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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | A conexão União Europeia-China

Iniciativa muda correlação de forças entre os três maiores mercados do mundo e impacta planos de Biden de reduzir a projeção global chinesa atraindo a Europa de volta para a esfera de influência dos EUA 

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Foto do author Lourival Sant'Anna

Após sete anos de negociações e três semanas antes de Joe Biden assumir a Casa Branca, União Europeia e China firmaram, na quarta-feira, um importante acordo de acesso a mercados e equalização de condições de concorrência para empresas dos setores industrial e financeiro. A iniciativa muda a correlação de forças entre os três maiores mercados do mundo e impacta os planos de Biden de reduzir a projeção global chinesa atraindo a Europa de volta para a esfera de influência dos EUA. 

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Depois de quatro anos de unilateralismo sob Donald Trump, e de avanço da estratégia chinesa, o Atlântico não é mais o mesmo – nem o mundo. O acordo diminui exigências para empresas europeias que atuam na China, em relação à obrigação de ter uma parceria com uma empresa chinesa, e também as restrições para elas lançarem papéis estrangeiros para aumentar seu capital. 

A China se compromete a aumentar a transparência sobre os subsídios que o governo chinês concede às suas empresas e também no que tange as transferências de tecnologia. As parceiras chinesas de empresas estrangeiras muitas vezes passam sua tecnologia para outras empresas chinesas, que passam a concorrer com elas, lançando produtos similares com o conhecimento contrabandeado. 

Teleconferência entre líderes europeus e Xi Jinping; 'europeus e chineses agiram conforme os livros de texto da geopolítica' Foto: Johanna Geron, Pool Photo via AP

No setor financeiro, as empresas europeias passam a ter os mesmos direitos que as americanas adquiriram, de abertura dos mercados de seguro e de gestão de ativos, na fase 1 do acordo comercial assinado por Trump e Xi Jinping, em janeiro, quando a China se comprometeu a importar US$ 200 bilhões a mais dos EUA em dois anos.

Em troca, a China ganha mais acesso ao mercado europeu, sobretudo nos setores de manufatura e energia renovável. Um integrante da equipe de transição comentou: “A administração Biden-Harris está ansiosa para consultar com a UE sobre uma abordagem coordenada diante das práticas econômicas injustas da China e outros desafios importantes.” Jake Sullivan, futuro assessor de Segurança Nacional de Biden, tuitou que o próximo governo americano “gostaria de ter consultas prévias com os parceiros europeus sobre nossas preocupações comuns em relação às práticas econômicas da China”. 

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John Ullyot, porta-voz do atual Conselho de Segurança Nacional, foi mais direto: “Nossos aliados e parceiros concordam, cada vez mais, que a abordagem óbvia ao tratar com Pequim é ‘desconfie e verifique’. Qualquer compromisso não acompanhado por fortes mecanismos de imposição e verificação é meramente um ganho de propaganda (para o Partido Comunista Chinês).”

No governo de Barack Obama, no qual Biden foi vice e teve forte participação na política externa, o principal movimento na direção de reduzir a projeção comercial chinesa foi a Parceria Trans-Pacífico, que reúne as grandes economias da região, menos a China. Trump retirou-se do arranjo antes de ele entrar em vigor, e partiu para negociações bilaterais com a China e todos os outros parceiros comerciais, sob ameaça de sobretaxação.

Biden pretende voltar à estratégia anterior, de aproximar os EUA de seus parceiros comerciais e aliados militares, na tentativa de enfraquecer rivais como China e Rússia. Com o acordo, a China demonstra a irresistibilidade de seu mercado. E os europeus aumentam o custo da aproximação, para os EUA, que terão de oferecer mais para atrair sua parceria.

Europeus e chineses agiram conforme os manuais da geopolítica. A transição Trump-Biden abre uma janela de oportunidade para os outros países fortalecerem suas posições de negociadores perante os EUA e demais parceiros. Não se trata de hostilidade nem de ideologia, mas de pura defesa pragmática dos interesses nacionais. É parte do jogo – o esperado de um país. É o que o Brasil deveria estar fazendo. 

*É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

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Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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