ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A presença do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro chamou a atenção na posse de Javier Milei como presidente da Argentina neste domingo, 10. Embora não tenha mais cargo de chefe de Estado, o brasileiro se sentou ao lado de líderes em exercício da América Latina e da Europa, enquanto Milei fazia seu primeiro discurso à nação. Bolsonaro foi uma presença constante na televisão argentina durante todo o fim de semana.
Participaram da posse chefes de Estado e de governo de oito países: Paraguai, Uruguai, Chile, Equador, Armênia, Hungria, Espanha e Ucrânia - mais do que os três (Cuba, Uruguai e Paraguai) presentes na posse do antecessor Alberto Fernandez, em 2019. A maioria dos países preferiu enviar representantes, como foi o caso de Luiz Inácio Lula da Silva e do americano Joe Biden. Lula enviou o chanceler Mauro Vieira em seu lugar - nesse caso, ele não recebe tratamentos de chefe de Estado, mas de delegação estrangeira.
Os líderes presentes se sentaram ao lado do novo presidente nas escadarias do Congresso Nacional, onde o libertário fez seu primeiro discurso à nação como presidente da Argentina. Bolsonaro recebeu tratamento semelhante ao recebido por chefes de Estado, tendo se sentado junto a Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, Daniel Noboa, presidente recém-eleito do Equador, Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai, e Santiago Peña, presidente do Paraguai.
Na mesma escadaria, do lado direito de Milei estavam o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em sua primeira visita à América Latina. O ucraniano deu um longo abraço no novo presidente argentino e os dois conversaram antes do discurso à nação.
Além de Zelenski, estavam do lado direito de Milei o presidente da Armênia, Vahagn Khachaturyan, o presidente do Chile, Gabriel Boric, e o rei da Espanha, Felipe VI.
Depois do discurso, Milei voltou a receber os líderes no Salão Branco da Casa Rosada, mas não pôde cumprimentar Bolsonaro e nem tirar a foto oficial ao seu lado, já que este não tem mais o cargo de presidente. A falta da foto teve repercussão na imprensa argentina, que vem destacando desde sexta-feira, 7, a presença de Bolsonaro no país, bem como a ausência de Lula.
Outras ausências sentidas foram do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e da Bolívia, Luis Arce. A presença do ex-presidente americano Donald Trump, embora nunca confirmada, era uma expectativa dos libertários, que esperavam algum tipo de surpresa. A vinda, no entanto, não aconteceu.
Delegação bolsonarista
Bolsonaro se reuniu com Milei na sexta-feira, logo depois de haver caminhado pela famosa rua Florida, muito frequentada por turistas brasileiros, que o reconheceram e tiraram fotos. A caminhada, porém, foi destacada com tom de curiosidade pela imprensa argentina. O brasileiro também foi recebido pelo ex-presidente Mauricio Macri, que o abraçou no salão do Congresso durante a posse. Macri será um dos nomes essenciais para Milei construir alianças em um cenário em que sua governabilidade ainda é uma dúvida.
Além de Bolsonaro, vieram para Buenos Aires seus filhos Flávio e Eduardo Bolsonaro, seu ex-chanceler Ernesto Araújo, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e outras dezenas de pessoas. Também chamou a atenção a presença do líder do partido de extrema-direita da Espanha Vox, Santiago Abascal.
Entre os apoiadores de Javier Milei, a presença de Jair Bolsonaro na Argentina foi celebrada. Nas ruas, Bolsonaro é visto como um representante da “luta contra a casta vermelha” que prega Milei, em referência a militantes de esquerda. Em Buenos Aires, o ex-presidente brasileiro deu entrevistas às rádios e televisões argentinas.
“Acho que vai ser muito importante essa convergência (entre Bolsonaro e Milei)”, celebrou o ex-chanceler brasileiro Ernesto Araújo em entrevista ao Estadão, do lado de fora do Congresso argentino. “Milei tem vários projetos para toda a América Latina, e não só na América Latina. Tivemos aqui o Santiago Abascal, do Vox, o Zelenski, da Ucrânia. Todos esses políticos que defendem a liberdade vão ajudar o Milei e criar um acolhimento para ele na comunidade internacional que vai ser fundamental”.
De acordo com analistas políticos, a política externa foi uma das poucas definições que Milei conseguiu costurar até agora. Depois de haver chamado Lula de comunista e causado desgaste com o governo brasileiro, Milei precisou retroceder na retórica agressiva e convidou Lula para sua posse por meio de uma carta entregue pessoalmente por sua chanceler, Diana Mondino.
Apesar de ter recalculado a rota com Lula , a proximidade com a família Bolsonaro se manteve e dá sinais de uma virada da política externa argentina para uma posição mais de direita.
“Em termos de alinhamento internacional, o convite a Bolsonaro, a Nayib Bukele também e a recepção de vários representantes da direita mais extrema a nível mundial mostram um alinhamento em termos de política exterior saindo do espaço progressista e se colocando mais no espaço da extrema-direita”, avalia Facundo Cruz, analista político e de dados de opinião pública pelo observatório Pulsar da UBA.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.