Kamala Harris pode derrotar Donald Trump, mas como seria um governo dela?

Ser um político é mais do que fazer campanha. São necessários mais detalhes de suas propostas políticas

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Por The Economist

Algumas semanas atrás, tudo indicava que a convenção democrata seria um velório. Em vez disso, foi só amor. A euforia dos delegados foi temperada pelo alívio de ver sua indicada salvar o partido de uma derrota quase certa.

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Kamala Harris conseguiu isso menos por causa de quem ela é, e mais por causa de quem ela não é. Para começar, ela não é Joe Biden, que mostrou em um discurso de despedida em Chicago que a idade o transformou em um rabugento. E ela também não é Donald Trump. Agora que o presidente Biden está fora da disputa, o indicado republicano é o idoso da disputa, e ele afasta os eleitores com seus insultos mesquinhos e suas obsessões sombrias.

No entanto, Kamala precisa de mais. Nosso modelo de previsão mostra a disputa empatada. Em uma tentativa de torná-la alguém em quem as pessoas realmente queiram votar, a convenção foi toda voltada para o caráter e a história de vida dela. Os americanos agora sabem que ela trabalhou no McDonald’s e que, todo ano, ela provoca o marido tocando a mensagem de voz desconexa que ele deixou convidando-a para um primeiro encontro.

Discurso de Kamala Harris encerrou quatro dias de Convenção Nacional Democrata, realizada em Chicago. Foto: Brynn Anderson/AP

Infelizmente, como seria a tradução disso em uma presidência de Kamala Harris é algo que continua desconcertantemente vago. Ela tem motivos para construir sua campanha em torno da personalidade: as políticas podem ser um risco, Trump não é nenhum idiota e, tendo ele como oponente, o caráter importa. No entanto, preocupantemente, as táticas dela também podem indicar algo mais fundamental.

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Politicamente, Kamala ainda é uma incógnita — e ela é parcialmente responsável por manter-se assim. No governo Biden, ela foi ofuscada, como os vice-presidentes geralmente são. Ela se tornou a indicada sem ter sido testada em uma primária. Desde a saída de Biden, ela não deu entrevistas, e respondeu a poucas perguntas de repórteres.

Sua plataforma política foi herdada principalmente de seu chefe e é ainda mais esparsa do que a de Trump. Quando ela assume posições — como a promessa de lidar com a especulação de preços corporativos — talvez elas não sejam expressões de suas crenças políticas, e sim manobras de campanha projetadas para apaziguar eleitores preocupados com o custo de vida.

Kamala não é uma daquelas cuja carreira revela um conjunto de convicções profundas ou um núcleo interno de crenças. Em vez disso, como Biden, ela se posiciona ligeiramente à esquerda do centro de seu partido e se ajusta conforme ele evolui. Pior do que ele, suas políticas envolvendo a economia e as relações exteriores parecem não ter âncora.

O pragmatismo tem suas virtudes em um político. Trump pode chamar Kamala de comunista, mas ela não é uma ideóloga. Suas posições como candidata nas primárias em 2019 incluíam assistência médica de pagador único, proibição ao fracking e descriminalização da travessia ilegal da fronteira. No entanto, a maneira como Kamala abandonou tudo isso em 2024 sugere que nada disso era para valer.

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Sua recente proposta contra o aumento dos preços seria difícil de ser promulgada. Ela provavelmente não está prestes a lançar uma cruzada contra a América corporativa. Pragmatismo também significa que Kamala está aberta às ideias de outras pessoas. Há motivos de sobra para pensar que, em relação à política externa e ao meio ambiente, ela se empenhará em criar uma continuidade.

Mas, quando o pragmatismo sinaliza uma falta de princípios bem pensados, isso pode significar perigo. Todos os dias, o presidente tem que lidar com problemas politicamente carregados que não têm solução simples. Nisso, a fraqueza de Kamala por más ideias e truques políticos ameaça ser uma desvantagem. A alegação de manipulação dos preços simplesmente não é sustentada pelas evidências, mas, ainda assim, corrói a fé nos livres mercados que torna a América próspera.

Prometer subsídios de US$ 25.000 deve ajudar os compradores do primeiro imóvel a pagar por uma propriedade. No entanto, a menos que ela também tenha sucesso em seu plano de aumentar a oferta de moradias — uma tarefa difícil — os subsídios farão aumentar os preços das casas. Suas propostas para aumentar os créditos fiscais para crianças, dos atuais US$ 2.000 para US$ 6.000 durante o primeiro ano de vida, de fato reduziriam a pobreza infantil. Mas, quando o déficit orçamentário dos Estados Unidos é de 7% do PIB, sua falha em financiá-lo por meio de impostos seria precipitada e inflacionária (nós a escolheríamos apenas como uma alternativa à gastança ainda mais selvagem de Trump).

Kamala Harris aceitou a nomeação para ser a candidata democrata na disputa presidencial contra o rebublicano Donald Trump. Foto: Andrew Caballero-reynolds/AFP

Da mesma forma, sem fortes convicções fundamentais e um conjunto de prioridades orientadoras, um presidente pode facilmente ser desviado do curso pelos eventos. Quando os presidentes são reativos ou indecisos, eles podem ser desafiados no exterior. Se Kamala tiver dificuldades para reunir sua biografia, seus princípios e suas políticas, ela também terá dificuldades no papel crucial de um presidente: explicar ao país como ele deve enfrentar a adversidade.

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Pode parecer injusto criticar Kamala por ser parcimoniosa em relação às suas políticas. Sua tarefa primordial é derrotar Trump, e é uma tarefa vital na qual astúcia e malícia são permitidas. Para o bem ou para o mal, a campanha política geralmente envolve encontrar questões polêmicas para agitar sua base eleitoral. Se os estudos e os montes de propostas políticas fossem o segredo do sucesso eleitoral, Hillary Clinton não teria perdido em 2016.

Mas há razões para pressionar Kamala por mais. Uma delas é que fazer isso pode em breve ser do seu interesse político. Se a personalidade perder o poder de impulsionar sua campanha, as propostas políticas podem ser uma maneira de reanimá-la. Imagine se toda a sua plataforma fosse como sua posição a respeito dos direitos reprodutivos das mulheres, onde sua política é claramente derivada de princípios extraídos de sua própria experiência.

Quando, no debate marcado para 10 de setembro, Trump a atacar por ser fraca demais para enfrentar a Rússia e a China, ou muito radical e socialista para lidar com a imigração ou para criar uma economia saudável, ela precisará de mais do que chavões para refutá-lo. Se for a primeira vez que ela tenta desenrolar um fio único que atravessa sua biografia, seus princípios e suas políticas, é improvável que ela faça o seu melhor.

A outra razão mais importante para pressionar Kamala é que ser política é mais do que fazer campanha. Governar também importa. E, para um partido que quer fortalecer a democracia, governar é melhor se seu mandato vencedor contiver um programa. Pode-se estar desesperado para que Kamala derrote Trump e ainda se perguntar o quão boa ela será no desempenho do cargo. Como vice-presidente em um governo de mandato único, ela pode ser tentada a governar tendo como foco a vitória em 2028. A menos que ela seja mais clara a respeito do que quer fazer com o poder, seu mandato será dominado pela campanha — com todos os vícios que isso traz. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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