LONRES - Vinte e oito dias antes do atentado de Westminster, que matou quatro e deixou dezenas de feridos na quarta-feira, em Londres, Max Hill, novo observador de legislação antiterrorismo do Reino Unido, advertiu: o risco de atentados em solo britânico não era tão elevado desde a ameaça do Exército Republicano Irlandês (IRA) nos anos 70.
O alerta tinha por base um dado: mais de 3 mil britânicos são suspeitos de alto grau de radicalismo islâmico, grande parte deles “formados” para o jihadismo, a “guerra santa”, em mesquitas de Londres.
Há mais de 20 anos, a capital britânica é uma plataforma internacional para o islamismo radical. Nos anos 90, Londres chegou a ser definida pelos serviços secretos da França como “Londonistan”. Nessa época, movimentos jihadistas como Grupo Islâmico Armado da Argélia (GIA), Grupo Islâmico de Luta Líbio, Jihad Islâmica Egípcia e Al-Qaeda encontravam em solo britânico um centro nervoso de operações na Europa.
O problema só foi enfrentado após os atentados suicidas de 2005, quando 56 pessoas morreram e mais de 700 ficaram feridas nas explosões de bombas no metrô e em um ônibus da capital. Na época, o epicentro do jihadismo ficava no distrito de Finsbury Park, no norte de Londres, mais precisamente na mesquita de Finsbury Park, à época controlada pelo imã extremista Abu Hamza al-Masri, condenado à prisão perpétua nos EUA após ser extraditado por envolvimento com a Al-Qaeda.
Al-Masri foi, ao lado do advogado Anjem Choudary, fundador do grupo jihadista Al-Muhajiroun – “Os Emigrantes” –, uma das personalidades mais controvertidas do Reino Unido por pregar abertamente a guerra santa e o terrorismo.
A estratégia de combate ao extremismo parecia ter permitido a Londres superar a fama de Londonistan, até que o califado do Estado Islâmico (EI) foi proclamado na Síria e no Iraque. Desde então, mais de 850 britânicos integraram-se às hostes do grupo terrorista, segundo levantamento governamental. Outros 600 tentaram, mas não conseguiram chegar ao destino. Pior: cerca da metade dos que partiram teriam retornado e representam uma ameaça de novos atentados, a exemplo do cometido por Khalid Masood, o britânico de 52 anos que tentou invadir Westminster.
Após o atentado, a reportagem do Estado visitou mesquitas de Londres e da periferia em busca de contato com muçulmanos que superaram o extremismo ou ainda o enfrentam. A constatação de imãs e fiéis é a mesma: é preciso ser vigilante, porque o risco é concreto. Um exemplo negativo se situa no oeste de capital, na mesquita Al-Manaar, vizinha ao bairro de Notting Hill.
Desse centro cultural e religioso inaugurado há 15 anos pelo príncipe Charles partiram pelo menos nove jihadistas britânicos para lutar ao lado do EI – entre os quais o mais famoso de todos, Mohammed Emwazi, o “Jihadi John”, membro da célula jihadista “The Beatles” e o homem que decapitou jornalistas e militantes de ONGs, entre os quais o repórter americano James Foley.
Desde que se tornou alvo por ter permitido que o centro cultural islâmico se transformasse em viveiro de terroristas, a direção da Al-Manaar tenta se recompor, reprovando em público o extremismo. Esse processo de moderação foi realizado pela mesquita de Finsbury Park com sucesso. Mas a pecha ainda é viva.
“Essa mesquita estava nas mãos de Abu Hamza e havia grandes problemas aqui. Nós decidimos mudar a situação e trazer a mesquita de volta à comunidade, que é pacífica e queria a mudança”, afirmou ao Estado Mohamed Kozbar, diretor da instituição, que afirma ter ampliado o público da instituição de 50 fiéis ultrarradicais para mais de 2 mil moderados. “A radicalização não acontece mais nas mesquitas, mas nas mídias sociais, na internet. As mesquitas desempenham um grande papel em combater o radicalismo”, argumenta.
Estratégia. Para enfrentar o problema do extremismo nos anos 2000, sucessivos governos britânicos convidaram organizações islâmicas a se juntar à luta. Esse foi o caso da Irmandade Muçulmana, que está por trás da reconversão de Finsbury Park. Outra organização que contribui para o discurso de tolerância e para acalmar o ímpeto de extremistas é a Comunidade Ahmadi.
“Nós queremos mostrar que nossa comunidade é forte e pacífica. É muito importante que mostremos nosso respeito e amor pelas pessoas que perderam suas vidas”, afirmou Mudabbir Din, imã descendente de paquistaneses.
Para os críticos da estratégia britânica de combate ao terrorismo, que vão de grupos liberais de defesa dos direitos humanos até movimentos de extrema direita, como o Britain First, essas organizações são um terreno fértil para o proselitismo e práticas que, segundo eles, não deveriam ser aceitas. Entre elas estão a excisão – a mutilação genital feminina –, o reconhecimento do direito corânico, com a imposição da sharia em comunidades muçulmanas, e o ensino religioso estrito em escolas privadas. Entre 2010 e 2015, o governo britânico recenseou 11 mil casos de violência contra a mulher cometidos em nome da sharia, a lei islâmica.
Nas três mesquitas visitadas na sexta-feira em Londres e em sua periferia, o acesso à informação é restrito. Em todas, a reportagem foi impedida de conversar com mulheres e fiéis comuns. Apenas “porta-vozes” dos movimentos foram autorizados a falar sobre extremismo, sempre repetindo o mesmo mantra: “Terrorismo não tem nada a ver com religião”.
Para Jonathan Russell, chefe de Políticas da Fundação Quilliam, um think tank contra o extremismo, um dos problemas de uma sociedade permeável ao radicalismo é que a passagem ao ato terrorista pode acontecer por inspiração – como se supõe possa ter se dado com Khalid Masood. “O EI provavelmente não sabia do ataque até que ele aconteceu”, diz Russell. “A força do EI se dá pela inspiração e pela motivação de ataques via ideologia, sem ter de correr o risco de coordenar as coisas."
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