BALTIMORE - Há 100 anos, no dia 17 de janeiro de 1920, entrava em vigor a 18.ª Emenda à Constituição americana, que mergulhou o país por mais de uma década na Lei Seca, famosa por seus contrabandistas, mafiosos e bares clandestinos. Um século depois, os EUA ainda não fecharam completamente esse capítulo, um dos mais marcantes de sua história.
Na época, duas grandes corujas enfeitavam o luxuoso bar do Hotel Belvedere, em Baltimore. Sem que ninguém dissesse nada, os fregueses observavam de perto as aves. Se elas piscassem, a festa começava: era um sinal de que o bar tinha acabado de receber um novo lote de bebida ilegal, um aviso de que não havia policiais por perto e os clientes poderiam beber em paz.
A Lei Seca (que em inglês era chamada de Proibição) criou um volume grande de histórias e de locais como o Hotel Belvedere. Idealizada por Hollywood – em filmes como Os Intocáveis e Estrada para Perdição – e na literatura, ela marcou a mentalidade dos americanos.
Hoje, algumas cidades dos EUA assistem a um ressurgimento de festas temáticas dos anos 20 ou de bares inspirados nos chamados “speakeasies”, estabelecimentos clandestinos onde os clientes podiam beber cervejas e uísques contrabandeados. “Há uma nostalgia da mitologia dos anos 20”, afirma o historiador Michael Walsh, sentado no Owl Bar, do Hotel Belvedere, que ainda exibe uma das famosas corujas.
Segundo Walsh, a Lei Seca foi fruto de uma convergência de lutas que visavam muito além do alcoolismo endêmico da época e afetavam todos os aspectos da sociedade americana: religião, política, gênero e raça. “Diante do número considerável de violência conjugal, as mulheres formaram movimentos, entre eles a União Cristã de Mulheres da Abstinência, que lideraram a luta contra o consumo de álcool”, disse.
O “nobre experimento”, como o presidente Herbert Hoover o definiu, acabou em 1933, quando Franklin Roosevelt chegou ao poder em um país abalado pela Grande Depressão. A proibição da produção, da venda e do transporte de álcool criou um mercado negro explorado pelo crime organizado, que se expandiu pelos EUA, criando figuras míticas como Al Capone.
A 18.ª Emenda à Constituição americana é a única da história do país a ter sido abolida. Mas, para Walsh, que escreveu um livro sobre o tema, a Proibição não foi de todo ruim. “Nem tudo é preto no branco”, afirmou, apontando para uma redução das taxas de divórcios, de casos de cirrose e de admissões em hospitais psiquiátricos.
A regulamentação do álcool acabou se tornando responsabilidade dos Estados americanos, que repassaram, em muitos casos, o estabelecimento de regras aos municípios. O resultado foi um emaranhado de leis que variam de condado para condado. Atualmente, existem centenas de “condados secos” e de “cidades secas” nos EUA, principalmente nos Estados religiosos do célebre Cinturão da Bíblia, como Kentucky e Arkansas. Neles, a venda de álcool é restrita ou proibida. Ironicamente, é o caso do condado de Moore, no Tennessee, onde fica a destilaria de uísque Jack Daniels.
Outro resquício dessa era que é menos conhecido é o Partido Proibicionista. Fundado em 1869, atualmente é o terceiro partido político mais antigo dos EUA. A legenda tem um camelo como mascote e apresentará, como faz a cada quatro anos, um candidato às eleições presidenciais de novembro.
“Após a abolição da Proibição, muitas pessoas ainda compactuavam com os princípios do partido de lembrar as pessoas dos efeitos prejudiciais que o álcool pode ter em termos de doenças ou acidentes de trânsito”, disse o atual candidato presidencial do partido, Phil Collins.
Os proibicionistas esperam sair das urnas em novembro com um resultado melhor do que os 5 mil votos que tiveram em 2016. Donald Trump perdeu o irmão mais velho Fred em decorrência do alcoolismo e é abstêmio convicto. Em campanha pela reeleição, o presidente não prometeu restabelecer a Lei Seca nos EUA – por enquanto.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.