Passei uma semana no Uruguai, respirando seu ar de segurança, relativa igualdade social e prosperidade, apreço pela educação e cultura, e moderação política. Maravilhado pela imunidade do país à doença do extremismo, discuti as razões disso com uma das pessoas que mais conhecem o Uruguai.
Duas vezes presidente, descendente de fundadores dos partidos rivais Colorado e Branco, Julio María Sanguinetti, que completa 89 anos no dia 6, compartilhou sua lucidez e erudição em seu escritório em Montevidéu, perto do shopping Punta Carretas, antiga prisão da qual fugiram o também ex-presidente José “Pepe” Mujica e outros 110 guerrilheiros tupamaros. Ela foi desativada por ordem de Sanguinetti em 1985, ao assumir depois do fim da ditadura militar.
A cada cinco anos, o Uruguai tem alternado governos de esquerda e de direita, sem abandonar a responsabilidade fiscal, o livre comércio e a tolerância em face da diversidade. Há um partido conservador, o Cabildo Abierto, liderado pelo general da reserva Guido Manini Ríos. Sem expressão suficiente, ele se mantém como parceiro júnior da coalizão de direita.
A primeira explicação, para Sanguinetti, é a tradição liberal do Uruguai. Não o conceito reducionista de “neoliberalismo” econômico empregado pejorativamente. Mas a filosofia iluminista que dá suporte aos direitos individuais. Essa visão inclusiva, flexível e aberta de país retirou oxigênio dos extremismos marxista e fascista, analisa Sanguinetti.
A raiz histórica desse liberalismo está na forma como o Uruguai nasceu: em oposição à hegemonia de Buenos Aires. O liberalismo se enraizou como identidade nacional impulsionado pela oposição à cultura política argentina, dominada pelo populismo e autoritarismo. Sanguinetti elegantemente não mencionou nesse contexto outro vizinho, o Rio Grande do Sul, de história igualmente marcada por esses vícios.
Os dois partidos hegemônicos se consolidaram em torno da disputa clássica, com o Branco mais liberal na economia e o Colorado em favor de um maior papel do Estado, nos moldes social-democratas. A esquerda uruguaia, por sua vez, só ganhou popularidade ao abandonar o radicalismo e abraçar os princípios da democracia, responsabilidade fiscal e livre iniciativa.
Contribuem para a moderação a boa educação pública, os serviços de qualidade prestados pelo Estado e as bases da economia na agropecuária, no setor florestal, serviços digitais e logística, todos beneficiados pela globalização, ao contrário do que ocorreu em outros países que tiveram perda de empregos industriais de qualidade. O Uruguai conseguiu se manter um país de classe média.
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