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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Com jogo de cartas marcadas de Putin, eleição que realmente importa para Rússia será a dos EUA

Parte da geração de ditadores disfarçados de democratas, Vladimir Putin vai às urnas sem adversários reais e se prepara para o quinto mandato de seis anos

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Foto do author Lourival Sant'Anna

Os sinais estão por toda parte. Soldados russos obrigam cidadãos ucranianos a votar nas áreas ilegalmente anexadas. Batalhões russos contrários ao regime atacam províncias no oeste da Rússia. O ditador Vladimir Putin dá uma longa entrevista a um dócil jornalista da TV, e ameaça o Ocidente com armas nucleares. O líder da oposição morre subitamente em uma colônia penal no Ártico. Não há dúvida: é tempo de eleições na Rússia.

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No poder desde 2000, Putin se prepara para o quinto mandato de seis anos. Sem adversários reais, ele se esforça para motivar a população a comparecer às urnas, e lhe dá três dias para fazer isso, de sexta-feira a domingo.

Eu cobri as últimas eleições, em 2018. Funcionários do governo ofereciam brindes para os eleitores e tendas com jogos para distrair as crianças. Mesmo assim o comparecimento foi visivelmente aquém dos 67% anunciados oficialmente.

Por que o ditador se dá esse trabalho, se ele tem o controle das instituições e da informação na Rússia? Putin pertence à geração de ditadores disfarçados de democratas, ao lado de Hugo Chávez na Venezuela e Reccep Tayyip Erdogan, na Turquia.

No caso específico do russo, há também a cultura da KGB, da qual ele é cria. A maior organização de espionagem do mundo, sucedida pela FSB, que Putin dirigiu, nutria obsessão pela legalidade, fundamental para a coesão e o moral da tropa.

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Presidente Vladimir Putin reúne seu Conselho de Segurança por videoconferência no primeiro dia de eleições na Rússia.  Foto: Mikhail Metzel/Sputnik/ via Reuters

Segundo essa doutrina, quando se deseja fazer algo ilegal, há dois caminhos: mudar a lei ou não assumir que fez. Em 2020, Putin mudou a lei para continuar se reelegendo até 2036, quando terá 83 anos. Se ainda estiver vivo e no poder, mudará a lei de novo. Uma premissa é controlar o Parlamento e a Justiça, o que Putin faz desde o início, barrando a candidatura de deputados e senadores desobedientes e nomeando juízes leais.

Em fevereiro de 2015, Boris Nemtsov, o mais importante líder oposicionista russo, foi morto a tiros na Praça Vermelha. Nemtsov criticava a confrontação de Putin com o Ocidente, que havia culminado na invasão da Ucrânia no ano anterior.

Obviamente, o assassinato nunca foi esclarecido. Nem seria necessário. Pela cartilha da KGB, assassinatos devem ser recados claros o suficiente para amedrontar os inimigos e não assumidos para permanecer impunes.

No dia 16 de fevereiro, exatamente um mês antes da reeleição programada de Putin, Alexei Navalni, sucessor de Nemtsov como maior líder da oposição, sofreu morte súbita na colônia penal da Sibéria, a 1.900 km de Moscou, para a qual tinha sido transferido, ao que tudo indica com esse destino.

Navalni, de 47 anos, vivia numa espécie de acréscimos ao tempo regulamentar, depois de ter sido envenenado em agosto de 2020 com o gás nervoso Novichok, desenvolvido pelas Forças Armadas soviéticas. Salvo em um hospital especializado de Berlim, o líder russo voltou no ano seguinte para seu país, e foi levado imediatamente para a prisão, de onde só sairia morto.

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Na Sibéria, mulher deposita voto em eleição presidencial da Rússia.  Foto: AP / AP

Como convém a toda eleição, Putin tem concorrentes de fachada. As cartas marcadas são sempre as mesmas: um comunista, um nacionalista e um liberal, que vão sendo substituídos quando morrem. O candidato do Partido Comunista, Nikolai Kharitonov, de 75 anos, explica assim o fato de nunca criticar Putin, seu suposto concorrente: “Ele é responsável por seu próprio ciclo de trabalho. Por que eu o criticaria?” Kharitonov recebeu 14% dos votos em 2004, ante 72% para Putin. Este ano o instituto estatal de opinião pública indica 4% de intenção de votos para ele.

O deputado Leonid Slutsky, de 56 anos, é candidato pelo ultranacionalista Partido Liberal Democrata da Rússia. Ele apoia veementemente a invasão da Ucrânia. O instituto estatal também atribui 4% dos votos para ele.

Mais jovem entre os candidatos, Vladislav Davankov, de 40 anos, do partido Novas Pessoas, é vice-presidente da Duma, a Câmara dos Deputados. Já recebeu um prêmio de Putin e também se recusa a criticar os adversários políticos. Sobre a Ucrânia, defende uma solução negociada, desde que sob as condições russas. Ou seja, a rendição dos ucranianos, também exigida por Putin.

A eleição que realmente importa para o futuro da Rússia e da Europa ocorrerá em novembro. Se Donald Trump se eleger, os compromissos de defesa dos Estados Unidos com seus aliados europeus e asiáticos ficarão em xeque. Como disse John Sullivan, embaixador em Moscou no governo Trump, o ex-presidente americano é imprevisível, não tem um plano para a Ucrânia e atenderá ao governante que o paparicar por último.

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Putin e Xi Jinping adoram manipular personagens assim.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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