredicto de Chauvin. "Culpado de todas as três acusações", uma voz masculina anunciou através de um megafone e as lágrimas escorreram por rostos na multidão. “Hoje celebramos a justiça para a nossa cidade”, acrescentou.
“Eu não posso acreditar...culpado!” comemorou Lavid Mack, 28, de pé em um bloco de concreto para ter uma visão melhor. Ele não achava que Chauvin seria responsabilizado.
Uma mulher saiu do meio da multidão, abalada demais para falar, e caiu nos braços de uma amiga.
Outra, com lágrimas nos olhos, expressou seu alívio: "Agora podemos finalmente começar a respirar", disse Amber Young. "Este ano foi tão traumático, agora espero alguma cura". A afro-americana, no entanto, acrescentou que é hora de outra luta: por Daunte Wright, homem negro de 20 anos morto em 11 de abril por uma policial branca nos subúrbios de Minneapolis.
Com os punhos no ar, uma dúzia de pessoas começou a gritar "poder negro".
As celebrações mudaram rapidamente para o sul da cidade, onde Floyd morreu. Naquela esquina, mais de mil pessoas se reuniram para comemorar a decisão do júri. Elas ergueram os punhos e gritaram o nome de George Floyd.
A multidão, incluindo algumas famílias com filhos pequenos e até animais de estimação, dançou ao ritmo de uma banda.
Rachel Shield, uma mulher branca de 42 anos, chegou com seus dois filhos para este momento "histórico". "Sentimos que era muito importante estar presente", disse ela."Temos muitas poucas chances de vencer nesta luta", completou.
Na zona residencial, ao contrário do centro da cidade, as lojas permaneceram abertas. Os sinais de que foi ali que a tragédia aconteceu estão por toda a parte. Um pôster mostra uma foto de George Floyd, com o slogan: "Lembre-se".
Outras cidades, incluindo Washington, Nova York, Atlanta e Portland registraram celebrações após o anúncio do veredicto.
Reações
Mais cedo, o presidente americano Joe Biden afirmou ter conversado com a família de Floyd na segunda-feira. "Só posso imaginar a pressão e ansiedade que eles estão sentindo", disse. "Eles são uma boa família e clamam por paz e tranquilidade, não importa qual seja o veredicto", disse Biden. “Estou rezando para que o veredicto seja certo. Acho que é esmagador, na minha opinião."
Após a divulgação do veredicto, o presidente americano denunciou o que chamou de "racismo sistêmico" que mancha a alma dos EUA. Ele e sua vice, Kamala Harris, defenderam mais justiça social no país.
A morte de Floyd – após ser acusado de usar uma nota falsa de US$ 20 para pagar cigarros – provocou protestos contra o racismo e a brutalidade policial em muitas cidades dos EUA e ao redor do mundo. Chauvin e três outros policiais foram demitidos no dia seguinte. Os outros três ex-agentes devem ser julgados ainda este ano por cumplicidade no assassinato. /AP, NYT e W. Post
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