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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Atentado contra Trump é combustível para papel de vítima e herói que ex-presidente adota desde 2020

Tentativa de assassinato dá materialidade à ideia de uma conspiração para impedir que o bilionário empresário salve os americanos da esquerda, do establishment e da China

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Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

O atentado contra Donald Trump representa um impulso formidável para a jornada do ex-presidente de volta à Casa Branca. A tentativa de assassinato de um dos principais candidatos a presidente dos Estados Unidos a menos de quatro meses das eleições reforça também a percepção de desfuncionalidade da democracia americana, fartamente utilizada pelos adversários do país.

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Do ponto de vista eleitoral, não é uma mudança de rumo: é um combustível potente e inesperado para o papel de vítima e de herói que Trump já havia adotado desde a campanha de 2020, que coincidiu com a pandemia de covid.

O ataque, cuja autenticidade e gravidade são inquestionáveis, dá materialidade à ideia de uma conspiração nacional e internacional para impedir que o bilionário empresário salve os americanos da esquerda, do establishment e da China, e “faça a América grande de novo”.

Trump foi vítima de atentado durante comício em Butler, na Pensilvânia  Foto: Rebecca Droke/AFP

Um detalhe da biografia do atirador poderia prejudicar essa tese. De acordo com o FBI, o suspeito, Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, morto por agentes do Serviço Secreto logo depois de fazer os disparos, era registrado como eleitor republicano. Seria a primeira eleição em que ele teria idade para votar.

Os seguidores de Trump devem se apegar a uma outra informação, também fornecida pela polícia federal americana: em janeiro de 2021, Crooks doou US$ 15 ao comitê democrata Projeto de Comparecimento Progressista.

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Trump escapou por pouco. Um dos tiros atingiu sua orelha direita. Por um centímetro ele não foi ferido gravemente, ou mesmo fatalmente, na cabeça. Depois de se abaixar, o candidato, que estava nos primeiros minutos de um comício na zona rural da Pensilvânia, levantou-se, já protegido por agentes do Serviço Secreto, ergueu o punho direito fechado em sinal de desafio, e gritou: “Lutem, lutem!”, antes de ser levado para a limusine que o transportaria a um hospital local.

O ferimento foi superficial. Mas o suficiente para cobrir de sangue sua orelha e gerar uma cena que reforça espetacularmente a imagem de um candidato viril, com grande vitalidade e determinação, em contraste com seu oponente, o presidente Joe Biden, que tem dado repetidos sinais de fragilidade física e sobretudo de decrepitude mental, embora a diferença de idade entre ambos seja de apenas três anos: 81 a 78.

“Acabo de falar com meu pai ao telefone e ele está ótimo (in great spirits)”, declarou Donald Trump Jr., que costuma atuar como porta-voz das visões mais radicais e possível herdeiro político do ex-presidente. “Ele nunca parará de lutar para salvar a América, não importa o que a esquerda radical fizer contra ele.” É assim que Trump se refere aos democratas.

O ex-presidente publicou um post no Truth Social, a rede que ele criou para contornar a moderação de conteúdo das redes sociais: “É incrível que um ato como esse possa ocorrer em nosso país. Deus abençoe a América”. Na mensagem, ele conta em detalhes o que ocorreu: “Fui atingido por uma bala que cortou a parte superior da minha orelha direita. Soube imediatamente que algo estava errado e ouvi um zumbido, tiros, e imediatamente senti a bala cortando a pele. Muito sangramento ocorreu, então entendi o que estava acontecendo”.

Ele agradeceu o Serviço Secreto e as forças de segurança pela “resposta rápida” e ofereceu condolências à família do participante do comício morto pelos disparos.

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Entretanto, os republicanos poderão explorar a falha de segurança que possibilitou o atentado. O atirador foi visto por uma testemunha, Ben Macer, entrevistado pela filial local da CNN, passando de um telhado para o outro, entre prédios de dois andares imediatamente fora do perímetro de segurança do comício. Macer diz que avisou a polícia e estava voltando para o seu lugar na multidão, quando ouviu os disparos.

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Crooks tinha um fuzil e estava no campo de visão dos agentes da unidade anti-sniper que faziam a segurança do presidente. O fato de ele não ter sido visto antes de abrir fogo será bastante explorado. O presidente da Câmara dos Deputados, Mike Johnson, que chegou ao cargo por uma rebelião trumpista, disse que a Casa vai investigar o atentado.

Trump se elegeu em 2016 denunciando a elite política americana, e prometendo “drenar o pântano de Washington”. Ao longo de seu mandato, ele incluiu entre seus inimigos a CIA e o FBI, como parte de um “Estado profundo” que conspiraria em favor dos liberais, o que é completamente infundado. Desde 1924, quando foi criado o cargo, todos os diretores do FBI foram republicanos. A CIA, assim como as Forças Armadas americanas, também tem uma forte inclinação conservadora.

Os quatro processos nos quais Trump se tornou réu este ano, e a condenação em um deles, levaram o ex-presidente a se retratar como alvo de perseguição política pelo sistema de Justiça americano. A falha de segurança e o atentado em si parecem confirmar a percepção difusa que ele procura criar em torno de si mesmo, de vítima e de herói.

Esse ângulo se encaixa na narrativa de líder antissistema, e lhe permite, por exemplo, não aceitar a derrota eleitoral de 2020. Pesquisas mostram que mais de 70% dos eleitores republicanos acreditam na versão de Trump de fraude na contagem dos votos.

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Ao atacar o sistema eleitoral e a Justiça, Trump coloca em xeque dois fundamentos da sociedade americana. E fornece munição para as ditaduras adversárias dos Estados Unidos, como China, Rússia, Coreia do Norte e Irã. Biden procurou caracterizar a disputa geopolítica do Ocidente com esses adversários como uma luta entre a democracia e a autocracia.

As falhas na democracia americana, a instabilidade gerada pela invasão do Capitólio em 2021, incentivada por Trump em face de sua derrota eleitoral, e o atentado deste sábado dão elementos para os detratores dos Estados Unidos contestarem a suposta superioridade moral de seu sistema.

O próprio presidente Lula, ele mesmo vítima de uma tentativa de golpe militar de seu antecessor derrotado nas urnas, alinha-se com essas críticas ao sistema americano, para contestar a liderança dos Estados Unidos.

Trump, na condição de líder da campanha contra as instituições americanas, e agora como vítima real de um ato de violência política, dá uma contribuição fundamental para essa contestação.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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