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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Brasil está próximo de aderir à rota da seda da China, mas sem contrapartida de Pequim e com riscos

O esquema é uma porta para a corrupção e a inadimplência; analistas questionam os benefícios de o Brasil entrar no programa

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Foto do author Lourival Sant'Anna

O Brasil parece prestes a aderir à Nova Rota da Seda (BRI), o programa de US$ 1 trilhão de obras de infraestrutura de Xi Jinping destinado a consolidar a dominância econômica e a influência geopolítica da China. Com 150 participantes, e forte engajamento de ditaduras africanas e asiáticas, o esquema é uma porta para a corrupção e a inadimplência, dada a falta de transparência, juros altos e hipoteca das obras para o credor chinês.

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Nos últimos dez dias, Lula mencionou duas vezes a possibilidade: em São José dos Campos, quando anunciou investimentos de R$ 10,75 bilhões do BNDES para obras nas rodovias Dutra e Rio-Santos, e em entrevista a jornalistas estrangeiros, na segunda-feira, 22.

“Eu quero discutir com a China a Rota da Seda”, disse o presidente, ao responder uma pergunta da agência chinesa Xinhua. Lula aceitou o primeiro convite a um presidente brasileiro para a cúpula do Fórum Econômico da Ásia e do Pacífico (Apec), em novembro no Peru, com a participação de Xi, e também o receberá no Brasil “com uma grande festa”.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, posa para foto ao lado do presidente da China, Xi Jinping, do presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi e do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, em Johanesburgo  Foto: Gianluigi Guercia/AFP

“Eu quero saber aonde é que a gente entra, que posição nós vamos jogar, porque nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular”, entusiasmou-se. Boa sorte com isso. Lula sabe como é transacionar com os chineses, quando interesses geopolíticos estão em jogo.

Na cúpula dos Brics, em agosto de 2023, a China enfiou goela abaixo do Brasil o convite para Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia ingressarem no bloco. Lula queria a entrada apenas da Argentina, na esperança de turbinar a campanha de Sergio Massa à presidência.

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Única democracia entre os convidados, a Argentina declinou o convite, com a eleição de Javier Milei. A China já estabeleceu presença estratégica na Argentina. Tem estação de monitoramento espacial em Neuquén, na Patagônia, e pretendia, antes da eleição de Milei, construir uma base naval em Ushuaia, na Terra do Fogo, para se projetar sobre a Antártida.

Os Brics se tornaram um clube de ditaduras, cujos conflitos regionais a China passou a arbitrar. Enquanto a Índia caminha para uma autocracia sob o nacionalismo hinduísta de Narendra Modi, Brasil e África do Sul se tornam minoria no bloco. Os governos de ambos se subjugaram à estratégia chinesa de liderar a disputa global entre autocracias e democracias.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma sessão do Comitê do Partido Comunista da China, em Pequim  Foto: Xie Huanchi/AP

A declaração de Lula repercutiu na imprensa chinesa. Em entrevista coletiva na chancelaria em Pequim, o jornal Global Times enalteceu a afirmação do presidente brasileiro, de que “o Brasil espera ter com a China um relacionamento infinitamente maior”, e citou a analogia futebolística, levantando a bola para a porta-voz do ministério, Mao Ning.

“Tenho informes relevantes”, respondeu Mao. “China e Brasil são parceiros estratégicos abrangentes um do outro. O Brasil é o país do futebol. A China dá as boas-vindas para o Brasil se juntar à família da BRI e está ansiosa pelo golaço mundial do Brasil nessa cooperação.”

“O Brasil já é o maior destino de investimentos estrangeiros diretos chineses na região”, analisa Filipe Porto, acadêmico de relações internacionais da UFABC e editor do Grupo de Comunicações Internacionais da China, baseado em Pequim. “Entrar para quê?”

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Porto observa que o processo vai “contra as tradições diplomáticas do Brasil”, que “não costuma aderir a propostas que não pode discutir”. No caso da BRI, “é um documento fechado, feito exclusivamente pela China, depositado em um órgão aqui em Pequim”, diz o analista. “Vamos ver como vão lidar com questões de infraestrutura controlada 100% pelos chineses, mão-de-obra chinesa etc.”

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Nos dois primeiros mandatos de Lula, o Brasil experimentou o assédio chinês no setor da agricultura. Empresas chinesas passaram a comprar grandes extensões de terras e a construir ferrovias e terminais marítimos para abastecer a China. Desde 2007 tramitam no Congresso projetos de lei limitando a propriedade de terras por estrangeiros. O projeto 2963, de 2019, aprovado no Senado e em discussão na Câmara, permite que 25% da área de um município seja de estrangeiros, e 10% para a mesma nacionalidade.

Lula tem histórico de concessões à China sem contrapartidas reais. Em 2004, tornou o Brasil o primeiro país grande a reconhecer o status de economia de mercado da China, retirando da indústria brasileira espaço para ações antidumping contra os chineses. Eu estava em Pequim. Presenciei o deslumbramento dos petistas e o assombro dos empresários.

No ano passado, assinou o memorando sobre o grupo de trabalho de facilitação da adesão à BRI. O que mais me preocupa é a opacidade do programa chinês. O sistema de compliance e governança do Brasil resistirá às oportunidades de corrupção nesses contratos?

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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