ENVIADO ESPECIAL À FILADÉLFIA - Uma série de pesquisas divulgadas neste fim de semana indicam uma tímida recuperação da vice-presidente democrata Kamala Harris na disputa com o ex-presidente republicano Donald Trump, a dois dias da eleição americana, na terça-feira, 5.
Com a preferência do eleitor cristalizada entre os dois candidatos, as variações têm ocorrido dentro da margem de erro durante quase todo o ciclo eleitoral. Mas as oscilações criaram um tímido otimismo na campanha da vice-presidente e semearam preocupações entre os aliados do ex-presidente.
A pesquisa New York Times/Siene College divulgada neste domingo, 3, indica uma liderança para Kamala Harris, dentro da margem de erro, na Geórgia, Carolina do Norte, Nevada e Wisconsin. Trump segue à frente no Arizona e ambos estão numericamente empatados em Michigan e na Pensilvânia. A pesquisa feita pelo Siena College é considerada uma das mais precisas dos Estados Unidos.
Estadão nos EUA
Campanha democrata se recupera
Na comparação com pesquisas anteriores, Kamala avançou dois pontos dentro da margem de erro em Nevada, um na Carolina do Norte, três na Geórgia e ficou estável em Wisconsin. Ela também oscilou um ponto para baixo em Michigan e no Arizona, e dois na Pensilvânia.
Já Trump, também na comparação com levantamentos estaduais anteriores, oscilou dois pontos para baixo em Nevada, na Geórgia e no Arizona, e três na Carolina do Norte. Ele permaneceu estável no Wisconsin e em Michigan. Ele oscilou um ponto para cima na Pensilvânia.
Com isso, assessores da vice-presidente adotaram um tom um pouco mais otimista em público, e já dizem ser possível vencer, embora por margens estreitas. “Se você analisar os dados completos, a conclusão é clara: ela está à frente nos Estados que precisa vencer para chegar a 270, e está empatada nos outros Estados em disputa”, disse Chauncey McLean, presidente de um dos grupos de apoio a Kamala, em um comunicado. “A trajetória da eleição está cada vez mais a seu favor e ela está no caminho certo para vencer.”
Como Kamala pode chegar à presidência
A oscilação positiva de Kamala nos Estados do chamado Cinturão do Sol (Nevada, Carolina do Norte e Geórgia) abre novas possibilidades para ela no colégio eleitoral.
São necessários 270 votos para vencer a eleição no colégio eleitoral. Contando os 43 Estados em que a disputa tem um favorito claro, seja ele republicano ou democrata, o placar é de 226 a 219 para Kamala Harris.
A principal estratégia democrata até aqui é vencer nos três Estados industriais da região dos Grandes Lagos: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. Desta forma, o placar seria 270 a 268.
Se a pesquisa do NYT estiver numericamente correta, no entanto, Kamala Harris não precisaria de uma vitória na Pensilvânia. Com uma vitória na Geórgia, Carolina do Norte, Nevada e Wisconsin — Estados onde ela lidera numericamente— ela garantiria a vitória por 274 a 264.
Como Trump retorna à Casa Branca
Já Trump trabalha principalmente com a possibilidade de vencer em todo o Cinturão do Sol, e vencer em um dos três Estados do norte, preferencialmente a Pensilvânia. Com isso, o ex-presidente venceria no colégio eleitoral por 281 a 257.
Trump tem um caminho mais difícil se perder na Geórgia e na Carolina do Norte, dois Estados do sul dos EUA que raramente votam nos democratas. A Geórgia votou em Biden em 2020, mas a última vez que isso tinha acontecido fora em 1992. A Carolina do Norte optou por Obama em 2008 e, antes disso, por Jimmy Carter, em 1976.
Se isso ocorrer, ele precisa virar contra Kamala nos três Estados dos Grandes Lagos para vencer por 274 a 264. Seria uma vitória similar à que lhe deu a presidência contra Hillary Clinton, oito anos atrás.
O cenário em que Iowa entra na disputa
Há, no entanto, um risco neste cenário onde Trump repete 2016. Para que isso aconteça, não pode haver nenhuma surpresa em Estados onde sua vitória é dada como certa.
Na noite de sábado, uma pesquisa do jornal Des Moines Register indicou que o Estado de Iowa entrou na disputa. Segundo o levantamento, a vice-presidente tem 47% dos votos no Estado, ante 44% do ex-presidente, uma vantagem perto do limite da margem de erro, de 3,4 pontos porcentuais.
O resultado do levantamento é surpreendente porque desde o início da campanha Iowa nunca esteve entre os Estados considerados em disputa pelos dois candidatos, e uma vitória de Trump ali era dada como certa. O republicano venceu em Iowa em 2016 e 2020. O último democrata a vencer no Estado foi Barack Obama, em 2008 e 2012.
Se as pesquisas do Des Moines Register e do NYT estiverem correta, o caminho de Trump fica ainda mais difícil. Ela se tornaria presidente com vitórias em Iowa, Nevada, Geórgia e Carolina do Sul, mesmo que Trump triunfe nos Grandes Lagos e no Arizona, também pelo placar de 270 a 268.
O impacto do aborto na eleição
O avanço de Kamala em um Estado como Iowa se deve sobretudo à divisão de gênero em curso atualmente na política americana. Uma terceira pesquisa, esta divulgada pela rede de TV NBC, e feita a nível nacional, indica que as mulheres preferem Kamala a Trump por uma diferença de 16 pontos. Os homens optam pelo republicano diante da vice-presidente com uma vantagem de 18 pontos. No levantamento, feito a nível nacional, ambos estão empatados em 49%.
Essa divisão, segundo analistas, se deve em parte à derrubada da jurisprudência que garantia o aborto legal nos EUA, em 2021, na Suprema Corte americana. O caso Roe vs Wade, de 1971, caiu após Trump nomear três juízes conservadores para a Corte, que revisaram a decisão após um recurso de grupos antiaborto em instâncias inferiores.
Hoje, a decisão sobre legalizar ou não o aborto voltou para os Estados. Em lugares como Iowa, por exemplo, republicanos querem ampliar as restrições à interrupção da gravidez, o que pode explicar o avanço de Kamala. Em Nevada, os eleitores vão votar por codificar a legalização do aborto na Constituição Estadual, o que também pode ajudá-la.
Democratas usam o tema também em Estados onde as regras sobre aborto já estão definidas, com o argumento de que o retorno de Trump à Casa Branca poderia significar novas restrições, como uma proibição federal — algo que ele nega, mas que seus aliados já discutiram abertamente. É o caso da Pensilvânia, onde os democratas tentam mobilizar o eleitorado feminino nos subúrbios da Filadélfia com esse argumento.
Na última semana, Trump deu uma série de declarações ofensivas contra mulheres em comícios da reta final da campanha. No começo da semana, em Wisconsin, ele disse que seria um protetor das mulheres “quer elas queiram ou não”, o que foi interpretado como um exemplo do comportamento agressivo dele contra o sexo oposto, que inclui ofensas, acusações de assédio e até mesmo de estupro.
Na quinta-feira, 31, ele disse que a deputada republicana Liz Cheney, que se opõe a ele dentro do partido, merecia ser fuzilada por suas posições de política externa.
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