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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | A imunidade do Uruguai ao extremismo político e o que podemos aprender com ela

Uma das democracias mais consolidadas do mundo oferece uma série de lições sobre como não cair na tentação do ‘nós contra eles’

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Foto do author Lourival Sant'Anna

Passei uma semana no Uruguai, respirando seu ar de segurança, relativa igualdade social e prosperidade, apreço pela educação e cultura, e moderação política. Maravilhado pela imunidade do país à doença do extremismo, discuti as razões disso com uma das pessoas que mais conhecem o Uruguai.

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Duas vezes presidente, descendente de fundadores dos partidos rivais Colorado e Branco, Julio María Sanguinetti, que completa 89 anos no dia 6, compartilhou sua lucidez e erudição em seu escritório em Montevidéu, perto do shopping Punta Carretas, antiga prisão da qual fugiram o também ex-presidente José “Pepe” Mujica e outros 110 guerrilheiros tupamaros. Ela foi desativada por ordem de Sanguinetti em 1985, ao assumir depois do fim da ditadura militar.

A cada cinco anos, o Uruguai tem alternado governos de esquerda e de direita, sem abandonar a responsabilidade fiscal, o livre comércio e a tolerância em face da diversidade. Há um partido conservador, o Cabildo Abierto, liderado pelo general da reserva Guido Manini Ríos. Sem expressão suficiente, ele se mantém como parceiro júnior da coalizão de direita.

Mulher segura bandeira do Uruguai durante evento de campanha do candidato Yamandú Orsi em Montevideo Foto: Nicolas Garcia/AFP

A primeira explicação, para Sanguinetti, é a tradição liberal do Uruguai. Não o conceito reducionista de “neoliberalismo” econômico empregado pejorativamente. Mas a filosofia iluminista que dá suporte aos direitos individuais. Essa visão inclusiva, flexível e aberta de país retirou oxigênio dos extremismos marxista e fascista, analisa Sanguinetti.

A raiz histórica desse liberalismo está na forma como o Uruguai nasceu: em oposição à hegemonia de Buenos Aires. O liberalismo se enraizou como identidade nacional impulsionado pela oposição à cultura política argentina, dominada pelo populismo e autoritarismo. Sanguinetti elegantemente não mencionou nesse contexto outro vizinho, o Rio Grande do Sul, de história igualmente marcada por esses vícios.

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Os dois partidos hegemônicos se consolidaram em torno da disputa clássica, com o Branco mais liberal na economia e o Colorado em favor de um maior papel do Estado, nos moldes social-democratas. A esquerda uruguaia, por sua vez, só ganhou popularidade ao abandonar o radicalismo e abraçar os princípios da democracia, responsabilidade fiscal e livre iniciativa.

Contribuem para a moderação a boa educação pública, os serviços de qualidade prestados pelo Estado e as bases da economia na agropecuária, no setor florestal, serviços digitais e logística, todos beneficiados pela globalização, ao contrário do que ocorreu em outros países que tiveram perda de empregos industriais de qualidade. O Uruguai conseguiu se manter um país de classe média.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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