Laços entre Rússia e China preocupam os EUA em meio à crise na Ucrânia

Com Putin a caminho de Pequim, as relações fortalecidas entre Rússia e China causam dor de cabeça aos EUA

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Por Eva Dou e Mary Ilyushina

Enquanto governos ocidentais enfrentam dificuldades para prever as intenções do presidente russo, Vladimir Putin, na Ucrânia, um dos países com a visão mais clara pode ser a China: Putin é aguardado em Pequim nesta sexta-feira, para as cerimônias de abertura da Olimpíada de Inverno e conversas com seu homólogo chinês.

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A viagem de Putin ressalta o foco sobre os laços entre China e Rússia, que se fortaleceram consideravelmente nos anos recentes, ecoando a relação próxima entre os países no início da Guerra Fria. Tanto Pequim quanto Moscou veem sua parceria como um elemento crucial para enfrentar um mundo dominado pelos Estados Unidos, enquanto compartilham recursos e tecnologia - e dividem a atenção dos governos ocidentais.

“Esses dois desafios simultâneos são muito maiores do que se os EUA tivesse de lidar somente com o desafio da China ou o desafio da Rússia”, afirmou Alexander Gabuev, pesquisador-sênior do Centro Carnegie Moscou. “A equipe de Joe Biden é apenas humana: eles só têm 24 horas (no dia) para trabalhar.”

O presidente Xi Jinping, da China, e o presidente russo, Vladimir Putin, durante encontro em Pequim, em 2017. Foto: REUTERS/Damir Sagolj

Em Pequim, Putin se reunirá presencialmente com o presidente Xi Jinping pela primeira vez em quase dois anos, uma oportunidade longamente antecipada para eles discutirem Ucrânia e outros temas. O ministro de Relações Exteriores chinês, Wang Yi, afirmou que o encontro será “um importante evento de relações internacionais”. O Departamento de Estado dos EUA pediu a Pequim na semana passada que use sua influência sobre a Rússia para pressionar Moscou por uma solução diplomática para sua escalada militar nas fronteiras da Ucrânia.

Na última vez que a China sediou Olimpíadas, em 2008, a Rússia invadiu a Geórgia enquanto Putin estava a caminho para as cerimônias de abertura do evento esportivo. Um movimento similar não pode ser descartado, afirmam analistas, apesar do fortalecimento da relação entre China e Rússia desde então deixar Putin mais cauteloso a respeito de estragar a festa de seus anfitriões chineses.

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A China está posicionada para se beneficiar da crise ucraniana, que monopolizou a atenção de governos ocidentais num momento em que eles planejavam alertar para violações de direitos humanos de Pequim com um boicote diplomático à Olimpíada. Além disso, se a Rússia sofrer sanções econômicas do Ocidente, essa situação poderia criar oportunidades de negócios para a China.

Mas M. Taylor Fravel, diretor do programa para estudos de segurança do Instituto Massachusetts de Tecnologia, afirmou que uma guerra na Ucrânia também implica em riscos para a China, então a Rússia não deveria contar tanto com o apoio de Pequim. A China compra uma quantidade significativa de equipamentos militares da Ucrânia e poderia ser pega em meio ao fogo cruzado, afirmou ele.

“A China tem se mostrado disposta a prover apoio diplomático à Rússia até certo ponto”, afirmou Fravel. “Mas a China não quer um conflito armado.”

Até agora, porém, a retórica internacional chinesa tem se colocado firmemente do lado russo. Num telefonema com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, na quinta-feira, o ministro de Relações Exteriores chinês afirmou que as preocupações de segurança da Rússia devem ser levadas a sério e que segurança regional não pode ser garantida com expansão de blocos militares - uma referência clara às objeções da Rússia em relação à possível adesão da Ucrânia à Otan.

“Wang enfatizou que a segurança de um país não deve ocorrer em detrimento da segurança de outros”, noticiou a agência de notícias estatal Xinhua.

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No mês passado, Pequim também expressou apoio ao envio de tropas russas ao Casaquistão para pôr fim à instabilidade no país e ecoou a caracterização da Rússia dos protestos como uma “revolução colorida” - uma referência aos levantes populares contra líderes pró-Moscou ocorridos no Leste Europeu na década de 2000; que, segundo a narrativa russa, foram orquestrados pelos EUA.

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Xi e Putin unem-se não apenas em razão das sanções americanas contra seus países, mas também por sua ambição de ampliar sua influência internacional e seu estilo autoritário de governo. Ambos reescreveram as leis de seus países para permanecer governando e reprimem duramente aqueles que percebem como ameaças ao seu poder.

“Foi precisamente a pressão dos EUA sobre Rússia e China que proveu essa plataforma comum”, afirmou Alexei Maslov, diretor do Instituto de Estudos de Ásia e África da Universidade Estatal Lomonosov de Moscou. “Os países adquiriram subitamente interesses comuns e um entendimento comum sobre a situação. E o mais importante: descobriram valores em comum entre si."

O diplomata chinês Yang Jiechi qualificou as relações sino-russas como “as melhores da história” no ano passado. O ministro de Relações Exteriores russo, Sergei Lavrovv tem enaltecido os laços, qualificando-os como “um modelo de cooperação internacional no século 21”.

Depois dos EUA e vários de seus aliados anunciarem um boicote diplomático aos Jogos de Inverno, Putin expressou publicamente apoio a Pequim, afirmando que a Rússia “está do lado da China contra a politização do esporte e boicotes comprovatórios”. Esse tema causa desconforto na Rússia, que já foi alvo de um boicote liderado pelos americanos na Olimpíada de Moscou, em 1980.

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Com boicote convocado pelos EUA, Putin será um dos principais líderes mundiais na abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022. Foto: AP Photo/Jae C. Hong

China e Rússia discordam a respeito de muitos temas, incluindo reivindicações de território, e a aliança entre os países permanece informal. Gabuev ressaltou que a China não reconhece a anexação da Crimeia pela Rússia, enquanto a Rússia não reconhece a “linha das nove raias” da China, que justificam a reivindicação chinesa sobre o Mar do Sul da China.

“É uma questão puramente racional”, afirmou Maslov. “É muito importante notar que nem Rússia nem China abrem concessões relativas ao seu interesse nacional.”

Em face à ameaça comum da pressão dos EUA, porém, o comércio sino-russo cresce. A Rússia possui vastos recursos naturais e uma forte indústria de softwares, enquanto a China apresenta excelência em hardwares de tecnologia e manufatura. O comércio constante com a China também poderia proteger a Rússia dos piores efeitos das sanções.

O governo de Donald Trump proibiu a venda de tecnologia americana para a Huawei e outras empresas chinesas, acusando-as de ameaçar a segurança nacional americana, e aplicou restrições similares contra empresas russas em razão de supostos ciberataques. Pequim e Moscou rejeitam essas alegações.

As sanções fizeram com que o fundador da Huawei, Ren Zhengfei, determinasse um esforço para contratar mais engenheiros russos. Moscou elogiou a iniciativa, considerando parcerias com ricas empresas chinesas de tecnologia como uma maneira de avançar com sua própria indústria de tecnologia.

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As relações fortaleceram-se também em outros setores, como defesa, cibersegurança e contraterrorismo.

“Os países não possuem um acordo militar formal, não criaram uma aliança militar formal, mas já atuam, de facto, conforme essa união militar”, afirmou Maslov. “Vemos exercícios conjuntos sendo conduzidos e até a participação de mais países.”

O Escritório do Diretor de Inteligência Nacional dos EUA afirmou em seu relatório de 2021 sobre ameaças que monitorou a crescente cooperação militar entre China e Rússia.

A crescente aliança ecoa os anos 50, quando União Soviética e China alinhavam-se contra o Ocidente na Guerra Fria. Num massivo programa de transferência de tecnologia, os soviéticos ajudaram os chineses a montar 156 importantes empreendimentos industriais, enviando 11 mil especialistas à China entre 1954 e 1958, afirmou Joseph Torigian, historiador da American University, em Washington.

“O slogan mais comum que víamos na imprensa chinesa era ‘A União Soviética de hoje é o nosso futuro’”, afirmou Torigian.

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Esse período de amizade sino-russa encerrou-se no início dos anos 60, em meio a diferenças a respeito da intensidade na confrontação aos EUA. Mas após a queda da União Soviética, em 1991, as relações sino-russas voltaram a se aquecer, com os dois países prometendo, em 1996, a constituir uma “parceria igualitária e confiável”.

As relações Pequim-Moscou fortaleceram-se ainda mais nos anos recentes, à medida que ambos os governos enfrentaram sanções e outros desafios similares vindos do Ocidente.

“Se considerarmos quais são os aliados da China, relacionando poderio militar e ideais políticos, veremos que somente a Rússia é sua aliada inequívoca”, afirmou Maslov. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO