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‘Levei 3 tiros enquanto cuidava de uma soldado’, afirma enfermeira que sobreviveu ao ataque do Hamas

A enfermeira Michal Elon viajou com sua família para uma base militar em Zikim, na fronteira com a Faixa de Gaza, um dia antes do ataque terrorista do Hamas; ela ficou ferida e passou 2 meses no hospital

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Foto do author Daniel Gateno
Atualização:
Foto: Hadassah International/Reprodução
Entrevista comMichal ElonEnfermeira e sobrevivente dos ataques terroristas do Hamas

A enfermeira Michal Elon e sua família viajaram até uma base militar em Zikim, no sul de Israel, para passar o final de semana na sexta-feira, dia 6 de outubro do ano passado. Elon costuma se voluntariar para criar um clima familiar e melhorar a experiência dos soldados israelenses durante os finais de semana que eles estão longe de casa. A base militar de Zikim contava apenas com jovens que tinham acabado de entrar no Exército.

Após uma divertida sexta-feira à noite, com jogos de tabuleiro e histórias, todos acordaram às 6h da manhã do sábado, dia 7 de outubro, com foguetes e uma invasão terrestre de terroristas do Hamas. Apesar da proximidade da base militar com a Faixa de Gaza, Elon e sua família se sentiam seguros antes do ataque. “Minha filha de 14 anos perguntou na noite antes de irmos se existia algum protocolo de segurança e os soldados falaram que nunca acontecia nada e que se o Hamas atacasse com foguetes, existiam abrigos antibomba”, aponta a enfermeira.

Durante o ataque terrorista do Hamas, que deixou mais de 1.200 pessoas mortas em Israel, Elon se voluntariou para cuidar dos feridos da base. A enfermeira levou três tiros, no peito, estômago e em seu braço e ficou hospitalizada por dois meses.

Terroristas do Hamas invadem o território israelense no dia 7 de outubro Foto: Mohammed Fayq Abu Mostafa/NY

Elon viajou a São Paulo a convite da organização Hadassah Internacional, para o lançamento da campanha global #EndTheSilence em defesa das mulheres israelenses que foram vítimas de violência sexual por terrorista do Hamas. Com a voz embargada, Elon relatou os acontecimentos do dia 7 de outubro ao Estadão na quarta-feira, 6. Ela ainda não se recuperou totalmente, nossa entrevista foi atrasada por conta de uma sessão de fisioterapia que a enfermeira teve que realizar após dores no braço.

A enfermeira aponta que o anuncio da ONU de que um relatório encomendado pela organização encontrou “informações convincentes” de violência sexual no ataque do Hamas ocorreu “muito tarde e foi muito pouco”. Tel-Aviv aponta que a organização demorou para abrir uma investigação sobre o ocorrido e reconhecer a possível existência de violência sexual nos ataques terroristas.

Jorge Diener, diretor-executivo da organização Hadassah Internacional, acompanhou a entrevista ao lado de Elon e apontou que a organização vai enviar uma petição à ONU pedindo uma investigação independente e mais aprofundada. “Queremos uma comissão independente, que chame o Hamas pelo que é, uma organização terrorista. Violência sexual não pode ser aceita em nenhum lugar, não em Israel, não na Ucrânia, em Gaza ou Ruanda. Em nenhum lugar”.

O local em que um festival de música estava acontecendo durante o ataque terrorista do Hamas no sul de Israel ficou totalmente depredado  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Confira trechos da entrevista:

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O que você estava fazendo em uma base militar perto de Gaza no dia 6 de outubro?

É a pergunta mais comum que eu recebo, o que eu estava fazendo em uma base militar se eu não sou uma soldado e meu marido também não é um soldado. Nós nos voluntariamos como família, já tínhamos feito isso antes, de irmos a bases militares para passarmos um Shabat (o dia do descanso da semana para a religião judaica, que vai de sexta-feira à noite até sábado à noite). A ideia é fazer com que os soldados não se sintam sozinhos e que tenham um ambiente de família no final de semana.

Você se sentia segura em estar em uma base militar perto da Faixa de Gaza?

Sim, eu me sentia bem segura e os soldados também. Nós perguntamos antes de ir se era perigoso e o Exército respondeu que tudo estava calmo, que não iria acontecer nada. Minha filha de 14 anos perguntou na noite antes de irmos se existia algum protocolo de segurança e os soldados falaram que nunca acontecia nada e que se o Hamas atacasse com foguetes, existiam abrigos antibomba. Então todos estavam muito calmos e a maioria dos soldados estava em treinamento, eram jovens de 18 anos que tinham acabado de entrar no Exército.

Se você puder me contar um pouco mais sobre o que lembra do dia 7 de outubro

Sem problemas. Fui para a base com meu marido e meus oito filhos e nós dormimos na base militar na sexta-feira à noite, jantamos com os soldados, conhecemos melhor eles. Nos despedimos dos soldados de noite e às 6h da manhã do sábado eu ouvi um barulho muito forte e naquele momento eu achei estranho. Cinco minutos depois disso eu ouvi sirenes e acordei meus filhos.

Sabíamos que algo poderia acontecer, mas achei que iria passar logo. Estávamos muito perto de Gaza então os foguetes acabaram passando por Zikim, mas naquele dia eles caíram em Zikim. Os barulhos aumentaram e eu e meu marido tentamos acalmar as crianças. Ligamos para o comandante da base e ele não respondeu, depois de um tempo conseguimos contato com outra pessoa da base e ele nos disse que não estávamos seguros, que precisávamos sair daquele local.

A enfermeira Michal Elon viajou a São Paulo para o lançamento da campanha global #EndTheSilence em defesa das mulheres israelenses que foram vítimas de violência sexual  Foto: Rodolfo Chierighini/Hadassah Internacional

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Meu marido saiu com um dos nossos filhos para procurar um abrigo e um soldado que conhecemos na sexta-feira à noite entrou no nosso quarto e nos disse para sairmos de lá logo. Na saída encontramos meu marido e meu filho e fomos todos para um abrigo. Vimos cerca de 70 soldados no abrigo, eles estavam usando pijamas, mas estavam com suas armas.

Esperamos no abrigo e achávamos que iria passar logo. Conversamos, e rimos um pouco para passar o tempo. Mas vimos que os comandantes estavam cada vez mais tensos e aos poucos todos os soldados foram saindo do abrigo para ajudar de alguma forma. Ficamos com um comandante no abrigo que tentou nos tranquilizar, mas algo não estava bem. Os foguetes também continuavam caindo.

O comandante afirmou que precisava de quatro soldados para ajudar uma soldado que tinha sido ferida. Eles trouxeram a soldado para dentro do abrigo, todos eles tinham 18 anos, estavam no Exército há dois meses, não sabiam o que fazer. Eu disse que era uma enfermeira treinada e poderia ajudar.

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Eu fui até a soldado, ela estava em condições horríveis, com um ferimento na cabeça muito forte e sangrando muito. Eu tentei parar o sangramento, mas não pude fazer muito. Depois do ataque do dia 7 de outubro foi possível ver que ela tinha uma bala presa em seu crânio, eu não consegui ver isso na hora, mas tentei ajudar a soldado na hora. Ela estava muito inquieta e me disse que sua cabeça estava explodindo e que precisava ir ao banheiro.

Israelenses protestam em frente ao consulado americano em Tel-Aviv, Israel, pela libertação dos reféns que estão na Faixa de Gaza  Foto: Jack Guez/AFP

Nós ajudamos ela a ir do abrigo para um quarto porque ela queria ir ao banheiro. Ela se acalmou depois disso e perdeu a consciência. Naquele momento eu me virei para pegar água e uma toalha e ouvi um tiroteio bem perto do quarto em que estávamos. Eu vi um soldado que estava na entrada do quarto caindo após levar um tiro na cabeça. Ele morreu na nossa frente e eu não pude fazer nada.

Arrastamos o corpo do soldado para dentro do quarto. Eu não sabia o que fazer, pensei em me esconder. Um outro soldado apareceu no nosso quarto, eu fiquei aliviada porque achei que ele poderia nos levar para um outro abrigo, mas eu olhei para seu uniforme e vi que algo estranho estava acontecendo. Eu olhei para o rosto do homem que tinha aparecido e ele era muito mais velho do que os soldados daquela base militar, naquele momento eu entendi que ele não era um soldado, era um terrorista.

Ele olhou para a soldado que eu estava cuidado, que chamava Noa, e ele não atirou nela porque achou que já estava morta. O terrorista do Hamas olhou para mim, pegou a sua arma e atirou em mim. Eu levei três tiros, um no meu peito, outro no estômago e um último tiro no braço.

Eu senti principalmente o tiro no meu braço, eu senti o meu braço caindo. Eu sabia que precisava fazer alguma coisa, então eu tirei o turbante que estava na minha cabeça e eu fiz um torniquete no meu braço e sabia que precisava voltar para o abrigo. Quando eu fiz isso, eu caí, não perdi a consciência, mas cai. Os soldados que estavam lá foram falar com o meu marido e avisaram que eu estava ferida.

Os soldados nos abrigos tentaram ajudar a estancar os sangramentos que tinham me atingido e aí esperamos no abrigo. Outros soldados feridos também estavam no abrigo. Eu estava tentando tranquilizar os meus filhos de que eu estava bem e eles me ajudaram muito naquele momento.

Um soldado tentou enfrentar o terrorista do Hamas que atirou em mim, o terrorista era muito organizado e preparado, ele era da Nukba, uma unidade de elite do Hamas. Quando o soldado pulou no terrorista, o homem pegou uma faca e esfaqueou o soldado na cabeça. Então esse soldado estava junto comigo, ele era um dos feridos no abrigo. E aí nós esperamos.

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Armas e granadas do grupo terrorista Hamas que foram apreendidas pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) Foto: Heidi Levine/The Washington Post

Tentamos chamar uma ambulância, mas eles disseram que não poderiam ir até o lugar onde estávamos por conta do tiroteio. Algum tempo depois, o Exército apareceu e conseguimos ajuda.

Tínhamos que ficar quietos porque ainda tinham terroristas do Hamas nas proximidades. Alguns soldados tiveram que ficar guardando a entrada do abrigo com armas. Era um abrigo antibombas e não contra terroristas. Eu vi que minha filha pegou uma arma de um soldado que estava ferido e estava ajudando a guardar a porta do abrigo. Ela tem 20 anos, então foi inteligente da parte dela pegar uma das armas do soldado, ela tinha mais experiência que todos eles no Exército.

Algumas horas depois, o Exército nos salvou e eu fui transferida para um hospital em Ashkelon.

Quando tempo durou a sua recuperação?

Eu fiquei dois meses hospitalizada e depois mudei para uma unidade de reabilitação. Não ia todos os dias, mas três vezes por semana, depois fiz fisioterapia, terapia ocupacional, hidroterapia e também tenho uma psicóloga. Eu estou melhorando, é um processo difícil, mas estou melhorando.

Como você avalia a divulgação de um relatório da ONU que afirmou que existem evidencias de que terroristas do Hamas praticaram violência sexual contra israelenses?

Avalio que é muito pouco e foi tarde demais.

Como enfermeira, uma pessoa que ajuda as pessoas a se recuperarem, qual é a sua opinião sobre a situação humanitária em Gaza?

Eu me preocupo por qualquer pessoa que esteja ferida. Mas estamos em uma guerra, e infelizmente tudo pode acontecer em uma guerra. Israel está fazendo o possível para que mortes de civis não ocorram em Gaza.

Meu filho é um soldado e ele estava na Faixa de Gaza até um mês atrás. E ele me disse o que o Exército estava fazendo e as precauções que o Exército estava tomando para não machucar ninguém. Os soldados ajudaram pessoas, idosos e crianças.

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Sou contra a morte de civis, mas em uma guerra muitas pessoas podem se machucar e temos que fazer o nosso melhor para que isso não aconteça. Não tivemos escolha, não queríamos essa guerra.

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