A retirada dos diplomatas brasileiros antes do discurso do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, na Assembleia-Geral da ONU, foi uma amostra de subordinação do Itamaraty à ideologia que emana do Palácio do Planalto, e aos ressentimentos antiocidentais que dominam a política externa brasileira.
Os brasileiros imitaram o gesto de colegas do Irã, Turquia, Chile, Colômbia, Botsuana, Djibuti e Guiné-Bissau, entre outros. Numa flagrante indignação seletiva, eles não tiveram a mesma iniciativa perante os discursos ultrajantes e delirantes do embaixador russo Vasily Nebenzya, que usa a tribuna da ONU desde 2022 para repetir as distorções da história da Ucrânia, as paranoias e ameaças do ditador Vladimir Putin.
Netanyahu proferiu um discurso abusivo e arrogante, repleto de ameaças de uso da força bruta e omissões sobre as causas do conflito no Oriente Médio, ignorando o papel de Israel e principalmente dele mesmo, em fornecer combustível político para as correntes radicais do mundo árabe e muçulmano.
Mas, diferentemente de Putin, tratado com mal disfarçada complacência pelo presidente Lula e seu assessor especial Celso Amorim, Netanyahu defende seu país da ameaça real, não imaginária, de inimigos a seu redor.
A indignação seletiva é apenas o pano de fundo de incoerência que torna ainda mais espantoso o gesto dos diplomatas. A retirada do auditório da ONU assinala a ruptura das tradições da diplomacia brasileira, baseadas na sobriedade, discrição, profissionalismo e coerência.
O Brasil é uma potência regional média. Não tem o poderio militar, econômico, político e tecnológico para impor seu desejo ao mundo. Países com esse perfil compensam essas fragilidades com o chamado poder brando, construído com a fidelidade a valores universais, como o respeito à soberania, à autodeterminação, à não-intervenção em assuntos internos de outros países, à solidariedade e, acima de tudo, às leis e tratados internacionais.
Não é por acaso que o corpo diplomático e as Forças Armadas são dois estamentos, o que significa um status distinto do restante do funcionalismo público. Essas duas categorias devem estar ainda mais blindadas de influências políticas, porque elas representam interesses nacionais permanentes, que não podem ser contaminados por interesses eleitoreiros, obsessões narcisistas e afinidades ideológicas dos governantes de turno.
A subordinação da política externa a afinidades ideológicas e pessoais de um governante acarreta inevitavelmente prejuízos à credibilidade de um país e aos interesses nacionais. Esses danos se amplificam quando, para esconder suas incoerências, o governante distorce os fatos e fere a dignidade de outros povos, como tem feito sistematicamente o presidente Lula.
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Na tentativa de normalizar seu desejo de acolher Putin no Brasil na cúpula do G-20 em novembro, desobedecendo o mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional, e com ele a própria Constituição brasileira, Lula declarou em entrevista coletiva na ONU que Netanyahu também foi condenado pela mesma corte.
Não é verdade. Um procurador pediu ao TPI o indiciamento de Netanyahu pelos crimes de guerra cometidos na Faixa de Gaza, mas o tribunal ainda não decidiu a respeito. Uma decisão contra Israel foi tomada no início do ano pela Corte Criminal Internacional, que exigiu que o país evite um genocídio na Faixa de Gaza.
Na última de uma série infindável de declarações ultrajantes contra a Ucrânia e Volodmir Zelenski, Lula afirmou, na mesma coletiva para a imprensa internacional que, se o presidente ucraniano fosse “esperto”, aceitaria a proposta de “paz” do Brasil e da China.
O plano consiste em congelar as linhas do conflito e cessar toda hostilidade de ambos os lados para negociar um acordo. Ou seja, a Ucrânia renunciaria a seu direito de se defender e abriria mão de mais de um quarto de seu território atualmente ocupado pela Rússia.
Os russos seriam premiados por terem invadido o país vizinho sem provocação. Vladimir Putin teria um respiro para recuperar sua máquina de guerra e, estimulado pela impunidade, poderia invadir o restante da Ucrânia e até outros países do Leste Europeu, quando estivesse pronto de novo.
Desde que Lula assumiu pela primeira vez a presidência, há duas décadas, a longa tradição da diplomacia brasileira vem desmoronando. Lula sacrificou os interesses nacionais para agradar ditadores de esquerda.
Empenhou escassos recursos brasileiros na construção do metrô em Caracas e outras obras de infraestrutura na Venezuela, chegando a pedir voto para Hugo Chávez na cerimônia de inauguração de uma ponte construída pela Odebrecht sobre o Rio Orinoco, nas vésperas de uma das muitas reeleições do autocrata, em 2006.
Lula aceitou um aumento injustificado no valor do gás boliviano para contentar Evo Morales e a tomada do controle das operações da Petrobrás no Equador, para não contrariar Rafael Correa, ambos populistas autoritários de esquerda.
Lula ainda envolveu o Brasil em uma manobra do nacionalista iraniano Mahmud Ahmadinejad para dar uma aparência de oferta de acordo nuclear com o Ocidente, com a participação do autocrata da Turquia, Reccep Tayyip Erdogan.
Isso foi em 2010. Catorze anos depois, o Brasil passaria outro vexame em Teerã: a inexplicável presença do vice-presidente Geraldo Alckmin na posse do presidente iraniano, Masoud Pezeshkian.
Principal autoridade na cerimônia, Alckmin se sentou na primeira fileira, ao lado do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, morto horas depois por Israel, o líder da Jihad Islâmica, Ziyad al-Nakhalah, o vice-secretário-geral do Hezbollah, Naim Qassem, e o porta-voz dos Houthis, Mohammed Abdulsalam, que ostentava a tradicional adaga iemenita no cinturão.
A imagem, que correu o mundo, por ter sido a última de Haniyeh antes de seu assassinato, equivaleu ao enterro simbólico da diplomacia brasileira.
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