O centro de Skopje, capital da Macedônia do Norte, um país dos Balcãs que nasceu há apenas 33 anos como Estado independente, está repleto de história.
Uma estátua de Alexandre, o Grande, ocupa a praça central. Uma estátua do pai dele, Filipe II da Macedônia, ergue-se de uma praça próxima, no topo de um pedestal enorme. A cidade também está repleta de homenagens em bronze, pedra e gesso a gerações de outros heróis daquilo que o país vê como sua longa e gloriosa história.
O problema, no entanto, é que a maior parte da história exposta é reivindicada por outros países. A atual Macedônia do Norte, nascida da dissolução da Iugoslávia na década de 1990, não tem nenhuma ligação real com Alexandre, o Grande, que viveu há 2.000 anos no que hoje é a Grécia, e muitas das outras figuras históricas homenageadas com estátuas são búlgaras.
Slavica Babamova, diretora do museu arqueológico nacional, passou sua carreira desenterrando e exibindo artefatos antigos e não tem problemas em se concentrar no passado. Mas ela disse que estava preocupada com a infinidade de estátuas erguidas pelo seu país em um esforço para construir um estado e uma identidade nacional.
“Temos uma história muito rica, e muitas coisas a dizer. Mas não vejo necessidade de promover todo esse marketing exagerado”, disse ela, apontando para a estátua de Alexandre, o Grande, durante uma entrevista.
Mais importantes para a Macedônia do Norte e indiscutivelmente parte da sua história, acrescentou ela, são a máscara funerária dourada e outros artefatos impressionantes que datam de antes da época de Alexandre e foram encontrados nem uma antiga necrópole perto da aldeia de Trebenishte, localizada no país.
A construção da identidade da Macedônia do Norte há muito que enfurece a Grécia, que reivindica a antiga Macedônia como parte da sua própria herança e tem uma região com o seu nome. Também irritada está a Bulgária, outro vizinho muito possessivo em relação a algumas figuras históricas, especialmente um governante búlgaro do século 10, cujas estátuas ocupam agora o centro de Skopje.
As disputas a respeito de quem é o dono do passado não só perturbaram os acadêmicos, mas também tiveram consequências graves, bloqueando a entrada da Macedônia do Norte na União Europeia. Também obscureceram um ambicioso projeto de construção nacional baseado na história que outros insistem lhes pertencer - particularmente a figura de Alexandre, o Grande.
Herói conquistador cujo império se estendia dos Bálcãs até a Índia no século 4 a.C., Alexandre nasceu em uma cidade que hoje pertence à Grécia. Ele não viveu no território onde hoje é a Macedônia do Norte, segundo os historiadores geralmente concordam, nem falava a língua eslava desse país. Os eslavos chegaram à região centenas de anos mais tarde.
Mas parte do território da Macedônia do Norte fazia parte do antigo Reino da Macedônia e está repleta de sítios arqueológicos contendo artefatos daquela época.
O problema, disse Babamova, diretora do museu, não é que a Macedônia do Norte não tenha nenhuma ligação com a época de Alexandre, o Grande, mas sim que exagerou nas suas afirmações. Isso, acrescentou ela, começou após a desintegração da Iugoslávia, quando os nacionalistas começaram a procurar formas de fortalecer seu frágil novo Estado. “No fim da década de 1990, havia uma espécie de histeria”, disse ela.
A Grécia, furiosa quando seu vizinho declarou independência em 1991 usando o nome Macedônia, prometeu bloquear sua entrada na Otan e na União Europeia.
Como parte de um acordo com a Grécia em 2018, o país concordou em se chamar Macedônia do Norte, um nome que o governo grego aceitou como suficientemente distante do antigo Reino da Macedônia e de Alexandre, o Grande.
Assim que os ânimos acalmaram com a Grécia, a Bulgária apresentou suas próprias queixas históricas, com os nacionalistas insistindo que a Macedônia era uma nação artificial inventada por guerrilheiros comunistas antinazistas, que proclamaram um Estado em 1944 e falavam um dialeto búlgaro. A Bulgária, aliada da Alemanha nazista durante a 2.ª Guerra Mundial, criou obstáculos à adesão do país à União Europeia.
“Temos com a Bulgária o mesmo problema que a Ucrânia tem com a Rússia. Eles dizem: ‘Vocês não existem’”, disse Nikola Minov, professor de história na Universidade de São Cirilo e Methodius, em Skopje.
A Ucrânia tem lutado para afirmar uma identidade separada apenas contra o Império Russo. Mas a terra agora chamada Macedônia do Norte teve de lidar com o Império Romano, do qual fez parte durante cinco séculos, com o Império Otomano, que governou estas regiões até o início do século 20, e com o domínio intermitente de outras forças externas, incluindo os sérvios e búlgaros.
Procurando uma âncora histórica para assegurar um novo país cuja única experiência anterior como Estado independente durou apenas 10 dias, em 1903, o governo central, há uma década, despejou centenas de milhões de euros em um vasto projeto de modernização de Skopje.
O centro da cidade ficou cheio de estátuas e edifícios governamentais e comerciais monótonos foram transformados em palácios com colunatas que lembravam um cenário cafona de Hollywood para um filme sobre a Antiguidade.
A inquieta minoria étnica albanesa do país também mergulhou na história ao afirmar a sua própria identidade separada, erguendo uma grande estátua em homenagem a Skanderbeg, um comandante militar albanês que, no século 15, liderou uma rebelião contra o Império Otomano.
“Sinto falta da velha Skopje”, disse Babamov, diretora do museu, sentindo-se nostálgica pela aparência de sua cidade antes da invasão de estátuas e colunas de estilo grego. “Ela perdeu sua alma.”
As colunas são em sua maioria ocas, e algumas das fachadas antigas falsas já estão começando a desmoronar. O primeiro-ministro que ordenou a reforma, Nikola Gruevski, fugiu para a Hungria em 2018 para escapar de uma condenação por corrupção.
Mas o seu partido, com traços de nacionalismo, regressou ao poder depois de vencer as eleições presidenciais e parlamentares de 8 de maio.
A atual liderança parece ter arrefecido o seu ardor por Alexandre, o Grande, mas não vê razão para remover a estátua dele ou as outras. “Esta não é uma história falsa que acabamos de fabricar”, insistiu o vice-líder do partido, Timco Mucunski. “Há historiadores que dizem que temos ligações reais” com a antiga Macedônia.
Determinado a manter essa ligação, o novo governo irritou a Grécia ao sinalizar que deseja retirar o “Norte” do nome do país. Em uma cerimônia de posse em maio, o presidente recém-eleito referiu-se ao país apenas como Macedônia, o que provocou o embaixador grego a abandonar o evento.
Mucunski, o vice-líder do novo partido no governo, disse que o acordo de 2018 com a Grécia, que atribuiu a Macedônia o nome do país, seria honrado como “uma realidade política e jurídica”, mas acrescentou: “Gostamos disso? Não!”
Dalibor Jovanovski, um proeminente historiador de Skopje, disse que tampouco gostava do nome “Macedônia do Norte”, mas que o via como o infeliz preço a ser pago pela entrada na União Europeia.
“Todos sempre pensam que a história só pertence a eles, que não existe uma história partilhada”, disse ele. “Mas, nesta parte do mundo, tudo é fluido. Está tudo misturado.”
Alguns residentes de Skopje dizem que não gostam da confusão de tantas estátuas, mas muitos se orgulham do que consideram tributos a uma longa e orgulhosa história. “Os gregos o reivindicam”, disse Ljupcho Efremov, passando por Alexandre, o Grande. “Mas ele era Alexandre da Macedônia, não Alexandre da Grécia.”
Bisera Kostadinov-Stojchevska, ex-ministra da cultura, disse que planejava limpar pelo menos algumas das estátuas da cidade, transferindo-as para um parque fora da cidade. Mas ela desistiu depois que sua equipe, instruída a procurar violações da lei de zoneamento, descobriu que “infelizmente, tudo era legal”.
Ela disse que estava particularmente ansiosa para se livrar de uma grande representação do tsar Samuil, um rei búlgaro do século 10. Além de ser feia e obstruir a vista, a estátua, que fica diante da de Alexandre, também “irrita muito os búlgaros”.
Ela tampouco é grande fã de Alexandre, o Grande. “Eu não me sinto conectada a ele de forma alguma. Seja do ponto de vista linguístico, cultural, ou emocional.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.