O colapso no fornecimento de energia elétrica no Texas contém ao menos três aprendizados: a importância de uma regulação nos serviços públicos que equilibre competitividade e confiabilidade; a necessidade de ajustar a infraestrutura à mudança climática; e a influência da cultura nas políticas públicas.
Mais de 14 milhões de pessoas, ou metade da população, estão sem água potável no Texas, por causa do blecaute. Depois do pico de 4 milhões na segunda e terça-feira, 382 mil domicílios estavam sem eletricidade na sexta-feira.
A situação é ainda mais chocante porque o Texas é a maior potência energética dos Estados Unidos. Mas essa condição contribuiu para se chegar a essa situação: o Estado está desconectado da rede nacional de transmissão, e a sensação de autossuficiência o levou a ignorar sucessivas advertências.
O Texas é o maior produtor de combustíveis fósseis dos EUA, com 41% do petróleo e 25% do gás natural, além de 31% da capacidade de refino. Mas o Estado também é um campeão de fontes renováveis, com 28% da energia eólica do país.
A matriz energética texana é diversificada: 47% de gás natural, 20% de carvão, 20% de energia eólica, 11% nuclear, 1% solar, 0,2% hidrelétrica e 0,1% biomassa.
Quando o apagão começou, alguns republicanos no Estado se apressaram a culpar os geradores eólicos e solares. Injustamente. A excepcional onda de frio, com temperaturas que chegaram a 18° C negativos, quando o normal nessa época do ano seriam 15°C positivos, congelou igualmente usinas nucleares, de gás, eólicas, solares, assim como gasodutos e redes de transmissão.
O frio foi excepcional, mas a situação não é imprevisível nem inédita. Em 1989, blecautes causados no Texas por uma onda de frio levaram um comitê federal a recomendar medidas para proteger a infraestrutura de eventos futuros. Nada foi feito.
Dez anos depois, em 1999, o Estado aprovou uma ampla desregulamentação, que abriu o mercado para a concorrência entre geradores e a consequente queda nas tarifas de energia. Hoje, 300 fornecedores disputam o mercado. A conta de luz texana é a metade da californiana, por exemplo.
Com a prioridade concentrada na redução do preço, a agência reguladora, Comissão de Serviço Público, não exigiu do operador do sistema, ironicamente chamado Conselho de Confiabilidade Elétrica do Texas (Ercot), investimentos na infraestrutura nem a criação de uma capacidade de reserva para emergências.
Em 2011, depois de novo blecaute, a Comissão Federal Reguladora de Energia (Ferc) voltou a recomendar que o Texas adotasse medidas de proteção do equipamento contra o frio, como as que são empregadas no Estados do norte dos EUA, mais expostos aos invernos rigorosos.
O atual prefeito de Houston, o democrata Sylvester Turner, na época deputado estadual, conta que apresentou um projeto prevendo a criação pelo Ercot de capacidade de reserva, mas não foi nem sequer discutido em comissão, no Congresso dominado por republicanos.
O próprio Ercot publicou um relatório em 2013 no qual calculou em US$ 6 mil por hora o prejuízo por cada megawatt não entregue. Na segunda e na terça-feira, deixaram de ser fornecidos 20 mil megawatts/hora, o que resulta num prejuízo de US$ 2,88 bilhões por dia. Portanto, além da tragédia humana, é uma economia burra.
O aquecimento global causado pela emissão de gás carbono é responsável não só por eventos de extremo calor, como os incêndios da Califórnia em meados do ano passado, mas também de extremo frio, até mesmo em regiões que não costumam registrar temperaturas baixas. Isso porque o aumento da temperatura nos polos Norte e Sul libera frentes frias que alcançam distâncias maiores do que antes. Quando eram mais frios, os polos encapsulavam mais essas correntes.
Muita coisa precisa ser repensada.
*É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS
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