Longe de qualquer campo de batalha, equipamentos de guerra eletrônica confundem pilotos civis

Aviões são construídos para confiar em sinais de GPS; mas técnicas de embaralhamento e adulteração de sinais de satélite no Oriente Médio e na Ucrânia têm desviado rotas de voos e causado alertas de bordo enganosos.

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Por Selam Gebrekidan
Atualização:

The New York Times — As guerras eletrônicas no Oriente Médio e na Ucrânia estão afetando o transporte aéreo longe dos campos de batalha, irritando pilotos e expondo uma consequência não pretendida de uma tática que, segundo especialistas, se tornará cada vez mais comum.

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Aviões estão perdendo contato com sinais de satélites, voos têm tido as rotas desviadas e pilotos têm recebido dados de localização falsos ou alertas imprecisos de que estão voando próximo ao solo, de acordo com agências reguladoras de segurança da União Europeia e um memorando interno examinado pelo New York Times. A Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos também alertou pilotos a respeito de embaralhamentos de sinal de GPS no Oriente Médio.

Interferências em frequências de rádio — destinadas a perturbar sinais de satélite usados por foguetes, drones e outros armamentos — dispararam após a invasão russa à Ucrânia, no início de 2022, e ficaram cada vez mais intensas no terceiro trimestre deste ano no Oriente Médio. As interferências podem envolver embaralhamento de sinais de satélite, inundando-os de ruído, ou adulterações chamadas de “spoofing”, imitando sinais de satélite verdadeiros para tapear quem os recebe com dados incorretos.

A torre de controle do aeroporto de Tromso, na Noruega, no ano passado. Interferência GPS foi registrada desde a Escandinávia até o sul do Rio Negro Foto: Sergey Ponomarev/The NY Times

As interferências em rádio até aqui não se mostraram perigosas. Mas sistemas de aeronaves tampouco se mostram capazes de detectar sinais de GPS adulterados ou de de corrigir os sinais, de acordo com o Opsgroup, uma organização que monitora mudanças e riscos no setor da aviação. Um jato da Embraer a caminho de Dubai quase entrou no espaço aéreo iraniano em setembro, antes de seus pilotos descobrirem que o avião estava seguindo um sinal falso.

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“Nós só percebemos que havia um problema porque o piloto automático começou a virar para a esquerda e para a direita, então ficou óbvio que algo estava errado”, relataram membros da tripulação ao Opsgroup.

Aviões normalmente são capazes de voar em segurança sem sinais de satélite, e grandes aeronaves comerciais têm pelo menos seis sistemas alternativos de navegação, afirmaram pilotos. Jatos como Dassault Falcons, Gulfstreams e Bombardiers parecem mais suscetíveis ao spoofing de sinal, afirmou a Agência Europeia para a Segurança da Aviação.

A pressão sobre a aviação poderia ser um prenúncio de problemas econômicos e de segurança maiores, conforme as armas da guerra eletrônica se proliferam. Mercados financeiros, empresas de telecomunicações, fornecedores de energia, emissoras de TV e rádio e outros setores de atividade em todo o mundo dependem de sinais de satélite para manter seus relógios ajustados. Um estudo britânico afirmou que cinco dias de perturbação em sinais de satélite custaria US$ 6,3 bilhões ao Reino Unido.

Aeroporto Foto: Benoit Tessier/Reuters

Sinais de satélites são conhecidos há muito por serem suscetíveis ao embaralhamento e ao spoofing. Eles são transmitidos da órbita, a uma altitude de aproximadamente 20 mil quilômetros, e são tão fracos que sua energia se compara à de uma lâmpada.

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Mas muitos especialistas consideravam improváveis os ataques de spoofing, visto que são caros e complicados demais, exigindo a atuação de especialistas altamente treinados, de acordo com o professor de engenharia aeroespacial Todd Humphreys, da Universidade do Texas, em Austin.

Os preços caíram rapidamente. Hoje, qualquer amador entusiasta com algumas centenas de dólares e instruções da internet consegue adulterar sinais de satélite. Os governos também estão mais dispostos a interferir abertamente em sinais como parte de seu arsenal eletrônico.

“O que mudou nos dois anos recentes é que o spoofing de sinal de satélite deixou o campo da teoria em artigos de pesquisa e laboratórios e passou para a realidade empírica”, afirmou o professor Humphreys.

Interferências

Nem sempre é possível distinguir embaralhamentos de adulterações ou determinar quem está por trás da interferência. Israel afirmou em meados de outubro que restringiu o sinal de GPS na região e alertou os pilotos para não confiar em sistemas de navegação via satélite para aterrissar. As Forças de Defesa de Israel não responderam ao questionamento da reportagem.

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A interferência da Rússia é bem documentada. Um relatório de 2019 do grupo de análise sem fins lucrativos C4ADS, com sede em Washington, mostrou adulterações amplas partindo de uma base aérea controlada pela Rússia na Síria. O relatório também indicou que quando o presidente russo, Vladimir Putin, viajou a regiões remotas da Crimeia ocupada, ele foi flanqueado por uma tecnologia móvel de embaralhamento de sinal de GPS.

A Rússia interferiu em sinais de GPS para tirar drones ucranianos de suas rotas e confundir o sistema de mira de munições guiadas. A Ucrânia também embaralha antenas russas, mas não com o mesmo grau de sofisticação. O embaralhamento de sinais é comum em zonas de conflito; até recentemente, casos de spoofing eram raros.

Investigadores trabalhando no local de um prédio danificado depois que um drone foi abatido em Moscou em agosto. Tanto a Rússia como a Ucrânia interromperam os sinais de GPS na tentativa de desviar drones e mísseis guiados para longe dos seus alvos. Foto: Shamil Zhumatov/Reuters

“Eu nunca vi este nível de interferência”, afirmou Martin Drake, especialista técnico da Associação Britânica de Pilotos de Aviação Civil, que se aposentou recentemente depois de 42 anos como piloto.

A interferência foi sentida a até 305 quilômetros dos campos de batalha e “parece ir muito além da eficácia simples das missões militares”, de acordo com a agência Eurocontrol, a principal administradora do controle do tráfego aéreo na Europa. As regiões mais afetadas incluem céus do Mar Negro, entre Turquia e Azerbaijão; do Mar Mediterrâneo, do Chipre à Líbia; do Mar Báltico, próximo da Polônia e da Letônia; e do Ártico, próximo da Finlândia e da Noruega.

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O aumento na intensidade e sofisticação desse tipo de interferência de rádio tem sido notável. A Airbus afirmou que registrou cerca de 50 mil eventos de interferência em suas aeronaves no ano passado, mais de quatro vezes que o número registrado no ano anterior. Isso em cima de um salto de mais de 20 vezes em eventos de rádio-interferência de 2017 a 2018, de acordo com um sistema voluntário de registro de incidentes organizado pela Eurocontrol. Segundo a agência europeia, o aumento nos embaralhamentos desde 2018 foi provavelmente destinado a interferir em drones militares.

No Oriente Médio, a equipe de pesquisa do professor Humphrey constatou um uso generalizado do spoofing com sinais falsos dizendo aos pilotos que suas aeronaves estavam imediatamente acima do Aeroporto de Tel-Aviv quando estavam longe do terminal. O Opsgroup afirmou que recebeu cerca de 50 relatórios similares. Em alguns casos, os equipamentos a bordo mostraram que os aviões se aproximavam de aeroportos em Bagdá, Cairo ou Beirute, quando na realidade não estavam.

Soldados israelenses lançam um drone na proximidade com a fronteira da Faixa de Gaza  Foto: Atef Safadi / EFE

“Os efeitos desses sinais falsos estão sendo vistos pela primeira vez nos dois meses mais recentes”, afirmou o fundador do Opsgroup, Mark Zee, da Nova Zelândia.

Os ataques spoofing de sinal de satélite, afirmou ele, expuseram uma falha fundamental no projeto da aviação eletrônica, que tem como base a ideia de que sinais de GPS são confiáveis e não carecem de verificação.

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Essa convicção vigora há décadas. Depois que um avião da Korean Air Lines entrou inadvertidamente no espaço aéreo soviético, em 1983, e acabou derrubado, os EUA autorizaram o uso civil do GPS. Em 2001, o governo americano tornou os sinais mais precisos.

O mundo ficou rapidamente viciado no GPS.

Washington chama o GPS de “serviço de utilidade pública invisível”. Smartphones, carros, bolsas de valores, centros de processamento de dados e incontáveis indústrias dependem do sinal para marcar e medir o tempo e determinar rotas de navegação. Sistemas similares existem em todo o planeta, como o Galileo na Europa, o Glonass na Rússia e o Beidou na China.

Especialistas notaram o risco do embaralhamento em 2012, quando um amplificador de sinal falhou no Aeroporto Internacional de Newark. A fonte do problema, constatou-se, tinha sido um motorista que estacionou a picape Ford de sua empresa próximo ao aeroporto e usou um embaralhador de GPS para ocultar seu paradeiro do chefe.

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Desde então, motoristas de caminhão que querem registrar mais horas do que trabalharam, jogadores de Pokémon Go que pretendem trapacear ou até ladrões de carro com intenção de desativar sistemas de localização dos veículos têm usado dispositivos de embaralhamento pequenos e baratos que criam perturbações não pretendidas. Hoje alguns receptores de sinal são equipados com tecnologia de proteção contra embaralhamento.

O spoofing do GPS é mais difícil de combater, porque o sinal parece legítimo. Somente o Galileo, o sistema de navegação via satélite europeu, incorpora um sistema de navegação capaz de garantir de maneira confiável que um sinal vem de seus satélites. O Galileo, atualmente o sistema mais acurado e preciso de navegação via satélite, planeja introduzir um sistema de autenticação ainda mais forte, de acordo com um porta-voz da Comissão Europeia.

Mas nem a autenticação do sinal Galileo protege contra um dos tipos mais temidos de spoofing, conhecido como “meaconing”. Em um ataque de meaconing, um adulterador grava sinais de satélite e então os retransmite com amplificação ou atraso. Nenhum especialistas confirmou publicamente algum ataque de meaconing no Oriente Médio.

O Opsgroup afirmou que os eventos mais recentes devem fazer com que os fabricantes repensem a integração dos sistemas de satélite na eletrônica das aeronaves, conhecida como aviônica, sem alguma salvaguarda capaz de identificar sinais falsos. “Levará algum tempo para os fabricantes se atualizarem”, afirmou Zee. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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