O apoio do Brasil ao ataque americano que matou na semana passada no Iraque o general Qassim Suleimani, principal militar iraniano, preocupa líderes setor agropecuário brasileiro. Eles pregam maior cautela no campo diplomático para não atrapalhar os negócios. O Brasil é o país que mais exporta produtos agropecuários para o Oriente Médio, ganhando cerca de US$ 9 bilhões por ano.
“O Oriente Médio é um grande parceiro do Brasil em termos de alimentação. Temos muitos interesses lá”, alerta o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Alysson Paulinelli. Ele diz que a atual crise, com o embargo dos EUA ao Irã, já prejudica o comércio, mas garante que uma escalada seria pior.
“Devemos ter cautela, não temos de chamar essa briga para nós, não precisamos nos envolver. O que queremos com isso?”, questiona o deputado federal Neri Geller (PP-MT), ex-ministro da Agricultura. Ele sugere que o Brasil trabalhe pela pacificação e construção de mais relações comerciais no exterior e frisa que o Irã é um comprador importante de produtos como milho, soja e carne bovina do Brasil.
Segundo dados do Insper Agro Global, o Brasil é o maior fornecedor de alimentos para o Oriente Médio, seguido por Índia e EUA. O setor de agronegócio representa 97% das exportações brasileiras ao Irã.
Balança comercial
Em 2018, o Irã foi o quinto maior destino das exportações brasileiras do setor agrícola, após China, União Europeia, EUA e Hong Kong. O Brasil exportou US$ 2,28 bilhões em produtos agrícolas ao Irã e importou US$ 39,92 milhões. Isso criou um superávit de US$ 2,218 bilhões no ano. Ainda em 2018, o Brasil exportou US$ 550 milhões em produtos agrícolas para o Iraque.
“O Irã comprou, no ano passado, US$ 2,2 bilhões do Brasil – basicamente, milho, soja e carne bovina”, afirma Marcos Jank, professor de agronegócio global do Insper e conselheiro internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Isso coloca o país como o principal destino dos produtos brasileiros na região.
“Não deveríamos tomar partido neste momento de radicalização e conflitos. Temos de reservar nossos grandes interesses no Oriente Médio, que compra quase duas vezes mais produtos agropecuários do Brasil do que os EUA”, disse Jank.
O Irã também é o segundo maior mercado para o milho brasileiro e o quinto maior destino da carne bovina e da soja exportadas pelo Brasil, segundo dados do Ministério de Relações Exteriores.
Na sexta-feira, logo após a morte de Suleimani, o Itamaraty divulgou uma nota em que apoiava a “luta contra o flagelo do terrorismo”, condenando o ataque à Embaixada dos EUA no Iraque, mas evitando criticar o ataque que matou o general iraniano.
Em reação, a chancelaria do Irã convocou a encarregada de negócios do Brasil, Maria Cristina Lopes, para uma consulta, um sinal diplomático de reprovação. O conteúdo da conversa não foi divulgado, mas o Itamaraty descreveu o diálogo como “cordial”.
A reação inicial do presidente Jair Bolsonaro também foi de apoio aos EUA. Na segunda-feira, ele disse que Suleimani “não era general”. Um dia depois, no entanto, baixou o tom e evitou tocar no assunto diretamente. Questionado ontem sobre o que quis dizer com a declaração, ele respondeu simplesmente: “Não, não, isso aí não. Próxima pergunta”.
Segundo uma fonte da ala militar do governo, Bolsonaro foi orientado por auxiliares a agir com cautela em razão da sensibilidade do tema e das implicações comerciais. E parece ter entendido a mensagem. Na terça-feira, após reunião com militares no Ministério da Defesa, o presidente disse que não responderia perguntas.
Para Bartolomeu Braz, presidente da Aprosoja Brasil, a principal preocupação com a tensão entre EUA e Irã é o aumento dos custos de produção com a alta do petróleo – e não a exportação de alimentos. Braz não teme retaliações e diz que o País acerta em condenar o terrorismo.
“O Brasil exporta alimentos para mais de 200 países, pela qualidade e pela competitividade. Então, esses fatores vão sobressair a uma palavra dita ou não. Acho que isso tende a esfriar”, minimizou.
A tensão entre EUA e Irã aumentou desde a morte de Suleimani. O general era uma das principais referências militares e políticas do Irã e comandante da Força Quds, um grupo de elite dentro da Guarda Revolucionária iraniana. / COLABORARAM JULIA LINDNER E MATEUS VARGAS (BRASÍLIA)
Navios iranianos foram barrados
Os cargueiros iranianos Bavand e Termeh, que trouxeram ureia ao Brasil, ficaram quase 50 dias parados no Porto de Paranaguá, em meados do ano passado, pois a Petrobrás havia se negado a vender combustível para os navios, afirmando que a proprietária deles constava na lista de empresas sob sanções dos EUA.
Eles só conseguiram zarpar depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou que a Petrobrás fornecesse combustível às embarcações. O Irã havia ameaçado cortar as importações do Brasil se os navios não fossem abastecidos e liberados. Dias depois, outros dois cargueiros iranianos, o Delruba e o Ganj, descarregaram ureia no Porto de Imbituba, em Santa Catarina, e partiram em seguida.
3 PERGUNTAS PARA...
Marcos Jank, professor de agronegócio global do Insper
- Que reflexos a crise no Oriente Médio pode ter no agronegócio brasileiro?
Não há uma bola de cristal muito precisa, mas a verdade é que o palheiro foi aceso. A resposta que Donald Trump deu acabou unificando o Irã contra os EUA, e também a maioria xiita iraquiana. Há uma dominância xiita nos dois países, além das milícias que eles patrocinam na região. O que mais preocupa, no momento, é um recrudescimento do terrorismo no mundo e, especificamente, na região. Eu não descartaria a possibilidade de uma guerra, mas não acho que essa opção interesse hoje a alguém.
- Pode haver algum setor beneficiado?
Existe um risco de elevação do preço do petróleo, já que Irã e Iraque estão envolvidos. Traria prejuízos generalizados, com exceção do etanol. Pois, cada vez que o preço do petróleo ou da gasolina sobe, acaba beneficiando os biocombustíveis. Mas, no geral, a perspectiva seria de alta nos custos de produção – não só no Brasil.
- Qual deve ser a resposta do Brasil?
O Brasil é o principal exportador de produtos agropecuários para o Oriente Médio, liderando as exportações de soja, milho, açúcar e carne de aves e bovina. Temos de preservar nossos grandes interesses no Oriente Médio, que compra quase duas vezes mais produtos agropecuários do Brasil do que os Estados Unidos. É preciso cautela, porque são mercados sólidos e tradicionais do Brasil, que sempre dependerão de importações para sua segurança alimentar em razão da sua condição desértica. Precisamos incentivar o diálogo e construir políticas que preservem nosso papel como principal fornecedor de alimentos para a região.
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