O líder do grupo mercenário Wagner, Ievgeni Prigozhin, disse neste sábado que suas tropas entraram em Rostov-on-Don, cidade no sul da Rússia estratégica para as linhas de abastecimento das forças que combatem na Ucrânia, após o governo russo tê-lo acusado de tramar um golpe contra o Kremlin. Prigozhin afirmou ainda ter derrubado um helicóptero russo que disparava contra suas tropas. Em Moscou, vídeos nas redes sociais mostraram blindados circulando pelas ruas da capital e de Rostov.
Horas depois, Prigozhin publicou um vídeo em um dos quartéis de Rostov afirmando ter assumido o controle das instalações militares locais. “As instalações militares de Rostov estão sob controle, incluindo o aeroporto”, disse enquanto homens uniformizados marchavam atrás.
Prigozhin garantiu que as aeronaves militares envolvidas na ofensiva russa na Ucrânia “decolam normalmente” do local para realizar suas “tarefas de combate”, afirmando que não atrapalham as operações.
“Inúmeros territórios” conquistados na Ucrânia “foram perdidos” e “muitos soldados foram mortos”, disse ele, acusando novamente os militares russos de não dizerem a verdade sobre a situação no front. O exército russo perde até mil homens por dia, “mortos, desaparecidos, feridos e os chamados ‘desertores’ que se recusam a lutar não porque estão intimidados, mas porque não têm outra saída: não têm munição, não têm comando”, disse ele.
“O chefe de gabinete fugiu daqui assim que soube que estávamos nos aproximando do prédio”, acrescentou.
Anteriormente, outro canal do Telegram afiliado a Wagner postou um vídeo de uma reunião entre Prigozhin em Rostov-on-Don com o vice-ministro da Defesa Yunus-Bek Evkurov e o vice-comandante do Estado-Maior Vladimir Alexeyev.
Prigozhin declarou que, enquanto Wagner “não tiver o chefe do Estado-Maior russo, Valery Gerasimov, e o ministro da Defesa, Sergey Shoigu, em seu poder, seus mercenários bloquearão a cidade de Rostov” e “avançarão em direção a Moscou”.
Em nota neste sábado, o Kremlin disse que ”Putin enviará uma mensagem em breve”, disse o porta-voz da presidência, Dmitry Peskov, às agências de notícias russas.
Aliado próximo de Vladimir Putin, Prigozhin ganhou importância política e militar ao liderar os mercenários do grupo Wagner em missões na Síria, na África e agora na Ucrânia. Nos últimos meses, no entanto, vinha tendo discordâncias com a cúpula militar russa, a quem acusava de não enviar armas suficientes para os combatentes do grupo, que enfrentavam os ucranianos em Bakhmut.
O impasse atual marca um colapso impressionante no relacionamento de Prigozhin com Putin. Há apenas um mês, o presidente russo emitiu uma declaração parabenizando as “unidades de assalto Wagner” de Prigozhin por seu papel na captura da cidade ucraniana de Bakhmut pela Rússia.
Entrada em Rostov-on-Don
Prigozhin afirmou no início do sábado que suas forças cruzaram para a Rússia a partir da Ucrânia e chegaram a Rostov, dizendo que não enfrentaram resistência de jovens recrutas nos postos de controle e que suas forças “não estão lutando contra crianças”.
“Mas vamos destruir qualquer um que estiver em nosso caminho”, disse ele em uma série de vídeos raivosos e gravações de áudio postadas nas redes sociais a partir da sexta-feira. “Estamos avançando e vamos até o fim.”
Por volta das 4h, o governador da região de Rostov, na fronteira com a Ucrânia – onde Prigozhin afirma ter liderado seus combatentes – emitiu um comunicado ao público. “As autoridades policiais estão fazendo todo o necessário para garantir a segurança dos moradores da região”, disse o governador Vasily Golubev em um post no Telegram. “Peço a todos que fiquem tranquilos e não saiam de casa sem necessidade”.
Mais cedo, o Serviço Federal de Segurança da Rússia anunciou um processo criminal contraPrigozhin, acusando ele de “incitação à rebelião armada” depois que Prigozhin declarou um conflito aberto com a liderança militar da Rússia e convocou os russos a se juntarem a 25 mil combatentes do Wagner contra o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e outros comandantes importantes.
Troca de acusações
Prigozhin, cuja empresa militar privada ajudou a Rússia a tomar a cidade ucraniana de Bakhmut, o único ganho territorial significativo de Moscou este ano, acusou os militares russos na sexta-feira de realizar um ataque a um campo de Wagner e pareceu ameaçar Shoigu, declarando: “Essa escória vai ser detida!”
Em uma rara declaração no final da noite, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o presidente Vladimir Putin havia sido informado sobre a situação e que “todas as medidas necessárias” estavam sendo tomadas.
Em janeiro, segundo os documentos secretos do Pentágono vazados na plataforma Discord, Prigozhin afirmou que se Kiev retirassem seus soldados da área ao redor de Bakhmut, ele daria a Ucrânia informações sobre as posições das tropas russas que a Ucrânia poderia usar para atacá-los. Prigozhin transmitiu a proposta a seus contatos no diretório de inteligência militar da Ucrânia, com quem manteve comunicações secretas durante a guerra.
Suposto ataque a acampamento
Na sexta-feira, Prigozhin postou um vídeo que supostamente mostrava o ataque ao acampamento onde, segundo ele, muitos de seus combatentes foram mortos. O vídeo mostrava fumaça crescente e sinais de destruição, mas nenhuma evidência do grande número de vítimas que ele alegou.
Após uma reunião que ele descreveu como um conselho de comandantes de guerra de Wagner, Prigozhin postou uma mensagem de áudio no Telegram no final da sexta-feira avisando que “aqueles que destruíram nossos homens hoje e dezenas de milhares de vidas de soldados russos serão punidos. Peço a ninguém que resista”.
Qualquer resistência seria considerada uma ameaça e imediatamente destruída, incluindo bloqueios de estradas e aeronaves, declarou ele.
Prigozhin, um bilionário, ganhou sua fortuna e o apelido de “chef de Putin” por meio de contratos de aprovisionamento com o governo, inclusive para escolas e militares. Além de ser um dos fundadores da Wagner, ele é proprietário da Internet Research Agency, uma notória operadora de “fazendas de trolls”, e se gaba de ter se intrometido nas eleições dos Estados Unidos, pelo que foi colocado sob sanções pelo Departamento do Tesouro dos EUA. /NYT, AFP E AP
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