BRUXELAS - A Ucrânia foi aceita nesta quinta-feira, 23, como candidata à União Europeia, em uma medida que eleva o moral do país em meio à intensificação dos ataques russos em duas cidades na região leste de Donbas. Ainda que a aprovação do status de candidata seja apenas o primeiro de muitos processos até a entrada oficial, a ação indica um revés para o presidente russo, Vladimir Putin, que quer ver uma Ucrânia afastada do Ocidente.
A Moldávia, outra ex-república soviética que o Kremlin quer ver dentro de sua esfera de influência, também foi aceita como candidata, em outro indicativo de pressão sobre Moscou.
Os líderes da Alemanha, França e Itália, os maiores países do bloco, assim como a Romênia, deram uma prévia da decisão em uma visita a Kiev na semana passada, dizendo que apoiavam deixar a Ucrânia se tornar candidata à adesão. Ainda assim, muitos de países membros precisavam ser convencidos de que, apesar da falta de prontidão da Ucrânia para aderir à união, era importante dar-lhe ao menos a perspectiva.
A decisão é o primeiro passo de um longo caminho. A Turquia, por exemplo, é candidata há 21 anos, mas ainda não é membro. Outros países na fila são Macedônia do Norte, Montenegro, Albânia e Sérvia, Em um sistema que funciona por consenso, cada nação membro efetivamente tem direito de veto sobre quaisquer novos membros.
A Holanda e muitos membros menores têm sido céticos quanto a conceder o status de candidato incondicional à Ucrânia imediatamente, por várias razões. Os eleitores holandeses rejeitaram a perspectiva da adesão da Ucrânia à UE em um referendo de 2014, e seus líderes foram pressionados a ignorar essa votação, apesar do grande e sustentado apoio público à Ucrânia em sua atual luta contra a invasão da Rússia.
Além disso, a candidatura à UE é simbólica. Ela sinaliza que uma nação está em posição, se certas condições forem atendidas, para iniciar um processo mais detalhado, minucioso e de anos de reformas e negociações com o bloco, com vistas à sua adesão.
No entanto, prepara o terreno para a transferência gradual de fundos e conhecimentos da UE para ajudar as reformas. Quando a Ucrânia entrar, talvez daqui a uma década ou mais, pode muito bem ser que o bloco tenha se tornado um clube de orientação mais militar, mas por enquanto não está nem perto de um substituto para a Otan, nem um fornecedor de qualquer defesa significativa.
Alguns empecilhos
Muitos países não têm interesse que o bloco cresça, em parte porque seus 27 membros já acham muito difícil chegar a um acordo sobre questões vitais como liberdades democráticas, reformas econômicas e o papel dos tribunais.
O histórico de corrupção da Ucrânia também semeou dúvidas, e alguns membros da UE estão preocupados com a capacidade do bloco de absorver um país do tamanho e da população da Ucrânia, citando repercussões econômicas e sociais de longo prazo.
Algumas nações europeias também gostariam de ver a Albânia e a Macedônia do Norte, nações balcânicas que são candidatas há mais de uma década, admitidas no bloco antes da Ucrânia.
Autoridades e diplomatas falando antes da cúpula, no entanto, disseram que o momento está a favor de aceitar a candidatura da Ucrânia e trabalhar os detalhes polêmicos mais tarde, um marco que era difícil imaginar alcançar no início da guerra.
Derrota de Putin
A medida deve irritar a Rússia, que descreveu as aspirações da Ucrânia de se alinhar totalmente com instituições ocidentais como a Otan e a União Europeia como uma provocação e interferência em sua esfera de influência. Também forçará a União Europeia a se tornar mais militarizada, expandindo em uma área fraca em seu repertório, considerando que o bloco está focado principalmente na economia e no livre comércio.
A luz verde esperada “é um sinal para Moscou de que a Ucrânia, e também outros países da antiga União Soviética, não podem pertencer às esferas de influência russas”, disse à Reuters o embaixador da Ucrânia na União Europeia, Vsevolod Chentsov.
Sexta-feira marcará quatro meses desde que o presidente Vladimir Putin enviou tropas através da fronteira no que ele chama de “operação militar especial” justificada pela “invasão ocidental” no que a Rússia considera sua esfera de influência. O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, lançou a candidatura do país ao bloco europeu logo nos primeiros dias da guerra.
O conflito, que o Ocidente vê como uma guerra de agressão injustificada da Rússia, matou milhares, deslocou milhões e destruiu cidades, além de ter ramificações em grande parte do mundo, à medida que as exportações de alimentos e energia foram reduzidas.
Batalha pelo leste e armas americanas
A Rússia concentrou sua campanha no sul e no leste da Ucrânia depois que seu avanço sobre a capital Kiev nos estágios iniciais do conflito foi frustrado pela resistência ucraniana. A guerra de atrito no Donbas - o coração industrial da Ucrânia - é mais crítica nas cidades gêmeas de Severodonetsk e Lisichansk, que ficam em lados opostos do rio Donets, na província de Luhansk.
As forças russas estavam tentando cercar as tropas ucranianas que defendem Lisichansk, disse o oficial de defesa ucraniano Oleksi Gromov nesta quinta. O governador de Luhansk, Serhi Gaidai, disse separadamente que todo Lisichansk está ao alcance do fogo russo e que as tropas ucranianas podem recuar para novas posições para evitar ficarem presas.
Centenas de civis estão presos em uma fábrica de produtos químicos em Severodonetsk, enquanto a Ucrânia e a Rússia disputam quem controla a cidade bombardeada.
Enquanto os militares ucranianos enfrentam talvez seu maior momento de perigo desde a queda de Mariupol há um mês, o chefe de defesa da Ucrânia saudou a chegada do mais avançado sistema de lançamento de foguetes de artilharia dos Estados Unidos ao país.
“O verão será quente para os ocupantes russos”, disse o ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, em comunicado confirmando a chegada das armas. “E o último para alguns deles.”/NYT e REUTERS
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