O ataque do Hamas a Israel não tem precedentes na História, porque um grupo palestino nunca havia conseguido causar tantas mortes de israelenses em uma única ação, e também pela ousadia da sua execução, por terra, mar e ar.
A invasão aérea chama a atenção pelo inusitado emprego de paragliders. A abordagem marítima também surpreende, considerando a superioridade da Guarda Costeira israelense. Mas o mais intrigante é a incursão terrestre.
Na guerra de 2014, que deixou mais de 2 mil palestinos mortos, Israel afirmou ter destruído os 35 túneis construídos pelo Hamas e usados para incursões no território israelense, para a captura ou execução de moradores das fazendas da região.
Quanto ao fracasso do sistema antiaéreo Domo de Ferro em interceptar os foguetes disparados da Faixa de Gaza, já era sabido que essa capacidade é limitada. O disparo sem precedentes de ao menos 2.200 foguetes, segundo Israel (o Hamas fala em 5 mil) em um curto intervalo do tempo levou ao colapso do sistema.
De qualquer forma, uma vez passada a crise imediata, crescerão os questionamentos sobre como a inteligência militar israelense, que conta com agentes dentro da Faixa de Gaza e um formidável sistema de vigilância do território, com drones e balões, não anteviu o ataque.
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As principais credenciais políticas do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu dizem respeito à prioridade que ele dá à segurança. Mais longevo chefe de governo da história de Israel, Netanyahu inverteu a equação da troca de terra por paz pela ideia de segurança em primeiro lugar, nos anos 90.
Esse é o governo mais radical à direita da história de Israel. Netanyahu ampliou os poderes do Ministério da Segurança, estendendo-os sobre a polícia, e colocou nele Itamar Ben-Gvir, um radical líder dos colonos judeus da Cisjordânia que defende máxima pressão contra os palestinos.
Se um governo assim não consegue evitar um ataque dessa envergadura, então o conceito de segurança acima da paz parece em xeque, e o incentivo para negociações com os palestinos poderá surgir mais adiante no debate israelense. Essa linha de argumentação foi usada pelo ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert, em entrevista à CNN.
O momento escolhido pelo Hamas tem vários componentes. Claro que a data remete ao 50.º aniversário da Guerra de Yom Kipur, lançada por Egito e Síria contra Israel no dia 6 de outubro de 1973.
Setores do governo israelense defendem o acesso dos fiéis judeus à Mesquita de Al-Aqsa, considerada o terceiro local mais sagrado pelos muçulmanos, depois de Meca e Medina. Dali, segundo a tradição, Maomé teria ascendido aos céus. A mesquita foi construída sobre as ruínas do Templo de David. Os fiéis judeus têm acesso ao que restou do templo, sobretudo o Muro das Lamentações, mas não à parte de cima, reservada aos muçulmanos. Ao mesmo tempo, o governo tem restringido o acesso dos palestinos à mesquita. Em janeiro, em um de seus primeiros atos como ministro, Ben-Gvir visitou o lugar, para afirmar o direito dos judeus de entrar nele. Isso tem causado protestos e ressentimentos entre os palestinos.
Além disso, a sociedade israelense está profundamente dividida pela tentativa de reforma do Judiciário conduzida pelo governo de Netanyahu. O primeiro-ministro e outros integrantes de seu gabinete são alvos de processos na Justiça e pretendem reduzir a autonomia da Corte Suprema.
O Hamas certamente identificou um momento de vulnerabilidade política no governo. Mas, como me disse Samuel Feldberg, pesquisador da Universidade de Tel-Aviv, o ataque do Hamas tem o efeito de unir os israelenses. Ao menos por agora.
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