Um ano após a explosão na região portuária de Beirute, que matou mais de 200 pessoas, feriu 5 mil e espalhou destruição por quilômetros, o Líbano ainda enfrenta uma grave crise política e econômica, agravada pela tragédia de 4 de agosto do ano passado.
O governo afirmou que um curto-circuito causou incêndio e explosão em um depósito de fogos e em outro onde estavam 2,7 mil toneladas de nitrato de amônia. O prédio da embaixada do Brasil foi afetado. A fragata brasileira Independência, usada em missão da ONU no país, deixou o local cerca de dez minutos antes da explosão. A hipótese de atentado foi afastada, mas o acidente levou pânico ao país, alvo frequente de violência sectária.
Testemunhas relataram tremor e janelas quebradas em várias partes da capital do Líbano. O violento choque foi sentido até no Chipre, ilha que fica a 240 quilômetros de distância. Embora autoridades tenham descartado um ataque ou um atentado como causa, o acidente levou pânico a uma cidade traumatizada por anos de violência e guerra civil.
Foram duas explosões. A primeira, segundo a TV Al-manar, veículo oficial do Hezbollah, foi causada por uma falha elétrica pouco antes das 18 horas (12 horas em Brasília). Ela teria provocado um incêndio em um depósito de fogos de artifício. Philip Boulos, que governa a região de Beirute, disse que uma equipe de bombeiros foi enviada para conter o fogo. Alguns minutos depois, veio a segunda explosão.
Em um país que vive sob o espectro constante da violência sectária, da ameaça de ataques de países vizinhos e ainda não se livrou dos traumas da guerra civil, as explosões provocaram pânico generalizado, com pessoas em fuga da região portuária, de carro ou a pé. Em pouco tempo, feridos começaram a lotar hospitais como o Rizk, um dos mais próximos do local da explosão, que realizou 400 atendimentos.
Veja, abaixo, o que se sabe e o que falta esclarecer:
Qual é o número de mortos ou feridos?
A contagem oficial do governo libanês aponta que 214 pessoas morreram após a explosão e cerca de 6,5 mil ficaram feridos.
Na época, o presidente do país, Michel Aoun, defendeu que a capital deveria declarar estado de emergência por duas semanas e disse ser "inaceitável" que 2.750 toneladas de nitrato de amônio fossem armazenadas por seis anos em um depósito sem a segurança necessária.
O então primeiro-ministro, Hassan Diab, disse em pronunciamento que o país enfrenta uma catástrofe e declarou luto oficial de um dia. "Eu prometo que esta catástrofe não passará sem que os culpados sejam responsabilizados. Os responsáveis pagarão o preço", afirmou.
Um fotógrafo da agência Associated Press perto do porto de Beirute viu feridos no chão e uma destruição generalizada no local. A rede libanesa de transmissão LBCI informou que no hospital Hotel Dieu havia mais de 500 pessoas sendo atendidas. Foi feito um pedido de doações de sangue.
O que causou a explosão?
O governo afirmou que um curto-circuito causou incêndio e explosão em um depósito de fogos e em outro onde estavam 2,7 mil toneladas de nitrato de amônia.
Foram duas explosões. A primeira, segundo a TV Al-manar, veículo oficial do Hezbollah, foi causada por uma falha elétrica pouco antes das 18 horas (12 horas em Brasília). Ela teria provocado um incêndio em um depósito de fogos de artifício.
Philip Boulos, que governa a região de Beirute, disse que uma equipe de bombeiros foi enviada para conter o fogo. Alguns minutos depois, veio a segunda explosão.
Onde ocorreu a explosão?
O chefe de segurança interna do Líbano, Abbas Ibrahim, disse que a explosão, na região portuária do Líbano, aconteceu numa seção que armazena materiais que podem ser altamente explosivos - o nitrato de amônio.
A explosão no armazém do porto causou destruição em larga escala e quebrou o vidro de janelas a quilômetros de distância. Alguns barcos que navegavam próximos à costa do Líbano chegaram a ser balançados pela força da explosão.
As explosões chegaram a ser ouvidas em Larnaca, no Chipre, a pouco mais de 200 km da costa libanesa.
Uma embarcação da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) foi danificada após a explosão no porto. Em um comunicado, os capacetes azuis informaram que alguns membros da missão de paz se feriram e foram transferidos para hospitais do país.
O que é nitrato de amônio?
O nitrato de amônio é um fertilizante amplamente usado na agricultura - e já esteve ligado a outras explosões no passado.
O composto, por si só, é relativamente pouco explosivo - mas tem grande potencial explosivo. Ele se apresenta como um pó branco ou em grânulos solúveis em água e é seguro, desde que não aquecido.
A partir de 210 °C, decompõe-se. E, se a temperatura aumentar para além de 290 °C, isso pode causar uma reação que pode tornar-se explosiva.
Um incêndio, tubos superaquecidos, fiação defeituosa ou relâmpagos podem ser suficientes para desencadear tal reação em cadeia. Mas, para que uma explosão ocorra, deve haver também uma quantidade significativa de nitrato de amônio, segundo especialistas.
Fundamental para a produção de alimentos, o nitrato de amônio precisa ser armazenado com restrições.
A fórmula química do nitrato de amônio - NH4NO3 - pode também ser usada na fabricação de explosivos e bombas, como no caso no atentado em Oklahoma, em 1995, e no ataque em Oslo, em 2011.
Especialistas afirmam que não se armazena nitrato de amônio em grande escala com segurança. É necessário dividir o produto em pequenas porções para conter um possível estrago. E, principalmente, produzir e já transportar para onde será usado.
Por que o nitrato de amônio é tão explosivo?
Quando um composto explosivo detona, ele libera gás que se expande rapidamente. Essa “onda de choque” é essencialmente uma parede de ar denso que pode causar danos e se dissipa à medida que se espalha.
Uma massa explosiva de nitrato de amônio produz uma explosão que se move muitas vezes a velocidade do som, e essa onda pode refletir e saltar à medida que se move - especialmente em uma área urbana como a orla de Beirute - destruindo alguns edifícios, deixando outros relativamente intactos.
O poder explosivo do nitrato de amônio pode ser difícil de quantificar em termos absolutos, dada a idade e as condições em que foi armazenado. No entanto, pode ser tão alto quanto cerca de 40% da potência do TNT.
Com 40% da potência do TNT, a detonação de 2.750 toneladas de nitrato de amônio poderia produzir 1 p.s.i. de sobrepressão - definida como a pressão causada por uma onda de choque acima e acima da pressão atmosférica normal - a até 600 metros de distância.
A mesma explosão produziria 27 p.s.i. a uma distância de 793 pés de distância, o que destruiria a maioria dos edifícios e mataria pessoas por trauma direto ou atingido por detritos.
A detonação acidental de nitrato de amônio causou uma série de acidentes industriais mortais, incluindo o pior da história dos Estados Unidos: em 1947, um navio que transportava cerca de 2.000 toneladas de nitrato de amônio pegou fogo e explodiu no porto de Texas City, Texas, iniciando uma reação em cadeia de explosões e chamas que mataram 581 pessoas.
O produto químico também foi o principal ingrediente das bombas usadas em vários ataques terroristas, incluindo a destruição do prédio federal em Oklahoma City em 1995, que matou 168 pessoas. Essa bomba continha cerca de duas toneladas de nitrato de amônio.
De onde veio o nitrato de amônio?
Cartas mostram que as autoridades sabiam do perigo causado pela carga de nitrato de amônio no porto de Beirute seis anos antes da explosão mortal.
A explosão de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, usado em bombas e fertilizantes, armazenadas em um hangar no porto de Beirute, levou os libaneses a se perguntar o que uma carga altamente inflamável fazia ali.
Segundo a rede televisão árabe Al Jazeera, a análise de registros e documentos públicos mostra que altos funcionários libaneses sabiam há mais de seis anos que o nitrato de amônio estava armazenado no Hangar 12 do porto de Beirute. E que eles estariam cientes dos perigos que isso representava.
A carga de nitrato de amônio chegou ao Líbano em setembro de 2013, a bordo de um navio de carga de propriedade russa com uma bandeira da Moldávia.
O Rhosus, de acordo com informações do site de rastreamento de navios, Fleetmon, estava indo da Geórgia para Moçambique, afirma a reportagem da Al Jazeera.
O navio foi forçado a atracar em Beirute depois de enfrentar problemas técnicos no mar, segundo advogados representando a tripulação do barco. Mas as autoridades libanesas impediram a embarcação de navegar e o navio foi abandonado por seus proprietários e tripulação - informações parcialmente corroboradas pela Fleetmon.
A carga perigosa do navio foi descarregada e colocada no Hangar 12 do porto de Beirute, uma grande estrutura cinza de frente para a principal rodovia norte-sul do país, na entrada principal da capital.
Como foi a explosão?
Imagens divulgadas nas redes sociais mostram uma nuvem de fumaça em um galpão próximo ao porto, sendo sucedida de pequenos estopins e, com flashes de luzes e estrondos localizados.
Foi o primeiro incêndio, em um depósito de fogos de artifício, localizado perto do local onde era armazenado o nitrato de amônio.
Em seguida, houve uma grande detonação, com a formação de um cogumelo gigante de calor que provocou a destruição de imóveis próximos ao local.
Os vídeos mostram um efeito varredura, com uma devastação ao longo da área atingida pela explosão e destruição de imóveis em larga escala e por quilômetros de distância. Pessoas foram jogadas ao mar e carros virados de ponta cabeça.
O que relataram brasileiros no Líbano?
As explosões na região portuária de Beirute "pareciam um terremoto", segundo relatou a brasileira Catharina Ghoussein, de 23 anos, ao Estadão.
Moradora de um bairro localizado a cerca de sete quilômetros do Porto, no subúrbio da cidade, Catharina estava na sala de casa quando sentiu os tremores. “Minha mãe acordou e começou a ficar desesperada. Ouvimos um barulho que parecia de avião, achei que Israel tinha atacado o país”, conta.
Muitas casas do bairro tiveram vidros e portas quebradas. "Saímos para a sacada para ver a situação dos nossos vizinhos e tinha muita gente na rua. Os animais (de estimação) estavam todos estressados."
As explosões foram ouvidas em vários bairros da cidade e fora dela. No Chipre, uma ilha mediterrânea situada a 240 km a noroeste de Beirute, os moradores relataram ter ouvido as duas grandes explosões em rápida sucessão.
Hospitais da cidade ficaram lotados e chegaram a recusar feridos por falta de capacidade para atendimento. “A situação está bem tensa, muita gente em Beirute está sem casa e tem muitos feridos”, conta Catharina. “Os hospitais estão ficando saturados de pessoas machucadas."
Para ela, a explosão deve ter grandes consequências nos próximos dias. “O país já estava em uma crise econômica horrível, e toda a comida e os alimentos básicos vinham do porto de Beirute”, conta. “Com essa explosão, tudo vai piorar. Muita gente vai passar fome."
Como ficaram os brasileiros no Líbano?
Segundo o Itamaraty, não havia notícia de cidadãos brasileiros mortos ou gravemente feridos. O Ministério das Relações Exteriores informou que acompanha os acontecimentos por meio da Embaixada do Brasil em Beirute e está pronto para prestar a assistência consular cabível.
A casa onde vive o executivo brasileiro Carlos Ghosn, ex-presidente da aliança Renault-Nissan, que se refugiou em Beirute depois de fugir da Justiça japonesa, em dezembro, foi destruída pela explosão que ocorreu nesta terça-feira, 4, na capital do Líbano. "Estamos todos bem, mas a casa está destruída", disse Carole Ghosn, esposa de Carlos, ao Estadão. "Beirute inteira está destruída."
A Marinha do Brasil informou, em nota, que os militares que compõem a Força Tarefa Marítima (FTM), em missão no Líbano, "estão bem e não há feridos".
Como a comunidade internacional reagiu?
Israel se apressou em negar que tenha atacado alvos em Beirute - nos últimos dias, forças israelenses e milicianos do Hezbollah trocaram tiros na fronteira. “Não temos nada a ver com a explosão”, afirmou um funcionário do governo israelense ao jornal The Jerusalem Post. Pouco antes, o ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, havia oferecido ajuda e assistência humanitária.
A Casa Branca informou estar acompanhando com muita atenção o desenvolvimento dos fatos ligados à explosão em Beirute. O presidente Donald Trump foi informado e segue de perto os acontecimentos. Na noite desta terça-feira, Trump disse que as explosões pareciam um "ataque terrível".
Por que o Líbano vive instabilidade política?
O Líbano vive um período de instabilidade política. No fim do ano passado, o primeiro-ministro Saad Al-Hariri renunciou. O país viveu um período com um vácuo de poder, até que Hassan Diab assumiu e anunciou a formação de um novo governo em janeiro. O gabinete foi anunciado em meio a uma série de protestos.
Nesta sexta-feira, 7, um tribunal apoiado pela ONU deve divulgar seu veredito no julgamento contra quatro homens acusados de terem participado do assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri em 2005, uma etapa fundamental em um longo processo no qual os suspeitos continuam em liberdade.
Os réus, todos membros do movimento xiita do Hezbollah, estão sendo julgados à revelia pelo Tribunal Especial do Líbano (TSL), com sede em Haia, encarregado de ditar a sentença 15 anos após o atentado com um carro-bomba no centro de Beirute. Nele, morreram o bilionário sunita e outras 21 pessoas.
O assassinato de Hariri, pelo qual quatro generais libaneses foram inicialmente acusados, desencadeou uma onda de protestos que forçou a retirada das tropas sírias do país, após uma presença de 30 anos no país.
Em março deste ano, o país deu um calote em seus credores. O Líbano deveria reembolsar US$ 1,2 bilhão em títulos do Tesouro, dos quais uma parte significativa está nas mãos dos bancos e do Banco Central, e decidiu não fazer isso.
Por que o Líbano enfrenta uma crise econômica?
O Líbano está imerso numa catástrofe econômica - a mais severa desde o fim da guerra civil que arrasou o país de 1975 a 1990.
A situação é resultado da convergência de má administração, corrupção e instabilidade política. O cenário causou fome e desespero - cenas até então raras num país que, até a década passada, era considerado um oásis de prosperidade no Oriente Médio.
A devastação, que analistas comparam à hiperinflação e ao desabastecimento registrados na Venezuela, faz com que o número de suicídios, relacionados à crise econômica, venha aumentando e causando comoção no país.
Nesse contexto de recessão econômica desde 2019, a pandemia do novo coronavírus apenas mascarou o caos. O Líbano registrou 5 mil casos e 62 mortes. Com o fim da quarentena, novos protestos voltaram a refletir o país em frangalhos, com cortes salariais e demissões.
No ano passado, a onda de descontentamento levou à demissão do primeiro-ministro Saad Hariri. A gota d’água para o fim do governo de unidade foi a proposta de novos impostos sobre cigarro, gasolina e de chamadas de voz pelo WhatsApp. O governo foi obrigado a recuar.
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